Economia Titulo Reinvenção
Rua Jurubatuba aposta na tradição e modernidade

Vendas de móveis caíram 80% na pandemia, mas setor espera recuperação nos próximos meses

Por Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
21/06/2020 | 07:00
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A mais tradicional via de lojas de móveis do Grande ABC vive a expectativa de recuperar a clientela e superar os prejuízos com a pandemia do novo coronavírus. Os estabelecimentos da Rua Jurubatuba, em São Bernardo, foram autorizados a reabrir as suas portas na semana passada, trazendo esperança aos proprietários do local. Instalada no Centro de São Bernardo, a Jurubatuba é o endereço certo para quem quer comprar móveis – e conhecida fora da região, inclusive. São mais de 70 lojas, dirigidas por imigrantes de várias partes do planeta, com vitrines para decorar a casa toda ou apenas trocar uma poltrona.

Após a primeira semana de reabertura gradual do comércio na região, os lojistas, que enfrentaram perdas de 80% nos últimos quatro meses, têm expectativas de recuperarem as vendas ainda neste ano. Na maioria dos comércios – administrados pela segunda geração de famílias, cujos patriarcas chegaram ao Brasil após viagens de navio que duraram meses –, o pós-pandemia se apresenta como mais um desafio, mas que deve ser superado com a soma da tradição e modernidade.

Segundo informações da Prefeitura, a referência mais antiga a Rua Jurubatuba surge numa planta da área urbana de São Bernardo em 1902. Nessa época, a via se situava na divisa da área urbana com os primeiros lotes rurais da chamada linha colonial Jurubatuba, implementada em 1877 (leia mais sobre a história da via abaixo). No contexto do crescimento de toda a região central, acabou demandando a extensão da rua em obras que ocorreram em 1958. No fim da década de 1960, enquanto se modernizava, ela já começava a atrair as lojas de móveis que hoje marcam sua paisagem. Entre elas está a Estar Móveis, que foi aberta em 1952 pelo romeno Israel Apter, atualmente com 92 anos. A loja foi instalada inicialmente na Rua Coronel Alfredo Fláquer, em Santo André, e se mudou para Jurubatuba em 1975.

“Desde essa época ela já era conhecida como a rua dos móveis. Era a principal do Brasil, hoje continua como um polo importante na região”, afirmou a filha Edith Apter Diesendruck, que atualmente toca o negócio fundado pelo pai, junto com a irmã Raquel Apter Fogelman. “Meu pai conta que, quando eles abriram as lojas, havia muito imigrante italiano e espanhol que trabalhava na manufatura dos móveis e mobiliários. Muitos nos perguntam qual a receita para se manter tanto tempo no mercado e acredito que é ser dinâmico, sempre se adaptando às tendências. Tanto que estamos indo para a terceira geração da família no comando da loja”, disse Edith, falando sobre o filho Ian Diesendruck, que também atua no local, que possui duas filiais em São Paulo.

Atualmente, Apter está em isolamento por fazer parte do grupo de risco da Covid-19, mas normalmente costuma frequentar o espaço. “É um prazer para ele, ver o que ele construiu, agora ser tocado pelas filhas e netos”, disse Edith. Mais um filho de imigrante, Fauze Orra atualmente administra a Araucária, que possui 35 anos. O pai Amin Orra, 82, nascido no Líbano, chegou ao Brasil em 1956. Por um tempo, trabalhou em Santos, mas, ao vir para a região, começou na fabricação de móveis. As fábricas eram muito comuns nos arredores da Jurubatuba.

“Nós somos um dos únicos que continuamos com a fabricação”, disse Orra, que aprendeu o ofício com o pai. “Meu pai que teve a ideia de ir para o varejo e foi como descobrir que cada cliente tem a sua personalização. Costumo dizer que sou um alfaiate de móveis”, contou. Uma curiosidade são as famílias que continuam a comprar por gerações. “Os clientes vêm aqui e falam: ‘Meus avós compravam aqui. Acredito que esse é um legado da Jurubatuba.”

