Economia Titulo São Bernardo
Metalúrgicos pedem boicote aos veículos feitos pela Ford

Trabalhadores protestam contra término da produção na fábrica em São Bernardo

Soraia Abreu Pedrozo
do Diário do Grande ABC
27/02/2019 | 07:01
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André Henriques/DGABC


Debaixo de forte chuva, cerca de 3.000 pessoas, entre trabalhadores da Ford e seus familiares, incluindo crianças, madrugaram para participar de assembleia realizada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC no estacionamento da fábrica da montadora, em São Bernardo, com o objetivo de reverter o fechamento da planta, previsto para novembro. Manifestantes pregaram boicote aos veículos produzidos pela Ford até que a empresa reveja o encerramento da produção na cidade. “Criamos uma campanha pedindo para que ninguém compre nada da Ford. Isso porque, se existe uma coisa que patrão entende é quando o produto dele encalha”, anunciou o presidente do sindicato, Wagner Santana, o Wagnão.

Da portaria da fábrica, já sob forte sol, o grupo seguiu até o Paço Municipal. Trajeto de dez quilômetros, que foi percorrido em três horas. A paralisação iniciada na terça-feira passada, logo após o anúncio do encerramento da produção de caminhões e do New Fiesta – que são feitos na unidade da região –, será mantida pelo menos até o dia 7, quando Wagnão, o diretor José Quixabeira de Anchieta, o Paraíba, e o ex-presidente Rafael Marques serão recebidos pela direção global da marca nos Estados Unidos.
<EM>“As coincidências com os protestos de 1998 são enormes. À época, também 2.800 empregos estavam ameaçados. Além disso, eles souberam da demissão em dezembro, e a luta foi entre janeiro e fevereiro. E nós revertemos à época. Temos de lutar pelo mesmo desfecho”, lembrou Wagnão.

Ele continuou dizendo que o trabalhador de São Bernardo ajudou a construir a fábrica de Camaçari (Bahia), “que dá bastante lucro”. “Aliás, a Ford esperou o governo federal anunciar o Rota 2030 e os benefícios para a região Nordeste para, então, anunciar o fechamento da planta da região”, disse, referindo-se a um dos embates que atrasaram a aprovação da proposta do programa de incentivo fiscal, que substituiu o Inovar-Auto, que expirou em 2017, e contou com a análise de 80 emendas que foram submetidas ao Congresso. Pela nova lei, o regime automotivo do Nordeste passa a vigorar até 2025 e não mais até 2020, embora a lei tenha reduzido o valor dos incentivos fiscais na ordem de 40%.

Para o deputado estadual e diretor licenciado do sindicato Teonilio Barba (PT), desde aquela época a montadora tenta fechar a fábrica do Grande ABC. “E de lá para cá veio a produção de caminhões (2001, quando saiu do Ipiranga), o Ka (de 2007 a 2013), o segmento de extra-pesados. E o nosso governador, diante disso, o que faz? Se torna corretor de imóveis”, disse, em referência ao fato de o governo do Estado e a Prefeitura de São Bernardo se unirem para encontrar comprador para a fábrica da Ford (leia mais abaixo). Luiz Marinho (PT), ex-prefeito da cidade, lembrou também que, em 1998, liderou negociação com a direção da marca nos Estados Unidos e a decisão foi revertida.

“Desde 2017, percebemos a gravidade da situação com a falta de investimentos na planta de São Bernardo. Tanto que aprovamos acordo coletivo com cláusula de estabilidade até novembro. Em outubro, o presidente da Ford, Lyle Watters, disse na Fenatran (Salão Internacional do Transporte Rodoviário de Cargas) que não desistiria de caminhões. Então pensamos que o único problema fosse o carro. Mas fomos pegos de surpresa, ele nos deixou sem chão”, contou Paraíba. “A fábrica disse que não tem dinheiro para investir no Euro 6 (tecnologia de motorização que será exigida no Brasil a partir de 2023). E também não conseguiu parceria com a empresa turca que produz os caminhões da Ford naquele país. É preciso pedir ajuda dos governos municipal, estadual e federal então. E não simplesmente anunciar o encerramento da fábrica.”

Também estiveram no palanque Guilherme Boulos, coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), que afirmou ser solidário à luta, que é “justa para que uma empresa não vire as costas aos trabalhadores que a construíram”, afirmou. “A única luta que se perde é a que se abandona.”

AÇÕES
O Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté realizou, em solidariedade à situação vivida em São Bernardo, assembleia informativa e parada de uma hora na produção. Segundo os sindicalistas, a entidade de Camaçari também está preparando mobilização.

Hoje, os funcionários farão caminhada até o prédio 1 da montadora, às 7h, em São Bernardo. O objetivo, segundo Wagnão é que eles se reúnam com diretores do sindicato para ajudar a compor pauta que será apresentada nos Estados Unidos. Às 10h, haverá reunião entre a entidade e a Prefeitura. Amanhã ocorre plenária na sede do sindicato, às 9h, e, às 14h, está agendada reunião entre MPT (Ministério Público do Trabalho), sindicato, Prefeitura e Ford.

Morando se reúne com governo Bolsonaro

Yara Ferraz
O prefeito de São Bernardo Orlando Morando (PSDB) se reuniu com o secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos da Costa, ontem, no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo. A pauta do encontro foi o fechamento da planta da Ford na cidade e a manutenção dos 2.800 empregos.

