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Número de casamentos homoafetivos cresce 44,35% na região

Registro do aumento ocorreu entre janeiro e outubro de 2021 no comparativo com o mesmo período do ano passado

Arthur Gandini
06/12/2021 | 00:01
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O coordenador pedagógico Vitor Fortes, 25 anos, conheceu o noivo, o educador Matheus da Silva, 22, em setembro de 2017. Moradores de São Caetano, eles eram vizinhos e começaram a conversar pela internet. A afinidade por música levou eles a se tornarem amigos e a montarem um projeto para interpretar canções na voz e no violão. Da amizade, surgiu um romance. O pedido de noivado partiu de Matheus e foi feito e aceito em março de 2019. Eles moram juntos atualmente e aguardam melhora na situação financeira para se casarem, com uma cerimônia em um cartório de registro civil, sob o regime de comunhão de bens.

“Ele me deu todas as possibilidades de conhecer o verdadeiro amor. De todos os dias crescendo junto, rindo junto, chorando junto, comemorando as conquistas e lamentando as derrotas. A palavra cuidado vem muito na minha mente”, diz o coordenador pedagógico sobre a relação.

Vitor é apenas mais um morador da região que pertence à comunidade LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis, Queer, Intersexo e Assexuais) e busca fazer parte de uma estatística crescente. O número de casamentos homoafetivos no Grande ABC teve aumento de 44,35% entre janeiro e outubro deste ano, no comparativo com o mesmo período de 2020. O acumulado nos dez meses saltou de 115 registros para 166.

Já em relação ao total geral de casamentos no período, o percentual registrado foi de 24,07%. O salto foi de 9.019 registros para 11.190. As informações são da Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil). A entidade representa os Cartórios de Registro Civil do País e administra base de dados nacionais a partir de informações do Portal da Transparência do Registro Civil.

Em números brutos, São Bernardo teve o maior aumento nos casamentos no período. Alta foi de 37 para 56 registros. Já o maior percentual pertence a Rio Grande da Serra, que dobrou o índice. Em relação aos dados gerais sobre matrimônios, São Bernardo registrou uma variação de 15%, com a alta de 2.806 para 3.227 registros. Rio Grande da Serra teve um aumento de 35,66%, com uma subida de 143 para 194 registros (confira todos os dados na arte ao lado).

O STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu em 2011 a união estável entre pessoas LGBTQIA+. Já em 2013, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) proibiu que cartórios se negassem a converter a união estável em casamento civil ou a realizar o cerimônia em cartório entre pessoas do mesmo gênero. Até então, era comum que estas ingressassem com ação no Judiciário para garantir o direito.

Luis Carlos Vendramin Junior, presidente da Arpen-SP (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo) observa a alta como uma consequência da garantia jurídica. “Com a resolução 175 do CNJ, publicada em 2013, os casamentos homoafetivos passaram a ser válidos em todo território nacional, permitindo que a comunidade gay e lésbica também pudesse realizar matrimônios. O aumento destes dados também comprova que o período de pandemia está chegando ao fim e que a normalidade está voltando aos poucos”, avalia.

TOLERÂNCIA

Para Felipe Daier, advogado e coordenador do núcleo de acolhimento da comissão da diversidade sexual e de gênero da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo), o casamento homoafetivo é uma demanda de longa data da população LGBTQIA+. A concessão do direito teria sido atrasada pelo período da Ditadura Militar (1964-1985). “Existem muitas pessoas vivas que amargam o longo período no qual o Estado brasileiro lhes negou o status de família, o que está intimamente ligado ao bem-estar, à saúde física e mental e à criação de laços de afeto.”

O especialista aponta que o direito tem resultado em mais aceitação dos LGBTQIA+, especialmente para a geração nascida na década de 2000 em diante. “Houve uma alteração de um status de quase clandestinidade destes afetos para um reconhecimento jurídico que trouxe humanização”, avalia.

Vitor é um jovem não-binário. A terminologia é utilizada por pessoas que não se identificam com os gêneros masculinos e femininos, de modo que a sua identidade não se limita às duas opções. Já Matheus é um homem cisgênero. Nasceu com o corpo de um homem e se identifica com o gênero masculino. Vitor afirma que a dificuldade de entender a terminologia defendida por movimentos LGBTQIA+ e especialistas no assunto ainda gera preconceito. “As pessoas têm medo do que não conhecem. Não precisam ser gay para entender (a existência dos LGBTQIA+), precisam entender que o mundo é diferente para cada um e as pessoas passam por diferentes experiências”, defende.

Receio de perda do direito surgiu em meio às eleições

De acordo com números da Arpen, o Grande ABC registrou 262 casamentos homoafetivos de janeiro a dezembro de 2018. No mesmo período do ano anterior, o acúmulo foi de 162 casamentos. A diferença representou um aumento de 61%. Especialistas atribuem o saldo em 2018 à campanha eleitoral para o cargo de Presidente da República. O fato de o então candidato Jair Bolsonaro estar à frente nas pesquisas e apresentar posições políticas contrárias aos LGBTQIA+ teria resultado em uma corrida aos cartórios. O motivo era o receio de que o futuro presidente proibisse o casamento homoafetivo no País.

Para Paulo Iotti, doutor em direito constitucional e diretor-presidente do GADvS (Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero), o casamento civil homoafetivo não corre riscos atualmente no Brasil. “Há hoje ações aguardando análise do tema no Supremo Tribunal Federal. Tenho absoluta certeza que o STF continuará protegendo esse direito. Tivemos decisões unânimes em defesa das famílias homoafetivas em 2011 e em 2018”, relata.

Ariel de Castro Alves, advogado e especialista em direitos humanos pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), afirma que o ideal seria haver leis que regulamentassem o direito ao casamento homoafetivo. “O STF e o CNJ atuaram diante da omissão legislativa que estava violando direitos fundamentais e convenções internacionais reconhecidas pelo Brasil. De qualquer forma, as uniões e casamentos homoafetivos estão amparadas juridicamente e se tornaram tradição e costume na sociedade brasileira. Isso é irreversível e a tendência é de ampliação dessas uniões e casamentos”, aponta.

A coordenadora pedagógica Tatiane Ribeiro, 35 anos, é um exemplo de um dos casos de receio em perder o direito. Ela se casou em novembro de 2018 com a gestora de recursos humanos Luara Ribeiro, 27 anos. As duas celebraram a união civil em um cartório e, no mês seguinte, realizaram cerimônia religiosa em um terreiro de umbanda. Não realizaram a celebração no cartório por conta de haver vagas apenas em janeiro de 2019, período em que tinham receio que o direito ao casamento já pudesse ter sido cancelado.

“Diversos de nossos amigos e conhecidos resolveram se casar antes que casamentos homoafetivos fossem proibidos. No cartório, casamos sem a cerimônia, pois só havia vagas para janeiro de 2019 (quando Bolsonaro estaria eleito) e tivemos medo de perder o direito de nos casar”, relata.

A educadora afirma que, se o receio não se confirmou, o casal ainda passa por situações de preconceito mesmo com a alta no número de casamentos homoafetivos. “Às vezes percebemos pessoas incomodadas com nossa presença em algum lugar novo, então evitamos conversar com desconhecidos sem que estes falem conosco. Andar em carros de aplicativo é sempre uma incógnita. Viver sem o peso de se esconder é viver com o medo do segundo seguinte. É preciso força para seguir. Existimos porque resistimos.” 




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