O presidente associação dos lojistas da Jurubatuba, Youssef Hindi, estima que 80% dos lojistas sejam da colônia libanesa. Mesmo com uma queda de 80% nas vendas, a expectativa é conseguir recuperar até o fim deste ano. “Nosso concorrente direto é o turismo, porque muitas vezes as pessoas deixavam de trocar um móvel para viajar. Acreditamos que isso não vá acontecer este ano. O cliente ficou mais em casa e está atento a trocar móveis para deixá-la mais confortável.”

 

Setor representa R$ 2 mi em receitas do município
Segundo a Prefeitura de São Bernardo, o segmento moveleiro presente na Rua Jurubatuba foi responsável por cerca de R$ 2 milhões na arrecadação da cidade no último ano. A reabertura gradual do comércio vem sendo importante para fomentar as vendas, mesmo que, durante o isolamento físico, as lojas continuassem efetuando pela internet.

“Abrir durante quatro horas por dia (11h às 15h) é melhor do que não abrir. Mas no nosso setor moveleiro, o cliente muitas vezes precisa de mais de quatro horas para fazer o projeto, a escolha e andar por diversas lojas”, disse o presidente associação dos lojistas da Jurubatuba, Youssef Hindi. “A gente já vinha de uma crise forte. Em janeiro e fevereiro (a venda) estava bem devagar. Sentíamos que a retomada vinha em março, quando fechamos.”

Em busca de ações de fomentos ao setor, a Prefeitura informou que tem atuado na valorização de comércios do segmento. Um dos compromissos cumpridos pela atual gestão foi o apoio a tradicional Feira de Móveis da Jurubatuba. Na edição de 2019, a administração municipal colaborou com sua realização, entre divulgação e estrutura. Cerca de 60 mil pessoas prestigiaram o evento.

 

Via ligava os lotes coloniais à cidade
Trata-se da antiga Linha Jurubatuba, aberta em 1877 como parte do Núcleo Colonial de São Bernardo. Via de acesso a lotes coloniais, verdadeiros sítios ou chácaras, destinados a imigrantes europeus, em sua maioria formada por italianos.

Servia de ligação entre o Centro da Vila de São Bernardo e o porto do Alvarenga, às margens do Rio Grande, inundado quando da formação da Represa Billings. Ou seja: a Jurubatuba sempre teve funções múltiplas: urbana no Centro, rural a partir da embocadura com a Rua Joaquim Nabuco. Os colonos plantavam batatas, mandioca e outros produtos do gênero, como parte do cinturão verde de São Paulo.

A parte urbana inicial seguia da Rua Américo Brasiliense à Vila Duzzi. Desta à área do atual Paço a ocupação foi mais lenta, ocorrendo a partir da abertura de novos loteamentos e aberturas de indústrias, caso da Elni, espaço hoje ocupado por unidades militares e o Estádio Primeiro de Maio. As lojas de móveis da Rua Jurubatuba foram outro fator importante para o complemento da via em direção ao Paço. As primeiras foram montadas na década de 1960.

Da Rua Américo Brasiliense em diante o espaço era de fato rural. Onde está o Hospital de Urgência, inaugurado este ano como reforço ao atendimento de vítimas do novo coronavírus, existia a criação de vacas da senhora Sabatini. Isto até a década de 1960. Neste período, não havia calçamento. Estrada era de terra, com muitos bambuzais em suas margens.

Com o crescimento da cidade, a Rua Jurubatuba ganhou os primeiros melhoramentos e foi opção a mais para o sistema viário, pois tudo se resumia à Rua Marechal Deodoro, com dois sentidos de trânsito – mão e contramão. A Jurubatuba, então, passou mão no sentido Bairro Assunção, recebendo as linhas de ônibus que demandavam nesta direção.

Mas até a década de 1950, mesmo no Centro, a ligação da antiga Linha Jurubatuba com o Centro dava-se em pinguelas de madeira sobre o Ribeirão dos Meninos, que já se chamou Rio dos Couro. Ribeirão este canalizado na década de 1970 para a abertura da Avenida Faria Lima, hoje servindo ao sistema trólebus.

(Ademir Medici)




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