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Cuba supera estereótipos criados pela mídia e política
Por Cássio Gomes Neves
e Gislaine Gutierre
Do Diário do Grande ABC
18/04/2003 | 17:16
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A estréia de Kubanacan, novela das sete que debuta na Globo em 5 de maio, faz pensar primeiro em Friedrich Engels (1820-1895), quando este apurou a destruição operada pelo capitalismo sobre distintas heranças culturais para torná-las aptas às relações de compra e venda. Dramaturgia fundada num certo “carmen-mirandismo”, o folhetim de Carlos Lombardi procura assegurar o interesse de anunciantes em uma trama passada num país fictício, de estética pan-americana, subequatoriana.

Segundo informações da agência TV Press publicadas nesta sexta-feira no Diário, o diretor Wolf Maya afirma que Kubanacan “traz características de vários países, como Venezuela, Colômbia, Bolívia, Brasil e, é claro, Cuba”. Maya também teria confirmado tentativas da emissora atrás de uma autorização que habilitasse a equipe a gravar cenas em Havana.

Seria uma apropriação meramente estética da ilha governada há 43 anos por Fidel Castro. Uma expedição para trazer o pitoresco e o picaresco a Kubanacan, aparentemente uma comédia latina (no mau sentido), com cores quentes, hedonismo, diálogos de duplo sentido e sincretismo caricatural. Cuba para turista ver, não a Cuba vitimada por um esboço de novo boicote cultural que se desenha no plano internacional.

A HBO norte-americana anunciou o cancelamento da exibição de Comandante!, documentário de Oliver Stone sobre Fidel Castro projetado no último Festival É Tudo Verdade em São Paulo. Anteriormente previsto na programação de maio, o filme foi retirado por enquadrar como herói o presidente cubano. A deliberação partiu por causa da recente perseguição do regime castrista a 79 dissidentes e da execução de três homens que participaram do seqüestro de um barco, no começo do mês, para chegar aos Estados Unidos.

A teledramaturgia se exime do compromisso de avaliar esse retorno do paredão – o real, não o dos reality shows da mesma Globo – e a história cultural e política da América Latina, em favor de seus eldorados turísticos. A Cuba de papel-machê é alheada da tradição musical da ilha, internacionalizada pelo músico Ry Cooder e pelo cineasta Win Wenders no documentário Buena Vista Social Club (1999).

De tão alegórica, vê-se alheada também de uma obra audiovisual ancestral e obrigatória em se tratando de Cuba, a do cineasta Tomás Gutierrez Alea (1928-1996). Mais conhecido pelos recentes Morango e Chocolate (1993) e Guantanamera (1995), o diretor havanês é dono de uma produção em que é basilar o estudo da revolução que derrubou Fulgêncio Batista em 1959. Com Memórias do Subdesenvolvimento (1968), trata da covardia e da omissão de intelectuais após instaurada a ditadura. E com A Última Ceia (1976), rege paralelos entre a revolução e a relação de senhores e escravos em um engenho no século XIX. Por essas, Alea fica nivelado em importância e ideário a gente como o brasileiro Glauber Rocha e o argentino Fernando Solanas. Kubanacan prefere o decadentismo, a perspectiva mercadológica e as palhas, sejam elas do coqueiro ou do quiosque.

La musica cubana – A Globo ainda não divulgou a trilha sonora de Kubanacan. Mas os telespectadores terão de ficar de ouvidos atentos se não quiserem misturar alhos com bugalhos. Nem tudo que faz as pessoas sacolejarem os ombros é música cubana.

A produção musical cubana é muito rica, e se espraia nas mais diversas vertentes, indo do son ao mambo, passando pela guaracha e o guaguanco. Uma boa amostra da produção genuína é o disco Buena Vista Social Club, trilha sonora do documentário homônimo feito por Win Wenders em 1999.

No grupo, estão grandes bambas da música tradicional cubana, como Compay Segundo, Rubén Gonzales, Eliades Ochoa, Ibrahim Ferrer, Orlando Chachaíto Lopes e outros, liderados pelo produtor e guitarrista Ry Cooder.

Ferrer está com disco novo, Buenos Hermanos (Warner, R$ 35 em média). O cantor de timbre inconfundível faz algumas concessões com relação ao tradicionalismo cubano, embora não perca sua identidade. Assim como no Buena Vista, abre espaço para a guitarra de Ry (também produtor) e para a bateria de seu filho Joachim Cooder, além de incorporar um ou outro instrumento estranho, como a corneta chinesa na faixa-título.

O começo do CD se assemelha com o Buena Vista, mas no decorrer, Ferrer desafrouxa os laços e abre espaço para composições mais românticas, não sem respeitar a tradição percussiva, que se faz presente por meio das congas, claves e bongos. Abre espaço, ainda, para homenagear os grandes músicos do país, citando os nomes em La Musica Cubana.

Mas a boa música cubana também traça sua linha evolutiva. Um exemplo interessante está no disco Mambo Sinuendo (Warner, R$ 40 em média), resultado de uma parceria entre Ry Cooder e Manuel Galbán, também do Buena Vista. Eles juntaram suas guitarras e à dupla foram agregados dois sets de bateria, congas e baixo.

O resultado é um disco diferente, que o próprio Cooder afirma ser “uma viagem através de diferentes cenários de composições sem palavras”, já que é basicamente instrumental. Mas não deixa de ser um bom representante do que se produz por lá.




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