“Concordamos que a Ford tem obrigação de apresentar um plano de desmobilização e não pode só anunciar que vai embora. Como a empresa também tem uma fábrica em Camaçari (Bahia) que envolve os benefícios fiscais do governo federal, eu entendo que tem ele tem o direito e o dever de participar”, afirmou o prefeito.

Segundo Morando, uma nova reunião, desta vez com a participação da empresa, será agendada pelo governo federal nos próximos dias. Mas, por enquanto ainda não há data definida.

Em nota, secretaria afirmou que trabalha em uma estratégia nacional de qualificação profissional, na qual também estão previstas ações de requalificação de trabalhadores de segmentos econômicos, como o automotivo.

Segundo a Pasta, o secretário “na conversa com o prefeito, reiterou compromisso de elaborar medidas que estimulem a melhoria do ambiente de negócios que, consequentemente, irão contribuir para o reaquecimento da economia.”

Até 100 mil podem ser impactados

Soraia Abreu Pedrozo
“Não é só o emprego dos 2.800 trabalhadores que está em risco. Temos, ao todo, 27 mil pessoas que são afetadas em toda a cadeia, desde o fabricante de peças até o funcionário da concessionária. Além disso, se a Ford não reverter a decisão, levamos a possibilidade de desesperança a mais de 100 mil pessoas. É uma luta dos empregos, de seus cônjuges, de seus filhos. É uma luta de São Bernardo, do Grande ABC, do Estado, do País”, disse o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, o Wagnão.

Conforme o Diário publicou na semana passada, a estimativa é a de que, somados recolhimento de impostos (ISS e ICMS) aos salários dos trabalhadores, deixem de circular por ano R$ 264,4 milhões na economia do Grande ABC. Mas, segundo estimativa do coordenador do Conjuscs (Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura) da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Jefferson José da Conceição, o montante pode chegar a até R$ 2,1 bilhões em todo o País, ou seja, oito vezes mais.

Desse total, entre 40% e 60%, ou seja, de R$ 840 milhões a R$ 1,3 bilhão, deixarão de circular na região – de 0,75% a 1,2% do PIB (Produto Interno Bruto) local, de R$ 112,04 bilhões.

O diretor do sindicato Moisés Selerges afirmou que a intenção é que a sociedade reflita sobre os impactos que podem ocorrer em razão do fechamento da Ford, e se mobilize também. “Essa massa está brigando por empregos. Esse é o início de uma longa luta, e não de uma corrida de 110 metros. Não podemos abrir mão da permanência da montadora na região, não admitimos que ela tenha 51 anos de lucros aqui e vá embora. Uma só greve é pouco para ela”, afirmou o sindicalista.

A família de Aguinaldo e Valéria Roanes, 44 e 36 anos, que estavam debaixo do guarda-chuvas com sua primogênita Estela, 8 meses, depende integralmente da renda do profissional, que atua no setor de logística da Ford, onde está há 24 anos. “Eu perdi o emprego na Coats Correntes em dezembro, e o desemprego continua alto. Ainda mais para ele, que possui doença no ombro, o que dificulta ainda mais a recolocação. Sem contar que o convênio médico cobre nós três”, disse Valéria. “Esperança é tudo o que nos resta, por isso estamos aqui, inclusive com a Estela, e debaixo de chuva”, completou Roanes.

Esperança também é palavra de ordem para Helenir Paula Nascimento, 47, que, assim como Roanes, está há 24 anos na Ford, e atua na linha de montagem. “Acho que a reunião do sindicato com a direção global da Ford nos Estados Unidos é uma luz no fim do túnel”, afirmou. “Não venho brincar de trabalhar. Levo meu emprego muito a sério. Se fosse assim, não teria deixado meus filhos, hoje com 16 e 17 anos, aos 4 meses de idade na escola para vir trabalhar. É com essa seriedade que eu quero que a empresa nos veja.”

Três empresas estariam interessadas

Yara Ferraz
Segundo o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), três empresas estariam interessadas na aquisição da planta da Ford em São Bernardo. A estratégia de encontrar um comprador para a unidade foi anunciada na última semana, como maneira de preservar os empregos do chão de fábrica.

“Posso antecipar que já recebemos três consultas de fabricantes de caminhões e automóveis e que oportunamente nós tornaremos público estas intenções”, afirmou Doria, destacando que duas seriam multinacionais e uma, brasileira. “Estamos num bom caminho de encontrar um comprador para a fábrica, numa boa disposição de ajudar mantendo esses empregos até novembro e antes disso, muito provavelmente, encontraremos comprador para as instalações”, afirmou o governador.

Entre as empresas cogitadas está a Caoa. O grupo, que já tem parcerias com a Hyundai e a Chery, confirmou que está olhando o ativo. Em nota, a montadora disse que tem “forte parceria” com a Ford há quatro décadas, por ser a maior distribuidora da marca na América Latina. “Dessa forma, é natural que a Caoa e a Ford conversem sobre futuros negócios, assim como ocorre com outras empresas sempre que há uma boa oportunidade”. A companhia ressalvou, porém, que até o momento “não há nenhuma definição ou compromisso para a aquisição da planta”. (com Estadão Conteúdo)
 




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