Setecidades Titulo Dia da Visibilidade Trans
Projeto capacita pessoas trans e oferece chance de entrar no mercado de trabalho

No dia criado em 2004 para dar visibilidade a causa, operadores de pedágio da Ecovias comemoram oportunidade profissional

Thainá Lana
Diário do Grande ABC
29/01/2022 | 00:01
Compartilhar notícia
Claudinei Plaza


Mesmo por debaixo da máscara, Gabriel e Valentina não conseguem esconder o sorriso de quem conseguiu um emprego. A sensação de enfrentar um novo desafio e a certeza do salário fixo no fim do mês, são fatores que colaboram com a alegria dos dois recém-contratados pela Ecovias, concessionária responsável pela operação do SAI (Sistema Anchieta-Imigrantes). A inserção no mercado de trabalho ocorreu em dezembro do ano passado, após participarem do curso de capacitação oferecido pela empresa em parceria com a Prefeitura de Diadema, direcionado para homens e mulheres transexuais.

Além dos dois, outras três pessoas trans, que participaram do curso, também foram contratadas para aturem como operadores de pedágio. Os recrutados não obtiveram nenhuma vantagem no processo seletivo em relação aos demais candidatos. Eles foram selecionados conforme o perfil da vaga e mediante aprovação na entrevista, segundo informações da Ecovias – a empresa não abriu processo de cotas para esse público. 

A oportunidade no setor rodoviário mudou a única realidade que Valentina Ormonde de Souza, 29 anos, conhecia como mulher trans no mercado de trabalho. Até o ano passado, ela atuava desde os 17 anos na área da beleza, onde as oportunidades para pessoas transexuais costumam ser frequentes. Moradora da região central de Diadema, ela reflete sobre a escassez de emprego para pessoas trans em diferentes áreas de atuação. “Precisei brigar, literalmente, para poder terminar meus estudos. Sofri preconceito por parte de colegas de turma e, principalmente, de professores. Fui expulsa de casa quando contei que era uma mulher trans. São muitas barreiras na juventude, em ambientes escolar e familiar, para que a gente consiga brigar por vagas de igual com pessoas cisgênero (indivíduo que se identifica com o gênero que nasceu)”, desabafa Valentina. 

Após ultrapassar esses obstáculos, a corrida para garantir uma vaga no mercado de trabalho ainda precisa vencer outra barreira: o preconceito. Gabriel Aparecido Gomes dos Santos, 26, já sofreu transfobia durante uma entrevista de emprego por ser um homem trans. Ele conta que antes de adotar seu nome social, passou por situações constrangedoras durante processos seletivos e até quando atuava como operador de caixa em uma rede de supermercado. “Mesmo me apresentando como homem trans, as pessoas usavam o pronome feminino para me constranger publicamente. Poder trabalhar em um lugar que te respeita como você é, parece até um sonho”, conta Gabriel, que já se matriculou no curso gestão e recursos humanos oferecido pela empresa para tentar futuramente uma promoção na concessionária. 

MAIS INCENTIVO

No Dia da Visibilidade Trans, criado em 2004 e celebrado hoje, Valentina reforça a importância de as empresas oferecerem vagas para o público transexual, mas para além disso, acolherem essas pessoas após a contratação. “Nós temos capacidade como qualquer outro funcionário. Queremos mostrar nosso potencial e poder contribuir com a empresa da melhor forma possível. Mas, para isso, essas instituições e seus colaboradores precisam estar preparados. Não adianta contratar as pessoas trans e simplesmente jogá-las na empresa, precisa ter acolhimento”, ressalta Valentina, que não mede elogios a atual instituição que trabalha. “Aqui eles se preocupam com meu bem-estar e reforçam o respeito entre os colaboradores. Desde que entrei nunca fui desrespeitada ou passei por qualquer tipo de situação constrangedora. Aqui posso atingir meu potencial”, finaliza. 

Iniciativa busca diminuir evasão trans nas corporações

O Programa Capacitar, da Ecovias, oferece anualmente, desde 2012, cursos de qualificação para diversos públicos em situação de vulnerabilidade social, como refugiados, reeducandos em regime semiaberto, pessoas com deficiência, entre outros. No total mais 700 pessoas já foram capacitadas em diversas áreas, como atendimento ao cliente e administração, por exemplo. 

