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Selton Mello: um 'sobrevivente' de talento
Por Renata Petrocelli
Da TV Press
29/10/2004 | 10:04
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Até interpretar o sonso Chicó, de O Auto da Compadecida, Selton Mello, 31 anos, não acreditava que soubesse fazer humor. O ator atribui ao diretor Guel Arraes a descoberta da comédia em sua carreira. Se foi assim, o mestre ensinou a lição direitinho. Afinal, de lá para cá, Selton estrelou A Invenção do Brasil e Lisbela e o Prisioneiro, do próprio Guel, participou da terceira temporada do seriado Os Normais e volta à TV nesta sexta em outro papel cômico. Ele vive Tales, o chefe da repartição pública sem qualquer utilidade onde se desenrola a ação de Os Aspones, escrito por Alexandre Machado e Fernanda Young, os mesmos de Os Normais.

Aos 22 anos de carreira ele se orgulha em dizer que escolhe cada um dos trabalhos de que participa. Prefere não ter contrato com a Globo, para poder fazer teatro e cinema quando bem entender. Selton acaba de dirigir um clipe do grupo Ira! e pretende seguir carreira como diretor. "Vocês ainda vão ouvir falar muito em mim dirigindo", avisa. Leia os principais trechos da entrevista:

PERGUNTA: O fato de já ter trabalhado com Fernanda Young e Alexandre Machado em Os Normais pesou na hora de aceitar o convite para Os Aspones?

SELTON MELLO: Os Aspones é bem mais especial que isso. Eu estava em São Paulo, o Alexandre e a Fernanda estavam pensando em um programa novo, me chamaram, fui até a casa deles. Eles estavam começando a ter a idéia do que viria a ser Os Aspones. Criei meu personagem junto com eles. Nunca tinha feito nada parecido com isso em TV. No teatro, sim, no cinema também. Mas, na TV, foi novidade. Ficou a minha cara.

PERGUNTA: Isso mudou seu processo de composição do personagem?

SELTON: Acabou ficando mais simples: era só botar a roupa e fazer, porque eu sabia qual era a do personagem. Sem contar que foi um processo diferente, porque eu ficava curioso de saber quem ia fazer os outros personagens. Acabou se formando um elenco sensacional. E é sempre surpreendente quando se coloca um elenco desse junto, de grandes atores. No papel, é uma coisa. Depois, na hora de gravar, cada um vai para um canto e o negócio vira uma loucura.

PERGUNTA: Como você definiria o Tales?

SELTON: É um cara que tem um emprego comum e, por uma circunstância obscura, acaba virando chefe numa repartição que não tem função nenhuma. Mas ele acha que tem, ganha poder e é interessante ver a transformação do cara em função do poder. É um cara esquisito, que tem hábitos estranhos e pensamentos peculiares. E acaba tentando implantar naquele ambiente de trabalho seus métodos, que são estranhos também. Mas o mais interessante é que os personagens ficam confinados ali naquela repartição. E aí tudo pode acontecer, tem um jogo legal entre eles.

PERGUNTA: Que avaliação você faz do programa?

SELTON: Acho que ele tem uma pegada diferente de outros programas que estão no ar. Tem um tempo meio estranho, o público pode estranhar no início. Não é um programa que vai agradar de cara. Pelo menos esta é a minha impressão. Por outro lado, é muito brasileira esta coisa de pegar um protocolo, voltar no dia seguinte com a xerox da identidade, entrar numa fila enorme, ouvir que ainda está faltando um documento. O programa fala desta burocracia, é como se ela fosse mais um personagem. Sem contar que deve fazer um sucesso enorme com quem trabalha em escritório. E não é pouca gente que trabalha em escritório no Brasil. Mas acho que só se conquista o público com o tempo. O programa é esquisito, mas é engraçado. É muito engraçado.

PERGUNTA: A princípio, estão previstos apenas oito episódios. Você acha que pode acontecer como Os Normais, que acabou ficando três temporadas no ar?

SELTON: Acho que a impressão, tanto da direção e dos autores quanto dos atores, é que Os Aspones não é um programa para entrar semanalmente. A continuidade, se rolar, deve ser por grupos de episódios: a gente faz mais oito em março, depois mais oito no segundo semestre. Aliás, se acontecesse isso, para mim seria o ideal.

PERGUNTA: Você acha que este é o melhor esquema de produção na TV?

SELTON: Acho. Primeiro porque os autores podem ter um tempo maior, podem cuidar do texto com mais calma. É mais fácil do que ter a obrigação de fazer um programa por semana. Eles podem caprichar e preparar oito programas muito bons. Por outro lado, sendo assim, os atores podem fazer outras coisas. Ano que vem, por exemplo, tenho um filme para fazer em Brasília, vou ficar lá de julho a setembro. Se eu tiver um trabalho semanal aqui, não vou poder fazer um ou outro. Sendo por temporadas, posso organizar minha vida melhor. Acho que para o público também é melhor, porque dá saudades. Quando o programa volta, as pessoas pensam: 'Vamos ver o que eles vão aprontar desta vez'. E eu gosto desta coisa de não ter uma rotina maior, de fazer coisas curtas. Não dá tempo de ficar entediado.

PERGUNTA: É por isso que você prefere participar destes projetos especiais na TV a fazer novelas? Sua última novela foi Força de um Desejo.

SELTON: Acho que o tempo é o maior fator mesmo. Até porque, em termos de qualidade, hoje em dia as novelas estão muito bem-cuidadas também. Mas uma coisa é fazer um trabalho como Os Aspones, que me segurou um mês e pouco, ou passar três meses fazendo Os Normais, outra coisa é fazer novela. Se estiver fazendo novela, eu não posso fazer cinema e teatro, que adoro. Agora, acabando Os Aspones, vou fazer uma turnê com O Zelador, uma peça que já faço há cinco anos, depois vou para Brasília, faço o filme. Se pintar outra temporada do programa, eu venho e faço. Acho importante o ator fazer de tudo, porque uma coisa alimenta a outra. Os atores que eu admiro são os atores que fazem de tudo, como Paulo José e Marco Nanini.

PERGUNTA: Para você, o que foi o melhor e o pior de ter começado a carreira tão cedo?

SELTON: A grande vantagem é ter começado a aprender mais cedo. Mas não acho que começar tão cedo seja bom para a cabeça de uma criança. Eu me considero um sobrevivente. Se dá certo, é ótimo, mas, se não dá, é difícil para a criança entender por que não está mais no esquema, por que não é mais lembrada. Durante a adolescência, não me chamaram mais para fazer televisão. Eu poderia ter surtado, desistido, ter feito outra coisa. Mas fui fazer teatro, depois voltei para a TV. É complicado você botar uma criança de 10 anos para fazer novela, ela começa a fazer sucesso, as pessoas pedem autógrafo, falam com ela nas ruas, e de repente não é mais chamada. Ela fica sem entender por que não é mais querida, isso mexe com os sentimentos mais primitivos da criança. Não é uma boa começar tão cedo. Acho que eu e meu irmão somos sobreviventes mesmo.




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