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Frei Betto: ‘Devemos nos perguntar pelo sentido da vida’
Por Vinícius Castelli
Do Diário do Grande ABC
23/03/2020 | 00:01
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Frade dominicano e escritor, o mineiro Frei Betto dedica sua vida aos pobres, é movido por causas sociais e afirma que sua luta é por sociedade sem opressores e oprimidos. Autor de mais de 60 livros, entre eles Batismo de Sangue e Cartas da Prisão, prepara o próximo. Frisa que em tempos de avanço do novo coronavírus as pessoas devem se perguntar sobre o sentido da vida. “De que vale acumular riquezas se não podemos evitar nossa vulnerabilidade a uma epidemia?” Fã do papa Francisco, diz que se trata do mais importante chefe de Estado da atualidade e de alguém que assume evangelicamente a defesa dos direitos humanos.

Estamos na Quaresma e o senhor, neste período, está trabalhando em projeto social para ajudar uma comunidade na Amazônia?
Sim, todo ano promovo campanha de Quaresma para coletar recursos destinados a uma obra social na qual confio. Este ano é a restauração de uma escola na comunidade do Mapia, no Sul do Amazonas.

O senhor sempre esteve envolvido com projetos sociais?
Sim, a partir de meu trabalho de assessoria a movimentos populares, como MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), Levante Popular da Juventude, Pastoral Operária etc.

É algo que move o senhor, de alguma maneira?
Como cristão, fiz opção pelos pobres e dedico a minha vida à luta por sociedade sem opressores e oprimidos.

E por falar em Quaresma, que reflexão o senhor gostaria de sugerir neste período?
Em tempos de coronavírus, devemos nos perguntar pelo sentido da vida. De que vale acumular riquezas se não podemos evitar nossa vulnerabilidade a uma epidemia? Na vida o que importa é ser feliz, e isso só se consegue fazendo os outros felizes.

Já que o senhor tocou no assunto sobre o novo coronavírus, acha que podemos,neste momento de medo e tensão, como sociedade, nos aproximar mais dos ensinamentos de Jesus Cristo de alguma forma?
Sim, estamos todos obrigados à reclusão. Na dimensão religiosa, a retiro espiritual. O importante na espiritualidade é abrir-se ao outro – não circulando para não correr o risco de infectá-lo ou se infectar –, à natureza – deixando de poluir ar, água e terra – e a Deus. Sofre menos na reclusão quem não mantém o corpo em casa e a cabeça na rua. Os dois têm que estar juntos em casa.

Como religioso, o senhor acha que essa pandemia tem uma razão de existir?
Ela foi provocada ou por guerra bacteriológica, como tantas ocorridas no passado, ou descaso humano, como a manipulação indevida de carnes de animais. Deus nada tem a ver com isso. Ele é Pai, mas não é paternalista. Nós erramos. Temos que consertar.

A gestão de papa Francisco à frente da Igreja Católica tem se mostrado progressista. Como o senhor avalia a atuação do argentino?
Uma bênção de Deus! Francisco é o mais importante chefe de Estado da atualidade. Assume evangelicamente a defesa dos direitos humanos e critica profeticamente o capitalismo e a devastação ambiental.

O senhor já teve a oportunidade de conhecer o papa Francisco?
Estive com ele, em Roma, dia 9 de abril de 2014. Pedi que sempre apoiasse os mais pobres; concedesse às mulheres mais direitos na Igreja; defendesse os povos indígenas. E a reabilitação de dois dominicanos condenados pela igreja: Giordano Bruno e mestre Eckhart.

O senhor lançou, ao longo da vida, mais de 60 livros, e sobre diversos assuntos. Onde busca inspiração para tanto assunto?
Na vida, no meu vínculo com movimentos sociais, nas viagens de trabalho, nos princípios que norteiam os meus passos.

Está trabalhando em algum livro neste momento?
Sim, em abril lanço, pela editora Cortez, meu 68º livro, O Diabo na Corte – Leitura Crítica do Brasil Atual. Uma análise da campanha presidencial de Bolsonaro, com todas as implicações – redes digitais, igrejas evangélicas, indícios de corrupção etc –, e do primeiro ano de seu mandato. Um livro para ajudar o leitor a entender o momento atual do Brasil e quais as perspectivas de futuro.

Um de seus últimos lançamentos foi Fé e Afeto – Espiritualidade Em Tempos de Crise. Acha que a sociedade, em especial a brasileira, tem perdido o afeto pelo próximo?
Em tempos de exacerbação do individualismo e tribos digitais movidas pelo ódio, faz-se urgente resgatar o respeito, a ética, a solidariedade.