Para o analista sênior de diversidade da concessionária, Paulo Resende, o objetivo do projeto é tentar resolver um deficit social para que o público contemplado consiga competir de igual no mercado de trabalho. “Na última edição do programa, que ocorreu em novembro do ano passado, decidimos oferecer a capacitação para pessoas transsexuais que ficam muitas vezes em situação de emprego instável. Porém, além da capacitação, esbarramos em um segundo obstáculo, que é o desenvolvimento dessas pessoas nas empresas. A maioria das corporações apresenta indicadores negativos de evasão de pessoas trans devido à falta de acolhimento desse público. A falta de treinamento sobre o tema pode ocasionar casos de transfobia, por exemplo, que vale destacar que é uma prática é criminosa”, declarou Resende. A empresa conta com um programa de diversidade para trabalhar a conscientização do tema.

COORDENADORIA 

A empregabilidade de pessoas transsexuais também conta com o apoio de ações públicas por parte da Coordenadoria de Políticas de Cidadania e Diversidade da Prefeitura de Diadema. Foi o órgão que cedeu o espaço para realização do curso do Programa Capacitar e também realizou divulgação da oficina para o público trans.

Implantada no segundo semestre de 2021, a coordenadoria busca dar voz e espaço para comunidade LGBTQIA+ do município. A cidade conta com o Programa Emprega Diadema, cujo objetivo é unir empresas e pessoas que estão em busca de emprego, inclusive a população trans, conforme ressalta o coordenador de políticas de cidadania e diversidade, Robson de Carvalho. “Se alguma empresa em Diadema, que queira contribuir para empregabilidade da população trans, é só procurar a coordenadoria. Possuímos um banco de currículos, com diversas pessoas esperando apenas por uma oportunidade”, destaca Carvalho. 

Os currículos e as empresas interessadas podem enviar e-mail para: coordenaria@diadema.sp.gov.br

Relatório aponta que 140 pessoas trans foram mortas no Brasil em 2021

Em 2021, o Brasil registrou a morte de 140 pessoas trans, sendo 135 de travestis e mulheres transexuais, e cinco casos de homens trans e pessoas transmasculinas, conforme aponta dossiê da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Desse total, 138 pessoas trans brasileiras foram assassinadas no próprio País e outras duas no Exterior — uma na França e outra em Portugal.

Entre as vítimas de homicídio no País, 25 foram mortas em São Paulo, Estado mais populoso do Brasil. Com relação às regiões, o Sudeste aprece em primeiro da lista, com 49 casos. Além de São Paulo, os Estados da Bahia, Ceará, Rio de Janeiro e Pernambuco, completam o ranking das regiões com mais assassinatos de pessoas trans desde 2017. 

O relatório ainda mostra que o Brasil segue na liderança como o País que mais mata pessoas trans no mundo. A ausência de ações de enfrentamento a violência contra pessoas LGBTQIA+, somada ao aumento de ações antitrans e propostas que visam institucionalizar a transfobia e a falta de dados e/ou as subnotificações governamentais refletem nos dados levantados, segundo informações do dossiê. 

O mapa dos assassinatos 2021 aponta ainda que 5% das vítimas tinham entre 13 e 17 anos, 53% estavam na faixa etária dos 18 aos 29 anos; 28% tinham 30 a 39 anos; 10% tinham de 40 a 49 anos; 3% tinham entre 50 a 59 anos; e 1% entre 60 e 69 anos. A idade média das vítimas foi de 29,3 anos. 

Segundo o dossiê, ao analisar o perfil das vítimas, a idade se torna um dos principais marcadores. “Tanto pela preocupação do quanto a juventude trans vem sendo assassinada cada vez mais cedo, quanto pelos impactos nas futuras gerações. O total de vítimas menores de idade nos últimos cinco anos somam 27 casos ou 5,6% das 483 fontes que trouxeram informações sobre a idade das vítimas. Sendo 26 pessoas transfemininas e uma pessoa transmasculina”, finaliza o documento.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;