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Celso foi vítima de seqüestradores amadores, diz delegado
Danilo Angrimani
Do Diário do Grande ABC
19/01/2003 | 13:53
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O delegado Edison Remigio de Santi, titular da 2ª Delegacia Especializada de Crimes contra o Patrimônio do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado), encerrou as investigações sobre o assassinato do prefeito Celso Daniel. Em entrevista exclusiva, concedida ao Diário, De Santi revela detalhes da apuração e das prisões que foram feitas ao longo de quase um ano.

Aos 44 anos, com dez anos de experiência como delegado, o policial de cabelos prateados, discreto, santista fanático (tem uma bandeirinha do Santos em sua mesa), voz empostada (foi repórter policial e trabalhou cinco anos na produção do programa de rádio de Gil Gomes), acha que viveu seu melhor momento na carreira. “Foi o caso mais importante, dada à qualificação da vítima.”

Sobre as dúvidas que ainda pairam sobre o caso Celso Daniel, De Santi diz que por mais que se explique que o prefeito, figura proeminente no PT, foi morto por criminosos comuns é difícil convencer a família. “Eles têm todo direito de questionar.” A seguir, os principais trechos:

DIÁRIO – Como o sr. entrou na investigação do caso Celso Daniel?
EDISON REMIGIO DE SANTI – A Jovem Pan Serviços recebeu uma denúncia anônima de que pessoas ligadas ao seqüestro e morte do prefeito Celso Daniel seriam integrantes de uma quadrilha, que tinha sua base de operações na favela Pantanal, na divisa de São Paulo e Diadema. Essa era mais uma informação, entre tantas que a polícia recebia na ocasião. Fomos verificar a denúncia e de fato localizamos o documento (de um plano de saúde) em nome do prefeito Celso Daniel.

DIÁRIO – Como foi essa descoberta?
DE SANTI – Foi uma surpresa. O chão era uma bagunça. Tudo sujo, com muito papel espalhado, terra, água empoçada. Um agente, chamado José Carlos, me perguntou: ‘Doutor, qual é mesmo o nome do prefeito?’ Respondi e ele me disse: ‘Está escrito Celso Daniel aqui nesse papel.’ Quase tive um enfarte na hora. Era um papel branco, dobrado, caído numa poça. Vimos que tudo estava convergindo para lá.

DIÁRIO – Por quê?
DE SANTI – O telefone celular do prefeito havia tocado, quando ele ainda estava naquele primeiro cativeiro. Alguém atendeu e, em seguida, desligou, mesmo assim foi suficiente para o sinal ser captado pelo rastreamento da ERB (Estação Rádio Base). A polícia sabia que o prefeito tinha estado na favela Pantanal. Tanto é que houve buscas da Homicídios (DHPP – Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) e da Polícia Federal, que vasculharam aquele local.

DIÁRIO – A denúncia que a rádio recebeu era vaga ou trazia detalhes?
DE SANTI – Trazia os nomes de alguns integrantes da quadrilha, mas só pelos apelidos. Nosso trabalho principal foi fazer a qualificação do grupo. Saber com quem estávamos lidando. Eu tinha certeza absoluta que estávamos no caminho certo. A minha única dúvida era com relação à motivação.

DIÁRIO – Qual foi a evidência material que mostrou que a sua linha de investigação era a correta?
DE SANTI – Isso se tornou mais claro quando prendemos o Itamar (Itamar Messias Silva dos Santos; acusado de roubar o Santana azul). Ele tinha encostado na Pajero, onde estava o prefeito. Quando checamos a impressão digital do Itamar com a impressão deixada na porta da Pajero, verificamos que se tratava da mesma pessoa. Batia. Era a evidência material que precisávamos.

DIÁRIO – Os criminosos fugiram ou ficaram na favela, quando os policiais estiveram lá?
DE SANTI – O chefe da quadrilha Ivan Rodrigues da Silva, o Monstro, e os demais integrantes do bando passaram a noite na favela. Eles esconderam a Blazer e o Santana. A ordem do Monstro era soltar o prefeito: “Solta que o homem (Celso Daniel) é uma bomba”. Mas o Edison (José Edison da Silva), que tem uma cabecinha desse tamanho, achou que seria reconhecido e mandou o menor L.S.N., o Lalo, matar o prefeito.

