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'Serbis' não é para todos os estômagos
29/10/2008 | 07:05
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Na cena mais desconcertante de Serbis, de Brillante Mendoza, uma cabra invade o cinema pornô. Acendem-se as luzes e os raros espectadores da sala decadente interrompem suas atividades, que não são exatamente as de assistir ao filme. Na série de filmes sobre família da 32ª Mostra Internacional de Cinema, o filipino talvez seja o mais inusitado de todos.

Existem filmes sobre família do Brasil (A Festa da Menina Morta e Feliz Natal, de Matheus Nachtergaele e Selton Mello), da França (Horas de Verão e Um Conto de Natal, de Olivier Assayas e Arnaud Desplechin), da Turquia (Three Monkeys, de Nuri Bilge Ceylan) e dos EUA (O Casamento de Rachel, de Jonathan Demme).

Nenhum se assemelha a Serbis, que quer dizer ‘serviço'. O filme passa-se neste cinema de Manila em que os freqüentadores vêm atrás de ‘serviços' sexuais. Mas este é só o cenário. O filme é sobre família, e o cinema, aliás, chama-se Family. Disse o diretor em Cannes que não precisou rebatizar a sala, porque ela já existia.

O Family pertence à família Pineda, que não apenas administra o negócio como habita uma parte mais reservada do conjunto. Para quem gosta de transgressão, Serbis é o máximo - bem, talvez seja até um pouco excessivo. O filme tem sexo explícito, mas ele não é o objetivo em si, mas um dos componentes da equação. Mendoza quer falar sobre a ambigüidade da moral, que tem dois pesos e medidas.

A matriarca da família Pineda conduz com mão de ferro filhas, filhos, netos e agregados. Dado o cenário, que pressupõe degradação moral, você poderia acreditar no ‘vale tudo' como máxima familiar. A matriarca é tão intransigente que move um interminável processo contra o ex-marido, a quem espera ver condenado por bigamia.

Apesar de todas as diferenças entre os dois filmes, se Serbis tem alguma coisa a ver é com A Festa da Menina Morta. O filme de Matheus Nachtergaele lança seus personagens desgarrados nos confins da Amazônia, num lugarejo que ainda faz parte da selva, invadido pela natureza exuberante. O de Mendoza projeta os dele no caos urbano, e os sons da cidade com freqüência invadem a velha sala, que vira metáfora de tudo - da família, do sistema, do próprio cinema.

Não é para todos os gostos, e muito menos para espectadores que reivindicam elegância e bom gosto. Mas é visceral, como talvez fosse o udigrudi, se o cinema da Boca do Lixo tivesse sobrevivido ao transe da cracolândia, em São Paulo.

Brillante Mendoza é ele próprio uma figura. Nascido em San Fernando, nas Filipinas, em 1960, ele parece ter menos do que os seus 48 anos. Para quem é tão provocativo e transgressor, é singularmente calmo e controlado. Um bom terapeuta diria que a psicanálise selvagem que ele faz na arte termina por liberá-lo na vida.

A questão, por sinal, talvez seja justamente esta - se Serbis, afinal de contas, é arte ou não. Thierry Fremaux, diretor artístico do Festival de Cannes, defendeu com paixão a inclusão do filme na mostra competitiva de 2008.

O júri presidido por Sean Penn, talvez assustado, não atribuiu nada ao filme. Os críticos dividiram-se radicalmente - houve desde a bola preta até o ‘palmarès' (a Palma de Ouro) no quadro de cotações do festival.

Filipinas é um país estranho no imaginário ocidental. Quem quer que tenha visto as imagens da Semana Santa em Manila com certeza já se chocou com fiéis que reproduzem com pregos de verdade o sofrimento de Cristo na cruz.

Francis Ford Coppola filmou Apocalypse Now nas Filipinas e Elaine Showalter faz, em Anarquia Sexual, um relato impressionante de como o filme escapou ao controle do grande diretor - de como ele teria enlouquecido. Criaram-se, nos bastidores, linhas de atendimento a todas as perversões sexuais da equipe, incluindo o fornecimento de meninos e meninas para práticas sexuais.

Isso não tem a ver especificamente com Serbis, mas pode ajudar a entender um pouco mais este filme tão fora dos eixos. A exibição acontece nesta quarta-feira, no Cinesesc, às 13h30.

 

 




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