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Região tem 32 crianças na fila à espera da adoção

Do outro lado estão 696 pessoas que desejam ter um filho; exigência contribui para demora do processo

Por Tauana Marin
21/02/2021 | 00:01
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André Henriques/DGABC


Dizer que adotar uma criança ou um adolescente é um ato de amor é clichê perto do que essa atitude pode representar para o ser humano, além de ser uma jornada incrível, de espera e resiliência para ambas partes: futuros filhos e futuros pais. Hoje, no Grande ABC, há 434 crianças e adolescentes recrutados no serviço de acolhimento – que somam 18 unidades entre as sete cidades. Desse total, apenas 7,3% podem ser adotados, ou seja, 32. São Bernardo (142) é a cidade com o maior número, seguida por Santo André (114) e Diadema (95). Do outro lado, são 696 pessoas que querem adotar. O levantamento foi feito pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça) do Estado de São Paulo a pedido do Diário. 

O contigente de menores que não estão na lista de adoção vivem nos serviços de acolhimento devido a situação de risco perante suas famílias, seja por violência doméstica, negligência, entre outros. “Tentamos sempre promover a reintegração familiar, senão com os pais, com demais parentes, como os avós. Esse processo pode ser rápido ou não. Não havendo alguém da família que seja capaz de criar essa criança com segurança, ela segue para a lista de adoção”, explica o juiz Luiz Carlos Ditommaso, da Vara da Infância e da Juventude de São Bernardo.

O cadastro nacional de adoção, coordenado pela corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), é uma ferramenta digital que auxilia os juízes das Varas da Infância e da Juventude na condução dos procedimentos dos processos de adoção em todo o País. Uma vez inserido neste cadastro, não há necessidade de se inscrever em nenhuma outra comarca, pois o sistema fará buscas em todos os Estados da Federação onde os pretendentes manifestaram interesse em adotar. 

A ordem de inscrição no cadastro também é respeitada. “A partir daí, os casais são chamados para visitar as crianças nos serviços de acolhimento e, havendo interesse, conexão e vínculo entre as duas partes, passeios são liberados, fins de semana com a família, avançando no que chamamos de estágio de convivência, principalmente quando essas crianças são maiores. Todo o processo é acompanhado por psicólogos, assistentes sociais e equipe multidisciplinar”, explica o juiz. 

Instalado há 39 anos em São Bernardo, o Lar Pequeno Leão tem capacidade de acolher 60 crianças/adolescentes. Hoje, há 43 acolhidos na faixa etária de zero a 17 anos. A modalidade de atendimento é casa lar, assim sendo, visa reproduzir ambiente familiar, promovendo autonomia e convívio. De acordo com a coordenadora administrativa da unidade, Sônia Maria Santin, não existe estimativa para espera na adoção, já que cada caso é um caso. No entanto, a lei diz que a situação das crianças/adolescentes deve ser resolvida no prazo máximo de 1 ano e meio. “Ou a criança retorna a família de origem nesse prazo, ou vai ser liberada para família substituta. Neste caso é destituída do pátrio poder e a próxima família do cadastro de adoção é acionada e começa o processo”, explica Sônia.

Observa-se que pessoas com menos exigências quanto ao perfil do filho que será adotado (sexo, idade, cor da pele ou fazer parte de grupo de irmãos etc) aguardam por menos tempo. Crianças com algum tipo de deficiência também acabam ficando mais tempo à espera de uma família. “Não podemos deixar de mencionar os inúmeros casos de adoções ilegais, sem os trâmites judiciais. Isso atrapalha muito os casais que buscam seriamente um filho por adoção”, analisa o juiz da vara de São Bernardo. 

O site do TJ (www.adotar.tjsp.jus.br) é uma ferramenta importante para aqueles que desejam adotar uma criança.

Após um ano e dois meses, sonho concretizado e família completa 

Sonho concretizado, assim é o pequeno Gael, hoje com quatro anos. Após um ano e dois meses de trâmites, a bancária Clarissa Martins, 36 anos, e a professora Tânia Magali, 42, levaram para casa o filho esperado. 

“Na verdade era um sonho antigo meu. Quando conheci a Clarissa conversamos sobre a possibilidade de adotar. Sou mãe de dois filhos biológicos que, na época, eram adolescentes. Ela adotou meus filhos. Por isso optamos por perfil de criança menor para que ela tivesse contato com essa primeira infância. Nosso perfil foi até 4 anos. Após três anos de relacionamento entramos com o processo”, explica Clarissa. 

Segundo a professora, o perfil no cadastro era bem ‘aberto’ em relação a cor, sexo e doenças. “O que nos preocupamos mais foi em sermos sinceras quanto ao que dávamos conta, em relação a atipicidades. Ainda sim, a questão síndrome de Down não havia no perfil a ser preenchido no fórum. Contudo, entendemos que daríamos conta da demanda dele.”