DIÁRIO – O que o Edison fazia na quadrilha?
DE SANTI – Ele era o responsável pelos cativeiros. Quando ele foi preso, nos levou até São Lourenço da Serra, na região de Juquitiba, para mostrar a localização do cativeiro do prefeito. Os dois – Edison e Lalo – descreveram o lugar. Para não pairar dúvida, levamos os dois em carros diferentes até o sítio. Pedi para a Homicídios (DHPP) e a Polícia Federal nos acompanhar. Tanto Edison quanto Lalo indicaram o mesmo caminho e chegaram no cativeiro. Nesse mesmo sítio, eles tinham executado um travesti, que não tinha R$ 3 mil para pagar o próprio resgate. O corpo do travesti foi jogado em um ponto próximo a Miracatu.

DIÁRIO – A quadrilha tinha dois cativeiros: na favela Pantanal e em São Lourenço da Serra. Eles formavam um grupo organizado?
DE SANTI – Não. A tática de seqüestro da quadrilha era simplória. Eles atacavam ‘di zóio’, segundo me disseram. Ficavam de olho no carro que passava e, se fosse importado, atacavam. Se a família não tivesse dinheiro (eles começavam pedindo R$ 500 mil), iam baixando.

DIÁRIO – Eles eram amadores, então?
DE SANTI – Amadores, completamente amadores. Quase todos eram usuários de drogas (cocaína e maconha), chamados de nóias na gíria deles. O seqüestrador amador não tem estrutura financeira para manter a pessoa por muito tempo em cativeiro. O amador pode também se abalar com a qualidade da vítima (foi o que aconteceu no caso do prefeito). O seqüestrador profissional, ao contrário, vai procurar a vítima qualificada e não a elimina. Manuel Moreira, da família Oliveira de seqüestradores, me disse certa vez uma frase exemplar: “O torro (seqüestrado que tem dinheiro) não se mata. O torro se negocia”.

DIÁRIO – O sr. poderia falar um pouco sobre o Monstro. Como ele ganhou o apelido, quem era, quantos integrantes tinha sua quadrilha.
DE SANTI – Ivan Rodrigues da Silva, o Monstro, era temido e respeitado. Matou várias pessoas. Somente no dia que ele chegou aqui (no Deic) veio o pessoal da Homicídios (DHPP) e ele assinou quatro assassinatos. A princípio, ele praticava roubos, mais tarde passou a fazer seqüestros. Ele me disse que assaltar bancos e empresas eram práticas de risco, porque havia mais possibilidade de topar com a polícia. Ele chefiava uma quadrilha grande, com muitas ramificações. O apelido Monstro é originário de uma cicatriz no queixo. Ele levou um tiro e a bala cortou boa parte do maxilar esquerdo. Essa cicatriz passa de uma ponta a outra. Foi uma briga entre bandidos.

DIÁRIO – Como o sr. conseguiu identificar e prender o Monstro?
DE SANTI – O Monstro foi identificado pelo meu colega, o delegado Arli Reginaldo, que trabalhou durante todo o Carnaval do ano passado. Para nossa sorte, o Monstro já tinha sido preso e conseguimos a foto dele na Penitenciária de Sorocaba. O apelido era recente e não constava nos arquivos da polícia. A prisão do Monstro aconteceu graças à interceptação telefônica. Ele estava em São Paulo, planejando um seqüestro com seus novos parceiros. Ele e Gilmar dos Santos Neves, o Mancha, tinham uma criança em cativeiro. O assunto entre eles era sempre o seqüestro. Eles iam fazer uma reunião, com seis indivíduos. Tinham marcado o local da reunião. Nós chegamos duas horas antes e ficamos aguardando dentro de um caminhão. Nosso objetivo era pegar toda a quadrilha. Quando deu meia-noite e meia, ele ligou para o Mancha e desmarcou a reunião.

DIÁRIO – Escapou por pouco.
DE SANTI – Sim e não. No dia seguinte, o Monstro ligou às 10h para um parceiro da favela Pavão (localizada ao lado do Centro de Treinamento do São Paulo). Ele avisou que haveria um transporte – iam levar uma vítima de seqüestro para outro local. Nós chegamos na favela e ficamos observando. Vimos o Mancha e o Monstro. Pedi apoio. Vieram quatro viaturas de reforço. Nós cercamos a favela e o prendemos. Demos azar, porque, minutos antes, o Mancha tinha levado uma vítima para Santa Isabel. Quando eu o imobilizei, falei:Finalmente, te peguei. E o Monstro respondeu: ‘Dr., achei que o sr. tinha se esquecido de mim’. Tinham se passado mais de quatro meses. Ele não estava armado e não ofereceu resistência.

