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‘Caminhamos para uma governança cada vez mais global’
Leonardo Fuhrmann
Do Diário do Grande ABC
21/10/2007 | 07:22
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Uma sociedade em que o poder está cada vez mais concentrado nas grandes corporações e não mais nos órgãos políticos eleitos pelos seus povos. Leis e governanças cada vez mais globais. As pessoas estão controladas pelos desejos criados pelo capitalismo para que possam se manter dentro dos parâmetros sociais. A idéia que parece sair de um assustador filme de ficção científica estão próximas da nossa realidade. É assim que o professor Pedro Serrano, que leciona Direito Constitucional, Fundamentos de Direito Público e Prática Forense de Direito do Estado da Faculdade de Direito na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo vê o momento da civilização.

Serrano está longe de ser um outsider com idéias radicais que vive isolado do mundo real. Além de professor, é sócio do escritório Tojal, Teixeira Ferreira, Serrano e Renault Advogados Associados, foi procurador do Estado de São Paulo e secretário de Negócios Jurídicos de São Bernardo durante a gestão do então petista Maurício Soares. Serrano fala também sobre as suas preocupações com a redução das liberdades individuais e da segregação ao acesso aos Direitos Humanos.

Para ele, frutos de um crescente apoio da própria sociedade a um neofascismo, que exclui várias pessoas do conceito de humanidade. Guerras e o consumismo desenfreado, diz, se tornaram os mecanismos do capitalismo para garantir a sua reprodução.

DIÁRIO – Como o sr. vê as acusações recorrentes do excesso de Medidas Provisórias do governo federal?
PEDRO SERRANO – A questão da Medida Provisória, da castração química como pena (um projeto de lei em tramitação no Congresso a propõe para pedófilos), do apoio ao Bope na platéia do filme Tropa de Elite se conectam numa tendência global, que atinge as democracias ocidentais, de estabelecer regimes de excessões e a suspensão da normalidade jurídica como técnicas de governo. O que significa um retorno a traços do período do império absolutista. Isso acontece na Legislação dos Estados Unidos, que foi criada a pretexto de combater o terrorismo, e na França para restringir a entrada de grupos de refugiados. Há uma formação de uma certa hegemonia conservadora na sociedade, que leva a uma truculência do Estado incompatível com o Estado Democrático de Direito.

DIÁRIO – Como esta situação é permitida?
SERRANO – Hoje você tem pessoas que não só estão excluídas dos direitos humanos, como da própria humanidade. São os torturáveis, por exemplo. A maior prova de que esta hegemonia conservadora está se consolidando, é que a oposição a ela começa a fraquejar. Você já tem hoje até a publicação de artigos no site do PT Nacional, por exemplo, relativizando a opção histórica contra a violência policial.

DIÁRIO – O quê o sr. acha desta falsa polêmica em torno do artigo sobre roubo do Rolex do apresentador de TV Luciano Huck?
SERRANO – Acho que é um direito do cidadão protestar, manifestar sua opinião. Ninguém deve ir contra o direito dele reclamar. Por outro lado, a pessoa pública tem uma responsabilidade social. Estas pessoas tem um papel na formação da cidadania. Se eu tivesse meu relógio roubado, não teria o mesmo espaço na imprensa. É um cidadão que tem mais responsabilidade ética na medida que tem mais espaço nos meios de comunicação. Acho que ele devia usar um espaço daqueles para veicular coisas mais importantes para a cidadania. O que incomoda na postura dele é a insensibilidade social. Ele agiu como se a violência tivesse surgido no Brasil no momento em que roubaram o Rolex dele.

DIÁRIO – O sr. acredita que há um cerceamento nas liberdades individuais?
SERRANO – Tradicionalmente, a gente vê um contraponto entre as liberdades individuais e o poder do Estado, que monopoliza o direito a se impor pela força. O capitalismo a partir do século XX se expande pela globalização e pela subjetividade, para crescer pelo aumento do consumo. Isso leva a um condicionamento da vontade humana. Não basta pensar mais liberdade frente ao Estado, é preciso também em relação ao Capital. A vontade hoje é construída, a questão entra no Direito a espontaneidade não só individual, como dos povos.

DIÁRIO – Qual é o resultado disso?
SERRANO – Acho que existe hoje no mundo uma constituinte global. Nós temos uma governabilidade mundial. Não é um governo, porque não tem a pessoa do presidente ou do deputado. As forças armadas estão se transformando em polícias. Há uma grande fragilidade da soberania nacional. As grandes corporações tomam decisões importantes sobre as nossas vidas sem que tenhamos qualquer controle sobre elas. Este processo muda o que é a natureza do processo político. Você não consegue mais pensar em liberdade aqui no Brasil, é algo global.

DIÁRIO – No caso das meninas anoréxicas, a imposição deste padrão nos parece claro. Mas nem tanto quando se trata de nós aqui.
SERRANO – Isto é mesmo muito mais fácil de ser detectado no distante do que no próximo. Impacta, por exemplo, que você vai trocar este celular antes de aprender a usá-lo. A questão do consumo é a mais imediata. O cara rouba hoje para comprar um carro. A idéia de livre arbítrio do ser humano passou a ser muito relativa a partir do século XX. A idéia de inconsciente muda muito a nossa relação política.

DIÁRIO – De que forma isso muda a nossa relação com o capitalismo?
SERRANO – De certa forma, houve uma inversão na lógica do capitalismo. A demanda passa a controlar a oferta. Você passa a ter não a produção de mercadorias, mas de desejos. Existem vários tipos de sedução para que a pessoa troque um bem de consumo, mesmo que ele não se destrua no consumo. É o fetiche da mercadoria. Hoje, este processo, que sempre existiu, passa a ser vértice do sistema.

DIÁRIO – Mas aonde isso pode parar?
SERRANO – O dia que o capitalismo interromper seu ciclo de produção, entra em colapso. A natureza dele é estar sempre em expansão. O próximo passo é queimar capital, as guerras, por exemplo. Precisa destruir para ser reposto. O que é a guerra senão a queima de capital. Vai lá um míssil e destrói algo que depois precisa ser reposto. Agora, se ocupa o Iraque porque diz que havia uma bomba química. Depois se ocupa outro para prender um traficante de drogas. E por aí vai ... A gente precisa manter o tráfico de drogas ilegal para poder combatê-lo, por exemplo.

DIÁRIO – Mas as pessoas não devem se rebelar?
SERRANO – Acho que hoje essa idéia de revolta não existe mais. Isso é próprio de uma sociedade industrial. Acho que os espaços de liberdade serão aqueles não podem ser percebidos pelos mecanismos de controle. Possivelmente será um modelo em rede.



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