A adoção ampliou a visão das mamães sobre o mundo, já que tiveram oportunidade de conhecerem pessoas adotantes, famílias homoafetivas e atípicas. “Infelizmente as pessoas romantizam a adoção. Muitas querem apenas bebês, sem complicações de saúde, restringem cor, gênero e por aí vai. São crianças que, por motivos adversos, acabam sendo abrigadas. Não são produtos prontos. Acredito que conscientizar os pretendentes sobre a realidade da adoção flexibilizaria o perfil e essa espera não seria tão grande. As crianças e adolescentes já existem aos montes esperando por famílias que os acolham e amem, com suas demandas e históricos. O amor vence obstáculos”, conta Tânia. 

O processo da chegada de Gael foi tranquilo. O desafio ficou por conta dos cuidados, já que quando foi para seu novo lar usava bolsa de colostomia, reflexo da prematuridade. “O Gael é nosso maior presente. Aprendemos sobre a vida com ele, que uniu ainda mais nossas famílias, a minha e a da Clarissa. Foi um reencontro de um filho que já era nosso. Perfeito da forma que ele é”, enfatiza Tânia, que deixa recado para os futuros papais e mamães: “gostaria de dizer que seu filho está esperando para te encontrar e, na hora certa, vai acontecer. É necessário se informar sobre o tema adoção, buscar grupos de apoio, como o Laços de 

Ternura, aqui de Santo André, que nos acompanhou desde o início e nos trouxe nosso amor incondicional, o Gael.” 

Espera redobra amor e ansiedade dos futuros papais

Esperar. Essa é a palavra que define aqueles que desejam amar uma criança e dar um lar à ela. Há dois anos e um mês no cadastro nacional de adoção, habilitados para receber o tão sonhado filho (a), o engenheiro químico Edson Capoano Silveira, 40 anos, e sua mulher, a enfermeira Regiane Teixeira Silveira, 37, driblam a ansiedade e traçam planos com o futuro integrante da família. A ideia de adotar sempre foi o desejo do casal, que pretendia ter dois filhos biológico também. No fim de 2017, ao fazerem exames para tentarem a gravidez, Edson descobriu câncer no testículo. 

“Foi um choque inicial. Eu, como enfermeira especialista em oncologia, tentei pensar racionalmente, mas o emocional me levava a pensar no tratamento que estava por vir. Conversamos muito, sobre todas as possibilidades e sobre o amor que temos para dar. Logo pensamos na adoção como caminho da nossa gestação. Em meio a exames e tratamento demos entrada na nossa documentação no dia 20 de junho de 2018 e em janeiro de 2019, após entrevistas com assistente social e psicóloga, finalmente estávamos habilitados”, conta a enfermeira. 

Segundo ela, o processo é burocrático, exige documentação extensa, exames médicos e de sanidade mental, curso preparatório oferecido pelo fórum, além das temidas entrevistas do setor técnico. “Todo mundo tem medo e ansiedade de ser avaliado, já que as entrevistas são feitas separadas e depois com o casal.” 

Mesmo com toda a preparação, o casal acredita que é uma forma de evitar que pessoas ou casais despreparados adotem e depois devolvam a criança por falta de instrução ou imaturidade. “A gestação do coração vai além do pré-natal comum. Cuidamos hoje melhor das nossas saúdes física e mental. Ao pensar sobre o que nossos filhos representam para nós a resposta vem em forma de gratidão, pois foi por meio da busca deles – primeiro biologicamente – que descobrimos câncer em fase inicial, com chances de cura e, apesar de ainda não estarem aqui conosco, já são esperança de dias mais alegres e mais amor.”

Apesar de jovens, a engenheira de produção Bianca Sofilio da Silva, 27, e o marido, o químico Bruno Ferreira da Silva, 33, decidiram adotar uma criança. “Desde que me lembro por gente quero adotar. Após dois anos de casamento essa vontade veio ainda maior e demos entrada no processo, mas logo veio a pandemia (do novo coronavírus), os fóruns fecharam, algumas etapas passara a ser on-line. Mas, conseguimos iniciar o processo e mandamos a documentação. Neste momento, estamos há dois meses na fila”, esclarece Bianca. 

O casal fica, por enquanto, sonhando quanto ao sexo da criança, o jeitinho dela, o mês e ano que terão o filho (a) em casa. “Adotar é uma vontade que nos toca profundamente no coração. A minha certeza é de que, em algum lugar, há uma criança, um serzinho, que pode já ter nascido, ou não, que espera por mim, pelo Bruno, por nossa família. O fato é que já temos tanto amor para dar, assim como seus avós, tios e a bisa. Nossa vontade de recebê-lo em casa, comprar coisinhas para ele ou ela, planejar as coisas em família é real desde sempre. Tenho muitos planos felizes para nós.” A adoção não exclui a vontade do casal em ter um filho biológico. “Para nós essa é a nossa concepção de família feliz.”  




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