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Eduardo Drigo, bombeiro: ‘Crianças nunca
devem ficar perto da água sozinhas’
Flavia Kurotori
Do Diário do Grande ABC
06/01/2020 | 07:00
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Andre Henriques/DGABC


Comandante do 8º GB (Grupamento de Bombeiros), responsável pela região, desde setembro, o tenente-coronel Eduardo Drigo da Silva destaca que as atividades do Corpo de Bombeiros nunca terminam. Para esta temporada, a corporação intensifica o treinamento voltado aos casos de enchentes e à busca de desaparecidos em matas. Além disso, há preparação para lidar com afogamentos, já que costumam aumentar nesta época do ano. Ele defende a atuação da população em prol da própria comunidade, assim como conscientização das pessoas para reduzir o número de vítimas das chuvas de verão.

De que maneira o 8º GB (Grupamento de Bombeiros) está se preparando para as ocorrências relacionadas às chuvas de verão?
Os bombeiros estão sempre em atividade. Ora estamos com operação estiagem, operação mata-fogo no inverno, quando diminui o fluxo de chuva e temos o fogo em mata. E ora nós estamos nos preparando para as chuvas de verão. Quanto a isso, em meados de outubro e novembro, começamos a nos preparar com treinamentos na parte de represas e de busca na mata porque, neste período, as pessoas costumam fazer trilhas, provocando série de ocorrências de salvamento. Em relação ao aspecto de água, nós temos dois tipos de atuação. Uma é referente à atuação do bombeiro propriamente dito, que é aquele que se prepara para atuar nas ocorrências de enchente. Ele tem todo treinamento na parte de canoagem, utilização de balsa de rafting, sacolas de salvamento, utilização de coletes e outros equipamentos que podem ser necessários para retirar as pessoas ilhadas. Fora isso, existe a contratação para as represas, por meio de convênio entre o município e o Estado, de certo número de guarda-vidas para exercer esta atividade temporariamente. Eles ficam com a gente entre o fim de novembro e meados de março.

E esse já é um procedimento padrão para esta época do ano?
Sim, todo ano se repete, às vezes, em maior ou menor intensidade, dependendo da condição climática.

Além da questão das chuvas, o número de pessoas perdidas em matas também aumenta bastante?
Sem dúvida. A pessoa sai de manhã de casa, com sol e tempo bastante agradável, verifica aquela oportunidade de estar em contato com a natureza e adentra na mata. Uma coisa é entrar no local durante o dia, quando está claro e com sol, vendo aquele passeio maravilhoso. De repente, o tempo vira, aquilo que era uma trilha se transforma em um pequeno riacho ou num grande fluxo d’água. Isso acontece de forma bastante repentina, a pessoa perde a referência e acaba se perdendo. No verão, é certeza: se tivermos um fim de semana ensolarado, na segunda-feira o Corpo de Bombeiros está entrando na mata para procurar alguém.

Ainda sobre as chuvas de verão, na avaliação do senhor, o que poderia ser feito para reduzir o número de vítimas?
Acredito que um grande investimento na prevenção, com campanhas nas redes sociais, por exemplo. Seria interessante se isso partisse da defesa civil dos municípios, já que cada um tem a sua bem estruturada, com antecedência, lá pelos meses de setembro ou outubro. O ideal seria conscientizar as pessoas, com foco nas que moram em áreas de risco. Os moradores acabam esperando acontecer uma catástrofe para se mobilizar e fazer alguma coisa, portanto, também teria que promover a educação da população neste sentido.

Então este tipo de campanha teria como objetivo fazer com que as pessoas deixem as áreas de risco com a aproximação de uma chuva?
Exatamente. Nós estamos, atualmente, com dois locais fazendo um laboratório de prevenção. Em Santo André, no bairro Bom Pastor, e em São Caetano, no Fundação. Fomos procurados por essas comunidades, que, recentemente, em março, sofreram com enchente de grande magnitude. Nos procuraram para verificar o que o bombeiro poderia fazer para ajudá-las. É fato que para erradicar este tipo de ocorrência haveria necessidade de obras, como construção de piscinão e, obviamente, não é o bombeiro que vai cuidar disso. Mas, dentro do que nos é possível fazer, nos propusemos a dar treinamento para essas pessoas, para que elas consigam detectar o risco iminente e sair com antecedência do local, principalmente ajudando aquelas pessoas mais debilitadas, acamadas, idosos e crianças, para que não sejam expostas à condição de risco maior, que é a perda de vida. É fato e é lamentável que perdas materiais irão ocorrer, mas é importante que se preocupe, primeiramente, com o aspecto de preservação da vida. Começamos no início de dezembro a fazer reuniões com as pessoas dessas duas localidades, oferecendo treinamento para que elas consigam reagir rapidamente. Vamos aguardar os resultados para vermos se conseguimos expandir e levar isso também para outras áreas que tenham o mesmo tipo de problema.

