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'Meu sonho é comer bolo de chocolate'

Enquanto o mundo deseja para 2021 a vacina contra a Covid, população carente tem anseios bem comuns

Por Bia Moço
Do Diário do Grande ABC
03/01/2021 | 00:01
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André Henriques/DGABC


Enquanto o mundo vê na vacina contra o novo coronavírus a esperança de a vida voltar ao normal, inclusive para poder realizar aquela tão sonhada viagem ou comprar um carro zero, famílias que vivem em situação precária no Grande ABC alimentam sonhos que a maioria das pessoas nem imagina que possam ser verdade. Caso do menino Cauã, 7 anos, e da irmã Yohani, 6, que, na sua ingenuidade e falta de tudo, têm como maior desejo para 2021 poder comer bolo de chocolate pela primeira vez na sofrida vida que levam. As duas crianças, a mãe Maria Helena Batista, 42, o pai Edson Luis Pimentel, 32, e as irmãs Lorraine e Paloma, 3, moram em um pequeno apartamento popular no Parque São Bernardo, em São Bernardo.

Não fosse pelo auxílio que recebem do programa federal Bolsa Família, fariam parte das cerca de 79 mil famílias da região que vivem em extrema pobreza, quando um núcleo familiar é obrigado a se sustentar com apenas R$ 89 por mês, ou cerca de R$ 2,96 por dia.

Para reforçar a renda e manter os 11 filhos – já que o casal, embora more com os quatro menores, tenha tido, fora do relacionamento, outros filhos –, os pais das crianças ainda trabalham, todos os dias, como catadores de recicláveis. Entre papelões e latas, o serviço rende, no máximo, R$ 60, valor obtido geralmente por semana.

Em visita à casa da família, a equipe de reportagem do Diário pôde ver de perto a triste realidade em que vivem. Logo na entrada, é possível notar que o apartamento carece de cuidados e que abriga, naquele espaço, família cuja condição vai além da precariedade. A porta improvisada está amarrada na parede com uma corrente. No interior, um colchão no chão tira espaço de circulação e serve como cama das quatro crianças. Não há mesas e os aparelhos eletrodomésticos estão praticamente sem condições de uso. Há ainda sujeira espalhada pela casa, e poucos mantimentos.

“Do dinheiro do auxílio do governo, dou R$ 100 aos meus filhos adolescentes e, o que sobra, uso para comprar algumas coisas para comer”, relatou Maria Helena, contando que o marido estava trabalhando enquanto ela se arrumava para ir ao seu encontro. “Está muito difícil. Pego uma cesta básica na igreja, mas, mesmo assim, não supre tudo. E na rua, catando reciclável, rende muito pouco.”

Comovida, disse que seu maior sonho é dar um lar digno aos filhos. “O que toda mulher quer é uma casa bem arrumadinha. Queria colocar piso no meu apartamento, trocar a porta, ter móveis e uma geladeira boa”, enumerou, dizendo que, depois, tem vontade de arrumar os dentes.

Para 2021, ela afirma esperar que “tudo seja melhor” e que as crianças possam voltar a frequentar a escola, já que a pandemia impediu o estudo presencial. “Quero que meus filhos tenham uma vida diferente da minha, que não se envolvam com coisas erradas e sejam felizes”, desejou Maria Helena.

SONHO INFANTIL

“Posso dizer o meu sonho para o ano que entra?”, questionou o pequeno Cauã à equipe de reportagem. “Meu sonho é que em 2021 eu possa comer um bolo de chocolate bem grande. É tudo o que eu quero”, emendou o garoto, afirmando que seria uma realização. “Eu nunca comi um desses (bolo de chocolate)”, reforçou a criança.

Já Yohani completou o pedido do irmão afirmando, contente, que pediu para Camila (irmã mais velha) fazer o doce para eles. “Ela disse (a irmã) que no dia que der fará (um bolo de chocolate) para nós quatro”, sonhou a pequena, explicando que não saberia quando seria possível se deliciar com o esperado doce.

Menino deseja que exista menos corrupção em 2021

No alto do Morro do Cata Preta, em Santo André, Antônio Carlos, 13 anos, revelou que seu desejo de fim de ano é que haja menos corrupção no País. “Espero que eles (políticos) olhem mais pelo povo brasileiro”, reforçou o menino, que sonha, um dia, ser professor da área de tecnologia.

