Setecidades Titulo Especial - Capítulo 4
Mãe Nossa de Cada Dia: Elo entre ontem e hoje

Maternidade aproximou Elly da sua ancestralidade, redefiniu seus caminhos profissionais e mudou sua vida

Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
06/05/2021 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


A professora de educação infantil e de ensino superior Eliane Chagas, 43 anos, tinha 30 quando deu à luz a Caetano. Após uma perda gestacional, ela recebia em seus braços a realização de um sonho que acalentava desde o início da adolescência: ser mãe. “Sempre soube que teria um filho, mesmo sem ter certeza se queria casar”, relembra. Elly, como todos a chamam, avalia que toda experiência da gestação, parto e os primeiros cuidados com o bebê a aproximou de sua ancestralidade, redefiniu seus caminhos profissionais e mudou completamente a sua vida.

Moradora de Santo André, Elly tem sua origem na Zona Leste da Capital, área periférica, e afirma que o primeiro choque de realidade com relação às suas expectativas sobre ser mãe ocorreram no momento do parto. “Assistia a inúmeros vídeos de parto, participava de grupos de gestantes em áreas centrais de São Paulo, como a Vila Mariana e o Paraíso. E nunca tive dificuldade de me apropriar de nenhum espaço, mas, durante o atendimento do meu parto, me dei conta do contexto histórico que define o meu lugar”, relembra.

Nos vídeos de parto que assistia, a maioria das mulheres era branca, e Elly desejava ter aquela experiência. No entanto, vivenciou na pele a realidade que já foi comprovada por números em diferentes estudos, a de que mulheres negras estão mais sujeitas à violência obstétrica e têm menos acesso a métodos de alívio para a dor durante o parto.

Realizada por ter o tão sonhado filho nos braços, a professora não encontrou no então companheiro a parceria que esperava e viveu de maneira muito solitária os primeiros momentos como mãe. Ao mesmo tempo, se pegava lembrando da infância, do pai penteando seu cabelo crespo com um pente garfo – um dos muitos símbolos de resistência negra –, mas também da mãe, que muito cedo começou a alisar esse mesmo cabelo. “Pensei na foto da minha avó na parede. Quem era essa mulher negra, o que ela tinha a dizer? A maternidade me reaproximou da minha família, da minha ancestralidade”, comenta. “Tive que retomar as memórias que a gente tinha perdido, conversar em casa para poder recuperar e entender que mãe eu era.”

Caetano tem a pele clara e Elly entende que as discussões sobre colorismo (entendimento sobre os efeitos sociais a partir do quão escura ou clara é a pele de uma pessoa negra) estarão sempre presentes na sua vivência. “Conversamos com ele desde muito cedo, meu irmão e eu, sobre qual é o papel dele nessa negritude. Filho de uma mulher negra, sobrinho e neto de tios e avós negros, mas com a pele clara”, pontua. Para a professora, embora seja negro, o filho não está entre os que devem ser beneficiados por cotas e outras políticas afirmativas. “Entendo que o lugar de negritude dele é o de abrir portas, de ter uma leitura na sociedade onde ele sempre ocupou um lugar de não ser escondido”, relata. Elly menciona se lembrar de ter sido colocada no fundo, atrás de outras crianças, durante apresentações escolares da sua infância. “O Caetano, ao contrário, com os cachinhos claros, sempre esteve em lugares de evidência nessas situações”, define.

“Dentro da negritude ele tem uma situação privilegiada”, pondera. “Tenho medo quando ele sai sozinho, um adolescente negro, mas sei também que estamos em uma área central da cidade e isso faz diferença. A mãe de um filho negro retinto certamente vive com muito mais medo do que eu”, completa. Morando em região central, Elly também se preocupou em colocar o filho em contato com a cultura negra periférica, ancestral, do rap, do jongo e do maracatu. “Esse aquilombamento é muito importante para a gente.”

Sua aproximação com a ancestralidade passou também a nortear o trabalho e, atualmente, a professora é especialista em ensino de cultura afro-brasileira, inclusive dando cursos para outros docentes sobre o tema. Elly define a maternidade como uma conexão não só com o presente, mas com a memória e uma possibilidade de futuro. “Essa construção de vínculos, que vai para além desse momento.”

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