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007 faz o serviço sujo
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
14/12/2006 | 20:26
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James Bond era um símbolo da Guerra Fria, signo do pós-guerra, filhote da oposição polar entre os blocos políticos então liderados por Estados Unidos e União Soviética. A Guerra Fria já acabou faz tempo. E tem calouro entrando na faculdade hoje que nasceu quando a União Soviética já era pó. Ainda assim, o agente secreto, criado em livro por Ian Fleming e defendido em filme por 20 longas-metragens inaugurados por O Satânico Dr. No (1962), vivia como se a crise de mísseis em Cuba fosse uma ameaça. Mesmo com Pierce Brosnan, o 007 de fin-de-siècle e quinto ator a interpretar o personagem, Bond parecia esperar que bolcheviques se engalfinhassem com fuzileiros de Bush. A correção dessa rota, necessária, finalmente chega com 007 Cassino Royale, 21º filme da série oficial e que traz um novo James Bond.

O novato Daniel Craig é o sexto homem a aceitar os desígnios de sua majestade sob o número 007. É o novo nome em uma galeria que já conta com Brosnan, Sean Connery, Roger Moore, George Lazenby e Timothy Dalton. A mudança do ator, um brusco desvio de rota que abandona o perfil mauricinho fatale em favor de uma virilidade mais latente e visível, era o primeiro indício de que alguém finalmente informara aos produtores da série que a Guerra Fria tinha chegado ao fim.

Cassino Royale faz o que nenhum dos filmes que o antecede fez: adapta para o cinema o primeiro romance que Fleming dedica a Bond, em livro homônimo ao filme. Portanto, o longa dirigido por Martin Campbell conta as origens do agente secreto, rebobina a fita. Ignora tudo o que já foi narrado sob a chancela de 007 e da família Broccoli, que detém os direitos de filmagem sobre o personagem. Radicaliza de uma tal maneira que encontra James Bond antes mesmo de ele ostentar a tal licença para matar, que faz a festa dos fãs da série e de agentes funerários.

A manobra, de reiniciar um símbolo, de reestruturar uma marca, é moda no cinema contemporâneo. Basta observar Batman Begins e Superman – o Retorno, dois filmes recentes que remodelavam personagens registrados a fogo e merchandising no consciente coletivo. Com James Bond, o buraco era bem abaixo.

Afinal, diferentemente de Batman e Superman, que são logomarcas ambulantes e adaptáveis a contextos, 007 é um personagem restrito a um contexto só – o da conspiração internacional. E nisso a Guerra Fria só contribuía. Talvez por isso, também, a teimosia dos produtores em vincular Bond a enredos reciclados da espionagem subcutânea de uma guerra não-declarada.

De volta para o futuro - Esse recomeço deve orientar o futuro da série, que só acaba mesmo no dia de São Nunca.

Depois que adquire a licença para matar (numa cena que, tão abrupta, já deve faxinar das retinas do espectador o estereótipo anterior de Bond), o 007 de Daniel Craig ainda não goza da confiança plena de M (Judi Dench), a chefe do serviço secreto. É então designado para investigar os negócios de Le Chiffre (Mads Mikkelsen), banqueiro internacional que é suspeito de financiar células terroristas em todo o globo. Bond é inscrito para participar de um jogo de pôquer organizado por Le Chiffre.

Nesse ínterim, Bond se apaixona, como há muito tempo não ocorre. A felizarda é Vesper Lynd (Eva Green), agente convocada para ajudá-lo na missão.

O novo filme prescinde das quinquilharias tecnológicas que foram regra nos últimos 15 filmes, pelo menos. 007 agora faz o serviço sujo, parte para a violência física sem subsídios. Essa agressividade não se trata, contudo, de um simples enfeite, não é adereço para sinalizar a reinvenção de um mito. Não.

Cassino Royale humaniza Bond, apaga a imagem de boneco-inflável que o personagem conquistou ao longo dos anos. Experimenta um 007 que ama. E que, por amor, torna-se um 007 que sangra, que perde o controle, que não se safa graças a relógios-escopetas. Um 007 que tem licença para se desesperar como qualquer mortal. E que tem licença para recomeçar.

007 – CASSINO ROYALE (Casino Royale, EUA/ Inglaterra/ Alemanha/ República Checa, 2006). Dir.: Martin Campbell. Com Daniel Craig, Eva Green, Mads Mikkelsen, Judi Dench. Estréia nesta sexta-feira no ABC Plaza 1 e 6, Shopping ABC 1 e 2, Extra Anchieta 4 e 6, Metrópole 3, Mauá Plaza 1 e 2, Central Plaza 9 e circuito. Duração: 144 minutos. Classificação etária: 14 anos.



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