DIÁRIO – O que aconteceu depois?
DE SANTI – Falamos para ele: “Sabemos que você tem um garoto em cativeiro.” Ele disse: “É verdade, dr., o menino está lá em Santa Isabel, com o Mancha, que levou outra pessoa pra lá.” Nós levantamos o local do cativeiro e libertamos três vítimas: o menino e dois rapazes. O Mancha escapou e só foi preso há apenas duas semanas na praia da Enseada, no Guarujá. Para não chamar a atenção, fui disfarçado com a camisa do Santos e outros investigadores de bermuda e chinelos. Ele também não esboçou resistência. O Mancha era muito violento. Ele batia nas vítimas. Dava pontapés, tapas, coronhadas. Ameaçava cortar dedo, orelha.

DIÁRIO – O sr. e seus agentes se envolveram em algum tiroteio?
DE SANTI – Só tivemos de usar arma de fogo em uma ocasião: na prisão do Elcyd Oliveira Brito, o John (acusado de dirigir a Blazer verde que perseguiu a Pajero, onde estava Celso). Quando nós nos aproximamos do local onde ele se escondia, em Embu-Guaçu, fomos recebidos com disparos. Depois de 20 dias, ele foi definitivamente preso. Ele diz que não usou a arma. O fato é que ouvimos os tiros e respondemos.

DIÁRIO – Alguém da sua equipe se feriu?
DE SANTI – O investigador Lúcio Mauro Bernardes quebrou a tíbia e o perônio ao agarrar o John, que estava escondido na casa da família do José Edison da Silva, na favela do Jardim Ester. O John escondeu-se no telhado do imóvel. O investigador subiu para pegá-lo e os dois desabaram. O John caiu sobre um sofá e cortou apenas o supercílio levemente, enquanto o investigador quebrou a perna e ainda hoje está andando de bengala.

DIÁRIO – Quanto tempo levou a investigação? O sr. recebeu algum tipo de agradecimento oficial?
DE SANTI – A investigação levou 11 meses – de janeiro a dezembro – e teve a participação de 30 policiais. Recebemos elogios verbais do pessoal do PT, da Promotoria de Santo André e da cúpula da polícia.

DIÁRIO – O então delegado seccional de Taboão da Serra, Romeu Tuma Júnior, desenvolveu outra linha de investigação, relacionando um ex-garçom ao caso. Qual foi o reflexo disso em seu trabalho?
DE SANTI – Ele tinha essa linha de investigação, ligando um ex-garçom do Rubaiyat ao caso Celso Daniel, mas esse caminho não se mostrou correto. Não havia qualquer ligação entre esse personagem e a quadrilha do Monstro.

DIÁRIO – Falta prender mais alguém do bando do Monstro?
DE SANTI – Nossos trabalhos estão se encerrando com a prisão de todos os envolvidos. Há ainda alguns soltos, que se associaram ao Monstro, mas nada tem a ver com o caso Celso Daniel.

DIÁRIO – O caso está encerrado?
DE SANTI – Nossa investigação sim. O processo foi reaberto, a pedido da família, e está sob sigilo de Justiça.

DIÁRIO – Qual a importância desse caso para o seu currículo?
DE SANTI – Foi o mais importante da minha carreira, pela relevância da vítima. Tive outros casos significativos, mas essa investigação sobre a morte do prefeito culminou com a identificação e prisão de 25 criminosos.

DIÁRIO – O sr. acha que seqüestro deve ser divulgado?
DE SANTI – Não. Existe uma vida em risco e a gente nunca sabe qual será a reação do seqüestrador.

DIÁRIO – Muitas pessoas duvidam que tenha sido apenas um crime comum.
DE SANTI – Por mais que você explique para a família, para os amigos, é muito difícil convencer as pessoas que o prefeito Celso Daniel foi vítima do acaso, que ele se encontrava no lugar errado, na hora errada, e que foi atacado por uma quadrilha de seqüestradores comuns, que agiam sem qualquer planejamento. A família tem todo direito de questionar, de não se conformar.




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