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Baeta Neves na visão dos moradores
Renan Fonseca
Do Diário do Grande ABC
21/02/2011 | 07:13
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André Henriques/DGABC


 

Da sacada do apartamento onde mora o autônomo José Carlos Santos, 57 anos, e família, pode ser vista grande parte de São Bernardo: do Paço Municipal até o Rudge Ramos. Da janela da casa do pintor Luís Pedro Carvalho, 45, outra parte da cidade avança até os grandes morros que tangenciam o município. De um lado, acesso rápido a shoppings, unidades de Saúde e linhas intermunicipais de transporte. Do outro, os serviços públicos são precários e distantes das residências. Encontram-se, portanto, dois extremos no alto de dois pontos mais altos de um mesmo bairro, o Baeta Neves.

Mas quando perguntados sobre o que acham do bairro, tranquilidade é a resposta comum, salvo algumas reclamações. Mas é ali onde pode se encontrar adegas com aspectos interioranos que se espalham pela Avenida Getulio Vargas. É onde o futebol ganha os gritos das torcidas no Estádio do Baetão, onde as donas de casa compram na feira livre, onde o setor imobiliário cresce os olhos e onde a favela ganha corpo. Algumas ruas do Baeta Neves se confundem com bairros vizinhos de Santo André, por conta da proximidade.

A pé, a dona de casa Sandra Regina Galli Santos, 53 anos, mulher de seu José, consegue ir a todos os lugares que precisa no dia a dia. "É muito fácil e prático morar aqui", comentou. Mas seu José se encantou mesmo com a paisagem janela afora. "Eu até tinha feito meu escritório dentro do apartamento. Mas não imaginava que ficaria a maior parte do tempo na varanda", disse o autônomo. Mudar dali? "Só se for para o interior", garantiu.

O pintor Luís Pedro Carvalho, 45 anos, sempre viveu no Baetão, região mais densamente ocupada, moradias de classe média a classe média-baixa. A janela da área de serviço da casa do pintor serve de moldura para a favela que segue morro abaixo. Ele vive no ponto mais alto da localidade.

Como um dos moradores mais antigos, Carvalho sabe bem por onde anda e garante: "Aqui é seguro de andar. A maioria das pessoas me conhece, pois já fiz bicos na casa de quase todo mundo". Ele vive com a mãe e o irmão, alguns anos mais moço. "Tenho tudo o que preciso bem perto. Basta pegar um ou dois ônibus para chegar no posto de Saúde, no Centro ou em um mercado grande", orienta.

Por ali também vive o autônomo José Augusto Neto, 54. Diz que gosta de morar no Baeta Neves. Mas se quer mudar, é outra história. "Queria morar no bairro Morumbi. Qualquer um queria, né", brincou. Astuto, ele comenta que um dos problemas mais graves é a presença da linha de alta-tensão da Eletropaulo. "Eles vão construir um muro aqui em frente. Daí vou pensar se saio". As moradias no alto daquele morro são irregulares, e a área pertence à concessionária.

 

O desdobramento do Sítio dos Vianas

 

São dois momentos: o da Vila Baeta Neves, aberta em 1927; e o do bairro Baeta Neves, centro expandido da vila que a Prefeitura oficializou em 1980, com abrangência sobre outros loteamentos ao longo do espigão da Rua dos Vianas, como os antigos jardins Petroni e Farina, Chácara Rialto e Vila Tupi, onde está o bar dos descendentes do cantor Agostinho dos Santos.

Baeta, vila, foi aberta por Luiz Felipe Baeta Neves, médico e fazendeiro do interior paulista, em terras do antigo Sítio dos Vianas. O sítio foi um dos maiores latifúndios da Borda do Campo, com registros delineados já no século 18. Ele se estendia dos fundos do Pedroso, hoje Santo André, até Santo Amaro, cortando áreas como as do atual Município de Diadema.

Já a propriedade do Dr. Baeta Neves era maior que a do loteamento original em si. Seguia desde a divisa de São Bernardo com Santo André, na várzea do Córrego Taioca, até o atual Jardim do Mar, o que abrangia equipamentos como a Cidade da Criança e Cia. Cinematográfica Vera Cruz.

A sede desta pequena fazenda ficava junto à Estrada do Vergueiro, hoje Avenida Senador Vergueiro. Era um casarão colonial, já demolido, onde o próprio Dr. Baeta Neves refugiava-se em fins de semana ou períodos de férias, a exemplo de outros capitalistas, como os da família Simonsen, na Chácara Silvestre.

Para trabalhar em suas terras, Baeta Neves nomeou um capataz, João Versolato, que trouxe várias famílias de Rio Claro, Limeira e Piracicaba, entre as quais as Boin, Marssura, Marchioni e Leandrini, esta última uma das pioneiras da atual Vila Gerty, em São Caetano.

Vila Baeta tornou-se um bairro proletário formado por trabalhadores das primeiras indústrias de São Bernardo, inclusive por muitos portugueses. Várias das primeiras casas foram erguidas com madeira dos containeres das peças das montadoras locais. As ruas da Vila Baeta original levam nomes de cidades paulistas.

Já o bairro Baeta Neves, nascido nos setores de Planejamento da Prefeitura, possui área oficialmente calculada em 1.356.927,02 metros quadrados. Entre suas referências estão o espaço descaracterizado da antiga fonte de Água Mineral São Bernardo, que chegou a ser industrializada, a igreja São José, o estádio do Baetão e o cruzeiro do Alto do Baeta, próximo ao cemitério. (Ademir Médici)

 

Sapateiro da Gretchen por alguns dias

 

Sabe aquele estabelecimento em que o propietário conhece tudo sobre o bairro? Geralmente é um comércio administrado por família, à moda antiga. No Baeta Neves, se precisar de alguma informação sobre nomes de ruas, pontos de referência, consertar calçados ou mesmo fazer uma pausa para uma prosa, o local é a Sapataria Paraná.

Fica ali na Avenida Getulio Vargas, próximo ao Shoppping Metrópole. Se precisar, pergunte à atriz, cantora e dançarina Gretchen. "Já arrumei sapatos dela, em uma época que ela morou alguns meses no Baeta", disse Jorandir Aparecido Gibin, 50 anos, filho de Alcides Gibin, 72.

O empreendimento começou nas idas da década de 1980. Ao longo do tempo, a sapataria passou de pai para filho. A freguesia é variada. De políticos a faxineiras, a sapataria dos Gibin é visitada por todos. Mas Jorandir gosta mesmo é de lembrar quando a dona do conga-conga-conga pisou os sapatos na loja. "Primeiro entrou o motorista dela. Disse que era para tratar bem os sapatos, pois pertenciam à Gretchen. Duvidei e disse que, se fosse verdade, faria o serviço de graça", lembrou o filho, enquanto o pai gargalhava ao fundo.

"O motorista abriu a porta do carrão e ela desceu, toda linda, para me cumprimentar. Pedi um autógrafo e tive que fazer o trabalho sem cobrar", comentou.

Pai e filho garantem que a dançarina gostou do conserto. "Eram três sapatos que precisavam de cola no solado. De qualquer forma, saí ganhando, pois fiquei com o autógrafo."

As gerações mudam, mas todas entram alguma vez na sapataria. "Não, moça. Não dá para tingir de preto sua bolsa. Mas deixa assim, ela fica bonita branca", comentou seu Alcides, para uma estudante que acabara de entrar.




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