O jovem mora há oito anos com a mãe, Cristiane Francisca Bonde, 44, e o irmão João Carlos, 5, em um pequeno barraco, cercado de árvores, terra, e outros casebres. Embora o local de difícil acesso esteja longe de ser o ideal, o garoto afirma que a família é feliz e que espera, no futuro, poder arrumar a casa para sua mãe. “Quero melhorar nossas condições de vida”, disse Antônio Carlos, explicando que o ideal de ser professor é para ter uma “visão de futuro”. “Gosto de robótica e quero dar aula de tecnologia porque penso que é o que vai mudar o mundo lá na frente”, revelou.

Orgulhosa do filho, Cristiane contou que, com diabetes e uma infecção grave no pé, quem está “cuidando da casa” é o seu “pequeno herói”. “Às vezes digo a ele que é só uma fase (a falta de dinheiro e a doença da mãe). Não quero que ele perca sua infância nos problemas reais da vida adulta”, disse a mãe coruja. “Mas ele é um anjo na minha vida e terá muito futuro”, completou, emocionada.

Desempregada, a ex-catadora de recicláveis afirma que ama onde mora, e que não pretende sair do local, somente reformar a casa. No entanto, Cristiane reforçou que quer “tudo diferente e melhor” aos filhos. “Toda mãe espera que a vida dos filhos seja linda. Meu desejo deste ano, e de todos os outros, é que meus meninos sejam cada vez melhores, e que tenham um futuro diferente desta realidade”, afirmou a mãe, apontando para o entorno de sua casa.

Cristiane explicou que, atualmente, ela e os filhos vivem do auxílio emergencial do governo, cujo último pagamento foi em dezembro, e da pensão do pai dos garotos. “Não sei se terei de amputar o pé (por causa da infecção), então não consigo vislumbrar o que será de nós lá na frente”, lamentou.

Questionada sobre estar vivendo em área de risco, a desempregada afirma que não teme pelo pior, mas reforça que espera que neste ano a Prefeitura cumpra com a promessa de levar água às famílias. “Energia nós temos. Mas água, eles (governo) não terminaram de colocar. Instalaram encanamento e até os registros, mas água mesmo, até agora, nada”, reclamou, revelando que é preciso encher baldes para colocar na caixa, e até pegar água com vizinhos da área mais urbanizada, que fica na parte de baixo do local. “Quem sabe as coisas agora (em 2021) mudem para melhor, e não só aqui, mas em todo o mundo”, desejou Cristiane.

Urbanização é pedido de fim de ano no Zaíra

A antiga novela do extenso Jardim Zaíra, em Mauá, parece estar longe de um final feliz. Deslizamentos, soterramentos e mortes são alguns dos emblemáticos problemas que cercam as famílias que vivem em áreas de assentamento precário. Basta uma chuva mais forte e o medo de perderem suas casas, e até mesmo entes queridos, é o principal sentimento que assola aquela população há pelo menos dez anos.

No Macuco-Chafick, conhecido como Morro do Macuco, o projeto para urbanização de assentamento precário, prometido para 2015, continua ‘a ver navios’. As famílias locais seguem à espera do dia em que não terão mais de sofrer com a lembrança da pior tragédia já vista no morro – no próximo dia 11, o episódio provocado por deslizamento de terra após tempestade de verão que deixou cinco pessoas mortas e 500 desalojadas, completa dez anos.

Prova de que as coisas não mudaram foi o caso ocorrido no verão do ano passado, quando o Zaíra 6 também foi palco de um deslizamento que matou duas crianças, de 1 e 7 anos. De lá para cá, a população afirma que o poder público não tomou providências, e relata que o sentimento de insegurança continua sendo o maior problema do bairro.

A faxineira Francisca Angélica da Silva, 59 anos, é uma das pessoas que tiveram de sair de casa em área de risco para pagar aluguel, em local que ainda não é o que espera para sua vida. “A obra (de urbanização) está prometida há anos. Hoje temos de alugar casa, com pouca renda, e esperar pela boa vontade dos políticos em cumprir o que falam.”

Moradora do Zaíra há 25 anos, ela relata que desde sempre o bairro foi cercado de problemas, e explica que toda a população local espera pela conclusão das obras. “Hoje, financeiramente, está bem difícil para manter as moradias. Fomos tirados de nossas casas para pagar aluguel, e não temos condições para isso”, afirmou.

Atualmente, Francisca Angélica mora com o marido, Antônio Vladir Sales, 62, e a mãe Maria José da Silva, 79. “Com a pandemia, meu marido perdeu o emprego e hoje só tenho eu para nos sustentar. Está muito difícil”, afirmou, dizendo que seu sonho para 2021 é ter sua casa própria. “Tenho esperanças de que o governo concretize nossa urbanização”, finalizou. 




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