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Essa é a hora para se falar sobre capacitismo
Dérek Bittencourt
Do Diário do Grande ABC
24/08/2021 | 00:01
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Nem “super-heróis”. Muito menos “coitadinhos”. Dizer que são “exemplo de superação” também não os agrada – pelo menos a maioria. Bem, peço um instante de sua atenção, caro leitor: nada disso é menosprezo ao que fizeram ou fazem diariamente os atletas paraolímpicos em seus respectivos esportes, ok? Pelo contrário. Tem explicação: a partir de hoje começa a Paraolimpíada de Tóquio, no Japão, e, como consequência do evento, precisamos falar sobre capacitismo. Antes de qualquer coisa, vou explanar esta palavra. Segundo o dicionário, “capacitismo é a discriminação e o preconceito social contra pessoas com alguma deficiência”. Assim sendo, quando utilizamos alguma variação do verbo “superar” para se referir a estes esportistas, ou então os colocamos como superpoderosos, de certa forma minimizamos a aptidão, a capacidade e a competência daquela pessoa que, no fundo, quer ser tratada como uma atleta de alto rendimento, para a qual já é necessário talento ou dom grandioso. Ao menos é o que argumentam muitos dos integrantes da delegação verde e amarela que estarão em solo japonês em busca de fazer seu melhor e, consequentemente, alcançar alguma medalha ou resultado expressivo.

“Determinação é tudo. Movimento é tudo. Isso (deficiência) é só um detalhe”, decretou campanha do CPB (Comitê Paraolímpico Brasileiro), que celebrou há alguns meses o Dia do Atleta Paraolímpico com uma live intitulada Superação é uma Ova!. Melhor do que eu dizer qualquer coisa, vou abrir aspas para quem está no meio, a começar por Mizael Conrado, que é nascido em Santo André e, nada mais nada menos, é o presidente do CPB. “A palavra superação é muito banalizada. As pessoas que superam limites todos os dias são muito limitadas. O que não é o caso do atleta paraolímpico, que tem todas as características de um grande atleta. Certa vez dei uma entrevista para uma revista para falar sobre superação e não foi publicada porque eu disse que não tinha superado meu limite ainda, tinha muito para fazer, que superação de obstáculos é coisa que acontece todos os dias na vida da gente, que o mundo não foi feito às pessoas com deficiência, que ainda tem cadeirante que não consegue acessar lugares, inclusive esportivos, por causa de acessibilidade, cegos que são preteridos no mercado de trabalho porque as empresas não querem investir em tecnologia para que ele possa exercer sua atividade profissional. Agora falar em superação de limite é muito complexo, difícil de mensurar. Então existe banalização. Foi muito feliz esse tema, porque muitas vezes que você tem uma limitação, tudo o que faz está superando seus limites, ou seja, dizendo que você é limitado. Agora alguém como Veronica, que ultrapassa barreiras, é limitada? De forma nenhuma. Não tem limitação, mas muita capacidade, qualidade e resiliência.”

Nascida em São Bernardo, a pré-citada velocista Veronica Hipólito, que ganhou medalhas de prata (100 m) e bronze (400 m) na Paraolimpíada do Rio, em 2016, não conseguiu índice para Tóquio, mas estará na ativa como comentarista da TV Globo. Sobre este assunto “superação”, ela sobe o tom. “Acredito que não só entrevistas como quando estamos andando na rua, a forma como pessoas nos olham e falam da gente, precisam melhorar mais. Todo dia escutar sobre superação, não dá. Somos atletas, não pessoas encontradas na esquina há três meses da Paraolimpíada. Ser atleta é ser atleta sete dias da semana, a gente treina, come, descansa, prioriza a vida de atleta de alto rendimento, que faz necessário abrir mão de muita coisa para priorizar esse sonho. Existem pessoas altas e baixas, gordas e magras, com vários tipos e cores de cabelo e pele, com vários tipos de gosto musical diferentes, como existem com ou sem mãos e pernas, cadeirantes e andantes, com baixa visão, que enxergam bem ou cegos, com paralisia total, parcial ou sem, então existem várias características e o que a gente espera que não seja nossa deficiência nossa principal característica. Que parem de falar sobre superação e chamem a gente de referências, de incríveis. Faltam referências. Elas existem, mas não aparecem. As pessoas com algum tipo de deficiência precisam ter referências. Quantos estão escondidos pelo Brasil porque acharam que a vida deles não daria certo por não ter uma mão, coitadinho, acabou a vida? Quantas pessoas não tiveram cirurgias, AVCs, e escutaram que a vida acabou por não mais andar e falar e ficaram na cama. Então precisa de mais espaço na mídia e mostrar as referências”, defende ela.

Já o velocista oito vezes medalhista paraolímpico Yohansson do Nascimento, que já treinou em São Bernardo e competiu pela cidade, vê evolução no tratamento, mas não esconde o sentimento. “Está melhorando bastante. Nas primeiras entrevistas, colocavam primeiro a deficiência e depois nossas conquistas, isso sempre me chateou. Porque independentemente das deficiências, sou atleta que treino todos os dias, que saí de Maceió para São Paulo com o sonho de ganhar uma medalha paraolímpica de ouro, então me chateia falar sobre o fato de não ter as duas mãos em vez de todo o meu histórico de atleta, de todos os dias de treino. Venho trabalhando isso em meios de comunicação, de falar principalmente da vida do atleta de alto rendimento e não da deficiência”, finaliza.

Confesso que escrever esta coluna me fez refletir muito. E espero causar o mesmo em você, leitor. Quando assistir aos Jogos Paraolímpicos ou ler aqui no Diário as matérias, enxergue nossos representantes como atletas, porque é o que eles são! Não sinta pena, sinta orgulho! 




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