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Tecnologia ajuda Papai Noel a se reinventar na pandemia

Normalmente de grupo de risco, artistas precisaram descobrir novas maneiras de interagir

Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
25/12/2020 | 00:01
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Celso Luiz/DGABC


Esperar na fila para entregar a carta ao Papai Noel e ter a oportunidade de pedir, pessoalmente, o que se deseja de presente de Natal não foi uma ação possível em 2020. Com a pandemia de Covid-19 e a necessidade de se manter o distanciamento físico, os artistas que anualmente – e literalmente – vestem essa fantasia, precisaram se reinventar e encontrar novas formas de estar junto do seu público. A tecnologia foi grande aliada e resultou em vídeochamadas, fotos com projeções holográficas e a rara oportunidade para que o trabalho fosse realizado em dois lugares ao mesmo tempo.

Atuando como Papai Noel desde 2016, o metalúrgico aposentado Pedro Ramires Medina Filho, 58 anos, morador de Santo André, tem feito contatos virtuais com adultos e crianças, além de gravar mensagens por vídeo, para substituir sua presença física. Há três anos, resolveu assumir o Bom Velhinho que havia dentro de si, em suas próprias palavras, e passou a cultivar uma autêntica barba branca, o que tem resultado em ser reconhecido como “o” Papai Noel ao longo de todo ano.

Apesar desse reconhecimento, Medina Filho afirma que o contato remoto e virtual com o público, única forma de interação segura em tempos de Covid, não substitui o encontro presencial. “Não é mágico como poder receber, abraçar, conversar, olhar nos olhos”, definiu. No entanto, pondera que a perda do contato tem sido mais difícil para as crianças. “Elas querem abraçar, tirar fotos, conversar contando o que querem ganhar, se justificar que foram boazinhas e são merecedoras dos presentes.”

João Luiz Romanichi, 68 anos, administrador de empresa aposentado, começou atuando como palhaço em hospitais e, no fim do ano, se vestia como Papai Noel. Desde 2011, é um Bom Velhinho profissional, e apenas a pandemia o impediu de atuar como antes. A adaptação do trabalho foi intensa e para não faltar a oportunidade de levar o espírito natalino às famílias atua fazendo vídeos, um pedindo o envio da carta, e outro respondendo ao pedido. “Funcionou bem, tenho feito vários trabalhos. Também fiz vídeos para shoppings do Grande ABC, com fotos, e com tudo isso não faltou trabalho”, afirmou. Como todos os outros, a tecnologia foi incorporada no dia a dia e os desafios, como se adaptar às redes sociais, criar conta no Instagram e administrar as conversas do WhatsApp serviram como aprendizados. “A pandemia afeta o espírito natalino, porque ele existe a partir do encontro, do contato com as famílias e isso teve que ser suspenso”, avaliou.

Morador de Guarulhos, o comerciante Apolo Constant, 63, é o único Papai Noel a atuar presencialmente nos shoppings do Grande ABC. Desde 15 de novembro, ele está no Mauá Plaza Shopping, interagindo com os clientes, mas protegido pelo seu trabalho em home office. Papai Noel profissional há sete anos, Constant afirma que a necessidade de uso da tecnologia também criou novas oportunidades de trabalho e fomentou a criatividade. “Esse distanciamento serviu para uma nova aproximação das famílias, pois me parece que as pessoas estavam perdendo um pouco disso.”

Celso Luiz/DGABC

‘Bom Velhinho’ consegue atuar em dois lugares ao mesmo tempo

Se a pandemia de Covid-19 atrapalhou e obrigou o Papai Noel a se reinventar, também proporcionou situações inéditas e antes impensáveis, como estar em dois lugares ao mesmo tempo. É o caso do funcionário público Jaime Sebold Junior, 53 anos, morador de Nova Hartz, no Rio Grande do Sul. É ele quem empresta voz e imagem para a projeção holográfica que é feita no Shopping ABC, em Santo André, e também faz videoconferências ao vivo, “direto do Polo Norte”, com clientes do Shopping Villagio, em Caxias do Sul.

Seu ingresso no universo de Papais Noeis se deu por acaso, quando visitava um amigo dono de uma empresa de eventos. Sua aparência chamou a atenção de um funcionário e ele passou a viver a magia natalina. “Conheci pela internet um empresário de São Paulo que me aconselhou a investir no visual, na barba e no cabelo naturais, que isso ia mudar meu trabalho, e mudou”, lembrou Sebold Junior.

Seu Papai Noel é muito brincalhão, faz bagunça na hora de tirar a foto, e agrada adultos e crianças. O contato pela tela do computador, na sua avaliação, ameniza um pouco a necessidade que as pessoas têm de carinho, especialmente nesta época do ano. 

Para Sebold Junior, a pandemia deve promover mudanças entre as pessoas. “Acho que temos que aprender a dar mais valor à vida, ter mais empatia e ajudar o próximo no que a gente puder. A gente está aqui nesse mundo para se ajudar, um estender a mão para o outro”, concluiu.

Celso Luiz DGABC

Assumir o papel é também um ato de resistência, diz empresário

O Natal é uma das mais importantes tradições cristãs. A celebração do nascimento de Jesus Cristo emprestou o dia 25 de dezembro de uma tradição romana que comemorava nesta mesma data o nascimento do deus persa Mitra, que representa a luz. Em diversas outras culturas, o fim de dezembro era marcado pela comemoração do solstício de inverno, a noite mais longa do ano no Hemisfério Norte. Chineses, egípcios e romanos também tinham suas próprias celebrações para a época, e, apesar desse caldeirão multicultural, a festa natalina sempre foi representada como comemoração majoritariamente branca.

“Me vestir de Papai Noel faz a criança negra perguntar para seus pais por que sou o primeiro negro que ele vê vestido assim”, afirmou o empresário Marcos Miranda, 50 anos, que no domingo antes do Natal fez entrega de 1.500 kits com brinquedos e alimentos em uma comunidade de São Bernardo.

Participar da festa natalina, avalia o empresário, é também um ato de resistência. Em um ano marcado por vários casos de racismo, como a morte do autônomo negro João Alberto Silveira Freitas, 40, após ser agredido por seguranças brancos de uma loja Carrefour, em Porto Alegre, Miranda quis chamar a atenção para o quanto a celebração do Natal ficou embranquecida. Como esperava, sua aparição gerou série de comentários, por parte de crianças e adultos.

“Teve um garoto que falou: ‘nossa, você não é branco! Sua barba não é branca’. Mas foi muito legal. Nas ruas, algumas pessoas disseram ‘boa, um Papai Noel negrão!’. Foi uma experiência muito boa”, pontuou. Miranda, que tem origem humilde e hoje é empresário com lojas em São Paulo e na Bahia, afirmou que pretende repetir a atuação no próximo ano. “Vou me preparar ainda mais, caprichar na produção para realmente incorporar o personagem.”

Morador de São Bernardo, Miranda é voluntário na Cufa (Central Única das Favelas) e relatou que o convívio com o racismo é uma constante em sua vida. “Já houve casos em que estava dirigindo, outro carro parou ao lado do meu e ouvi comentários do tipo ‘deve ser o segurança’ ou ‘esse carro deve ser do patrão’, por se tratar de um veículo de luxo”, lembrou.




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