Frei, o senhor é um grande consumidor de arte? Além da literatura, do que gosta?
Gosto muito de teatro, fui assistente de direção da primeira montagem de O Rei da Vela, dirigida por José Celso Martinez Corrêa. Também adoro balé clássico e dança contemporânea. Aprecio cinema e não ópera.<EM>

Acha que a arte tem como papel, além de entreter, questionar e apontar o dedo para as mazelas?
Sim, a arte é o espelho no qual nos miramos e reconhecemos nossos abusos e nossas debilidades. Por isso tanto incomoda.

Acha que se todos tivessem as mesmas oportunidades de educação o Brasil seria um local melhor?
Seria o paraíso na Terra. Um País tão rico de recursos naturais e povo generoso só não é o melhor do mundo por culpa de nossas elites gananciosas, que se fartam por cima da brutal desigualdade social. É um absurdo 1% da população (os mais ricos) ter em suas mãos 25% da riqueza nacional.

O senhor estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia. O que o fez caminhar para a religião?
Tive uma formação cristã, na família e na ação católica, muito comprometida com a justiça social e a crítica ao capitalismo. Deus é o meu caso de amor.

O senhor acredita ser mais conhecido hoje por seus posicionamentos políticos ou pela atuação religiosa?
Não me preocupo em como sou conhecido. Mas sei que incomodo por ser socialista.

Como e quando começou a se envolver com política?
Aos 13 anos, quando ingressei na política estudantil como militante da Juventude Estudantil Católica.

Ainda sobre política, sempre teve um posicionamento à esquerda?
Sim, prefiro correr o risco de errar ao lado dos oprimidos do que ter a pretensão de acertar com os opressores.

O senhor foi assessor especial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro mandato. Qual bagagem essa experiência lhe trouxe?
Respondi à sua pergunta em dois livros, ambos editados pela Rocco: A Mosca Azul, Reflexão Sobre o Poder e Calendário do Poder, um diário de meus dois anos de trabalho no Planalto como assessor especial do (ex) presidente Lula. Aprendi que o poder não muda ninguém, faz com que a pessoa se revele.

Mesmo quando esteve na política, o senhor nunca a misturou com religião. Hoje em dia isso é prática comum. Como avalia isso?
Devemos evitar confessionalizar a política e partidarizar a religião. Mas faço política por ser discípulo de um prisioneiro político: Jesus de Nazaré. Porém, nunca me filiei a partido político.

O senhor também indicou Joaquim Barbosa para o Supremo Tribunal Federal durante o primeiro mandato de Lula. É algo que o senhor se arrepende?
Não indiquei. Apenas entreguei ao (então) ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o cartão de visita do Joaquim Barbosa quando fui indagado se conhecia um jurista negro. A responsabilidade pela nomeação de ministros é de quem tem a caneta presidencial na mão.

Voltando ainda mais no tempo, a ditadura militar foi um período que o senhor viu de perto. Como eram aqueles tempos?
Descrevi aqueles tempos sombrios em detalhes em meus livros Batismo de Sangue (Rocco); Diário de Fernando – Nos Cárceres da Ditadura Militar Brasileira (Rocco); e Cartas da Prisão (Companhia das Letras). Só pessoas desinformadas ou cínicas defendem a volta da ditadura.

Recentemente o presidente da República, Jair Bolsonaro, disse que as denúncias de tortura durante o período da ditadura militar foram uma maneira de se ganhar indenizações. O senhor quer comentar sobre isso?
Este senhor (Bolsonaro) só abre a boca para demonstrar sua falta de ética, de conhecimento da história e de respeito ao ser humano. Quem defende torturadores não se dá ao respeito.

O que acha que faz com que algumas pessoas romantizem a ditadura militar e até peçam a volta dela?
Ignorância ou má intenção.

O que acha que falta no mundo para que seja um lugar mais justo?
Verdadeira democracia política e econômica. Como reza o sacerdote na missa (católica), partilhar os bens da Terra e os frutos do trabalho humano.

Como o senhor renova suas esperanças?
Orando e sendo solidário à luta dos pobres por vida e mundo melhores.

Quer dizer algo mais?
Guardemos o pessimismo para dias melhores!

RAIO X
Nome: Carlos Alberto Libanio Christo
Estado civil: Solteiro
Idade: 75 anos
Local de nascimento: Belo Horizonte
Formação: Jornalismo, antropologia, filosofia e teologia
Hobby: Nadar
Local predileto: O sítio de minha irmã, em Viçosa, Minas Gerais
Livro que recomenda: Batismo de Sangue (Rocco)
Artista que marcou sua vida: Raduan Nassar
Profissão: Escritor
Onde trabalha: No mundo, proferindo palestras e prestando assessorias. Sou funcionário da FAO (organismo da ONU) para questões de soberania alimentar e educação nutricional.




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