Setecidades Titulo Por dentro de um hospital de campanha - Capítulo 4
A alta hospitalar depois de ver a morte bem de perto

Diário acompanha a emoção de paciente que se curou da Covid após passar pela ala de casos graves em Santo André

Por Bia Moço
Do Diário do Grande ABC
03/02/2021 | 00:01
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Nario Barbosa/DGABC


 Estar de cara com a morte. Essa foi a sensação que Márcio Geraldo, 42 anos, sentiu nos primeiros dias dos 17 que passou internado no hospital de campanha montado no Complexo Esportivo Pedro Dell’Antonia, em Santo André. Com alta no dia 28 de janeiro, o “novo homem”, como ele mesmo disse, pôde contar o drama que viveu no primeiro mês do ano para a equipe de reportagem do Diário, que acompanhou in loco o momento em que ele foi liberado para ir para casa.

O autônomo deu entrada no covidário (lugar onde ficam internados os pacientes com a Covid) no dia 11 de janeiro, já em estado grave, com mais de 60% dos pulmões comprometidos pelo novo coronavírus. Segundo Márcio, o teste positivo para a Covid saiu no dia 2 e ele deu início ao tratamento em casa, porém, foi insuficiente. “Entre os dias 9 e 10 de janeiro piorei muito. Senti muita falta de ar, não conseguia respirar e decidi ir na UPA (Unidade de Pronto Atendimento). Naquele momento, saí de casa pensando que não voltaria mais”, relembrou.

Morador da Vila Curuça, em Santo André, Márcio chegou ao hospital e encontrou o tio de sua mulher, Antônio Tavares, 78, internado lado a lado. O familiar teve alta quatro dias depois e, com câncer, além de complicações pós-Covid, acabou morrendo. Márcio, porém, só soube depois que saiu do hospital. “Fiquei desestabilizado quando encontrei o tio aqui no hospital, justamente por ele ter problema de saúde. Mas depois de quatro dias ele foi embora (para casa) e eu fiquei bem pior que ele”, disse, ainda antes da notícia da perda.

Embora não tenha ficado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), Márcio passou os primeiros dias internado na ala de casos graves. Em menos de dois dias usando cateter, o autônomo precisou do auxílio da máscara de ar com 15 litros de oxigênio por minuto – taxa considerada bem elevada – e, mesmo assim, quase não conseguia respirar. Segundo os enfermeiros, houve momentos em que desenganaram o paciente, pensando que, com o avanço do agravamento do quadro, teria de ser entubado e, se seguisse no ritmo de fraqueza, poderia perder a batalha.

“Achei nos primeiros dias que fosse morrer. O que mais me deu força foi pensar no meu filho e tudo que quero fazer com ele”, revelou Márcio, emocionado. “Daqui para frente tudo muda. Serei um novo homem. Vou dar mais valor para as pequenas coisas da vida, os momentos e minha família”, garantiu o autônomo, contando que, antes, “só trabalhava” e agora quer dar mais atenção ao filho Rafael, 7.

ALTA

A equipe do Diário conversava com Márcio no covidário quando ele recebeu, enfim, a notícia de que estaria de alta. O processo requer cuidados e, antes de irem embora, os pacientes são submetidos a avaliações médicas, além de passarem por processo de conversa com psicólogos.

Eram 13h do dia 28 de janeiro quando uma assistente social foi até o portão do complexo para pegar as roupas de Márcio, levadas pelos familiares. A funcionária entregou os pertences para a enfermeira, que o auxiliou na troca de vestimenta. O que ele não sabia, porém, era que, enquanto estava no vestiário se preparando para a saída, uma fila de ‘verdinhos’, como a equipe médica foi carinhosamente apelidada, se formava para a despedida.

Márcio saiu de cadeira de rodas em um corredor cercado por profissionais que o aplaudiam e enviavam boas energias. Os colegas de ala, ainda internados, também comemoravam a vitória dele, dentro das possibilidades de cada um.

A família, do lado de fora, preparou a surpresa que ele mal podia esperar. Cartazes, balões e frases de apoio estavam a postos quando ele se deparou com oito pessoas à sua espera, incluindo, além do filho, a mulher, Tatiane Mota, 39, sua mãe, Magali Aparecida Geraldo, 67, o pai, Gerson Geraldo, cunhada, sobrinha e sogros.

Em coral, a família gritava e agradecia a Deus pela saúde de Márcio. O momento de maior emoção foi quando sua mãe caiu de joelhos no chão agradecendo pelo filho estar vivo. “Eu te amo meu menino”, gritava Magali, aos prantos.

Márcio e a família foram tomados por emoção, que contagiou toda a equipe do hospital. “É muito bom estar aqui fora. Só quero poder aproveitar eles”, disse Márcio, enquanto acalmava o filho, Rafael.

Despedidas festivas dos pacientes são marcas do hospital de campanha

Ter alta após internação é sempre um momento de alegria, seja qual for a situação. Mas sair do hospital de campanha depois de longos dias de comprometimento pela Covid tornou-se histórico. Já são milhares de pessoas que podem entrar na estatística dos que venceram a doença do século. Apenas no Grande ABC já são mais de 100 mil pacientes que conseguiram superar o coronavírus. Não à toa, o processo de saída desses locais de retaguarda tornou-se mais humanizado, no intuito de envolver, de maneira positiva, o paciente, a família e toda a equipe de funcionários.

No hospital de campanha do Pedro Dell’Antonia, em Santo André, por exemplo, tornou-se rotina aplaudir os pacientes que têm alta e preparar a saída de maneira festiva. Mas o processo vai além e envolve uma equipe multidisciplinar. Antes da alta, os psicólogos preparam os pacientes para o retorno à vida, sendo que muitos ainda saem debilitados da internação. Os assistentes sociais são os responsáveis por viabilizar o momento, contatar e preparar a família, além de acompanhar todo o processo, desde a chegada dos pertences do internado até sua saída. Já os médicos e enfermeiros garantem que a pessoa vá embora curada e passam todas as orientações também aos familiares. A equipe de higienização trata de desinfetar os leitos. Os fisioterapeutas se certificam de que a pessoa está em plena capacidade de respirar sozinha e realizar movimentos de locomoção. E, assim, o trabalho de formiguinha resulta em momentos marcantes.

Na última quinta-feira, a equipe do Diário presenciou, em apenas três horas, cinco altas emocionantes. De repente, com exceção de quem está em procedimento, toda a equipe do covidário para. Logo se escutam palmas, assovios e palavras de incentivo e, nesse momento, já se sabe que mais uma pessoa está indo para casa. O choro é constante, mas, nesse caso, é de emoção.

O aposentado Gerônimo da Silva, 74 anos, ficou feliz com o momento e disse até que se sentiu “alguém importante” ao ser tão aplaudido na saída do hospital de campanha. Mas o momento de felicidade total foi ver sua filha, que o esperava do lado de fora. “Fiquei cinco dias internados e melhorei muito. Fui bem tratado aqui, desde que cheguei até agora, saindo”, relatou o senhor.

O processo de humanização, entretanto, começa desde a admissão, quando a equipe multidisciplinar procura entender quem é aquela pessoa e detalhes de sua vida, contata familiares e inicia o tratamento, até a saída definitiva do hospital. Amanhã a série Um Dia de Cada Vez – Por Dentro de Um Hospital de Campanha tratará sobre o trabalho da equipe de super-heróis formada por psicólogos, assistente sociais e fisioterapeutas que fazem parte desse núcleo de profissionais que tornam, na medida do possível, a estadia hospital mais leve.




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