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Contos de Bichsel divertem e fazem pensar
Melina Dias
Do Diário do Grande ABC
10/08/2002 | 16:06
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Sete contos curtos e geniais têm a delicada missão de apresentar o escritor suíço Peter Bichsel ao universo literário capenga do brasileiro. A louvável iniciativa é da Editora Ática, que incluiu O Homem que Não Queria Saber Mais Nada e Outras Histórias (80 páginas, R$ 12,90) em sua interessante Série Palavra Livre, criada para leitores jovens e curiosos e outros que precisam ter seus cérebros sacudidos.

Editadas pela primeira vez em 1969, as historietas foram concebidas por Bichsel com tanta ternura e vontade de melhorar o mundo que sempre cativarão corações de todas as idades. Naquela época, ele dava aula para crianças, o que tornou seus escritos semelhantes a elas: ao mesmo tempo simples e complexos.

O desejo de que as pessoas se comuniquem e se entendam é gritante no hilariante, mas comovente, Tio Iodok Manda Lembranças. Recomenda-se a leitura em voz alta, de preferência com sotaque alemão. A brincadeira sobressai a excelente tradução de Claudia Cavalcanti. Há ritmo, cadência e pausas dramáticas. Ponto também para as ilustrações de Roger Mello.

Altamente filosóficas, mas bem-humoradas e objetivas, as palavras do autor mais querido da literatura infanto-juvenil de língua alemã nos trazem também homens de carne e osso em momentos cruciais de suas vidas corriqueiras.

Em A Terra É Redonda, um homem de 80 anos se vê sozinho e ciente de ter cumprido suas obrigações para com a sociedade. Ao repassar seus conhecimentos, decide provar a si mesmo que a Terra é redonda. E do jeito mais humano e primitivo: caminhando em linha reta até voltar ao mesmo ponto.

O que sabemos, pensamos saber ou não gostaríamos nunca de ter sabido é algo recorrente nos escritos de Bichsel. O conflito é explícito no conto que dá título ao livro: um belo dia o homem decide que não quer saber nem como está o tempo lá fora.

Bichsel foi um dos fundadores do Grupo 47. Escritores que, no pós-guerra, uniram-se para renovar a literatura alemã, para eles corrompida pelos critérios estéticos no Nacional Socialismo. Simplicidade na linguagem e crítica social eram alguns lemas.

Bichsel seguiu cultivando o não conformismo. Daí a deliciosa estocada A América Não Existe. “Eu – disse o homem que me contou a história – eu mesmo nunca estive na América. Não sei se existe. Talvez as pessoas só finjam (...). E quando duas pessoas conversam sobre a América, ainda hoje piscam-se os olhos, e quase sempre dizem algo pouco claro, como ‘estadosunidos’ ou ‘iu-éss-ei’ ou coisa assim”.

Também vale refletir sobre o porquê da manutenção das situações. E nem sempre se deve refutá-las. Em Uma Mesa É Uma Mesa Bichsel conta a história de um homem cansado das coisas sempre estarem no mesmo lugar, com o mesmo nome. Resolve então mudar o nome de seus objetos pessoais. Ou trocá-los. Mesa vira tapete, por exemplo. A viagem pessoal o leva à total incomunicabilidade – a morte no universo bichseliano.




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