Em relação aos afogamentos, que também aumentam durante o verão, quais são as causas mais comuns?
O afogamento decorre da própria condição climática. No calor, as pessoas vão procurar locais para se refrescar e acabam indo para braços de rio ou represas no entorno de sua residência. Por vezes, estes não são os lugares mais adequados. Temos vários braços de represa onde não há prevenção porque não é um local aberto ao público. Mas é próximo à sua casa. Temos situações emblemáticas, como no Parque Guaraciaba (Santo André), no chamado Tancão da Morte, que era uma pedreira, foi desativada e encheu d’água. Existe prevenção lá? Não, porque é proibido nadar. Mesmo assim, tivemos diversas ocorrências, inclusive com crianças. Quanto às crianças, inclusive, há casos de descuido por parte dos responsáveis. Elas nunca devem ficar perto da água sozinhas, devem estar sempre supervisionadas porque os afogamentos também ocorrem em locais supostamente sob controle. A distração com uma mensagem do WhatsApp é suficiente para que aconteça uma desgraça.

Há quanto tempo o senhor voltou ao 8º GB?
Entre idas e vindas, estou aqui na região há pelo menos 20 anos. Eu saí do Grande ABC três vezes e consegui retornar. No comando do 8º GB, estou há três meses.

É possível fazer um balanço destes últimos três meses?
Na verdade, procuro dar continuidade ao bom trabalho que já vinha sendo feito pelos antecessores. Estou levantando bandeiras com o propósito de melhorar o atendimento dos bombeiros no sentido de fomentar atividades de voluntariado, capacitando pessoas comuns para que possam, primeiramente, dar respostas mais rápidas àquela aflição, ocorrência que está atingindo e possa nos ajudar, não necessariamente na atividade de uma área quente, de incêndio, mas em isolamento de local ou transporte de material. Além disso, dentro do que for possível para os municípios, busco a contratação de efetivo municipal. A legislação nos permite uma complementação do efetivo estadual com a contratação de efetivo municipal. Então, os municípios podem contratar bombeiros públicos, que serão treinados na Escola de Bombeiros, junto com nosso pessoal, para exercer o mesmo tipo de atividade com a gente. É uma solução para complementação de pessoal e isso obviamente pode refletir no tempo-resposta, melhorando o atendimento à população. O treinamento vai sair por conta do Corpo de Bombeiros, isso já é acertado, mas a contratação seria pelo município. Aquele município que tiver capacidade econômica para isso, o Corpo de Bombeiros abre as portas para melhorar o serviço que já é prestado.

Atualmente, chega a ter falta de profissionais no 8º GB?
Para o dia a dia das ocorrências, quando as atividades seguem constantes, o efetivo que existe dá conta. Óbvio que sempre que for possível melhorar é ótimo, e, por isso, estou propondo o voluntariado e contratação do efetivo municipal.

A contratação de efetivo municipal já está sendo conversada com os municípios?
Já conversei com gestores municipais. Alguns se mostraram simpáticos à ideia, outros se mostraram refratários, já que isso aumentaria a folha de pagamento da prefeitura. Óbvio que é um dever estadual, que é cumprido, mas havendo possibilidade o município melhorar as condições para seus moradores, não vejo por que não fazer. Eu diria que todos eles (gestores municipais) estão em fase de amadurecimento da ideia. A semente foi plantada. Vamos ver se ela vai germinar e render frutos. O Corpo de Bombeiros está de porta abertas a quem quiser vir conhecer nossas atividades. Também gostaria de destacar que o bombeiro é, acima de tudo, um vocacionado. Todo mundo merece e tem que receber um salário digno, mas é uma profissão que vai muito além do salário. Eu digo que a hora que a sirene é ligada, a pessoa esquece de todos os problemas e mazelas. É muito prazeroso exercer uma função de comando de uma tropa dessas, onde você vê todo mundo trabalhando com vocação, de tal forma que eu me considero um afortunado. Agradeço a Deus todos os dias pela oportunidade de ser bombeiro e estar comandando uma unidade. Costumo dizer que é uma das mais cristãs das profissões porque você exerce a atividade para ajudar uma pessoa que não sabe quem é sem esperar nem um ‘muito obrigado’ por isso. É um retorno pessoal muito grande.

RAIO X
Nome: Eduardo Drigo da Silva
Estado civil: Casado
Idade: 47 anos
Local de nascimento: São Caetano
Formação: Academia Militar do Barro Branco; direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo; pós-graduação em direito público, engenharia civil, pela Universidade de Guarulhos; e mestrado em segurança pública, no Centro de Altos Estudos da Polícia Militar
Hobby: Nadar e correr
Local predileto: Minha casa
Livro que recomenda: Trilogia O Século, de Ken Follett
Artista que marcou sua vida: Lexxxci
Profissão: Bombeiro-militar




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