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Então, dieta ‘cringe’ para todos!
Antônio Carlos do Nascimento
05/07/2021 | 00:01
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 Se a pergunta é qual o prato que mais gosto não me demoro a pontuar: arroz, feijão, bife, batatas fritas e salada de alface com tomates e cebola. Não me importo que pareça de pouco requinte, pois, em variações desse conjunto de alimentos me nutri por ao menos duas décadas.

Entendo que o desconhecimento de outras alternativas gastronômicas me protegeu de qualquer descontentamento, mas não lembro de alguma revolta íntima com minhas refeições, me confortavam sempre.

Dentre as décadas de 1970 e 1980, já leitor das revistas da época, me deparei com críticas severas de especialistas quanto a este brasileiro perfil alimentar, ao tempo que rasgavam elogios aos vizinhos argentinos em sua dieta hiperproteica, dado o alto consumo per capita de carnes, não deixando de entregar grande prestígio ao bacon e ovos mexidos do café da manhã norte-americano.

Pouco antes do acesso à faculdade me encantei com hambúrgueres, hot dogs e refrigerantes, fascínio que substituiria minhas antigas refeições sempre que eu tivesse a oportunidade. 

Os anos 1990 trariam, ainda timidamente, as primeiras críticas estruturadas para as dietas hiperproteicas e ricas em gorduras saturadas, enquanto o açúcar e o sal eram citados como danosos, respectivamente, para diabéticos e hipertensos. 

De minha dieta juvenil ninguém falava. Ou quase ninguém. Ayrton Senna, residindo na Europa e no auge de sua carreira de extraordinário piloto que foi, ao ser indagado sobre sua predileção gastronômica descreveu de bate-pronto os mesmos itens que referenciei no parágrafo inicial deste texto.

Já neste século, em um Congresso Mundial de Cardiologia realizado no Brasil, um dos prestigiados cardiologistas do evento enalteceu nosso modelo alimentar, reverenciado por Senna e consumido por várias gerações de brasileiros, combinação que preenche com louvor a maior parte de nossas necessidades diárias, com fibras, carboidratos, proteínas e gorduras em proporções corretas.

Em 2014, técnicos do Ministério da Saúde, em parceria com o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo, criaram um guia alimentar, elogiado mundialmente e utilizado como referência por outros países na execução de projetos semelhantes. O manual estimula consumir alimentos <CF160in natura ou minimamente processados, pede cautela com óleo, sal e açúcar, adverte para os itens in natura que são processados com adição destes itens, ou, de outras substâncias, para aumentar sua durabilidade, e condena os alimentos ultraprocessados. 

Sem procurar demais, vejo que fui muito bem até encontrar os fast foods em meu pré-vestibular, enquanto não me portei tão mal, quando pude, em conhecer outras cozinhas que a globalização permitiu. 

Mas, confesso, sem qualquer constrangimento, que na estada em outros países percebo a hora de voltar quando o que mais desejo é o afago aromático do alho e cebola se desmanchando em fios de óleo quente, esperando grãos de arroz ou aguardando para serem derramados em panelas de feijão.

Cringe? Que a chamem, mas é dieta made in Brazil na alma, e para melhorar, saudável, e a depender de nossos governantes, pode ser possível para todos! 

Antonio Carlos do Nascimento é doutor em endocrinologia pela Faculdade de Medicina da USP e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.




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