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Quem tem medo da primeira série?

Escolas municipais adotam técnicas para receber estudantes que ingressam mais cedo no Fundamental

Por Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
12/02/2012 | 07:00
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De repente, a escola ficou enorme. Crianças ‘grandes' correm por todos os lados. Os pequeninos, que estavam acostumados a reinar no parquinho da Educação Infantil, agora se veem um pouco perdidos na quadra. Aliás, como é que se brinca no pátio? Cadê o escorregador? Na sala de aula, em vez das mesas coletivas, há carteiras individuais. Os amigos ainda estão a menos de um metro de distância, mas a sensação é de que estão lá longe. Cadernos, livros e estojo tornam as mochilas mais pesadas. Falta muito para a hora do lanche? "Ainda não é o momento", diz a professora.

Semana passada, as escolas municipais de Ensino Fundamental da região deram boas-vindas às turminhas da 1ª série, formada por alunos de 6 anos (ou que completem a idade antes do início do ano letivo).

Lei federal aprovada em 2006 ampliou o Ensino Fundamental de oito para nove anos obrigatórios. E determinou que, até 2010, todas as crianças de 6 anos estivessem matriculadas na escola. Ou seja, meninos e meninas passaram a chegar mais cedo à 1ª série. A exigência tem provocado mudanças nas unidades de ensino. Prefeituras têm realizado reformas estruturais (desde banheiros, que não eram adaptados aos menores, até a instalação de brinquedotecas e itens de playground ) e curriculares.

Professores vêm passando por cursos de formação, já que também estavam acostumados a outro tipo de aluno, mais maduro, em fase de alfabetização mais avançada. Foi preciso reaprender técnicas para garantir direito fundamental dos pequenos - previsto, inclusive, na lei federal 11.274/06: o de continuar brincando. "Não adianta a gente querer que aprendam pelos métodos tradicionais. Nessa idade, a capacidade de concentração é pequena. Eles não param quietos. Por isso, as atividades precisam ser de curta duração, além de envolver movimento e música. Eles aprendem brincando", explica a professora Selma Maria Vieira, que leciona na Emeb (Escola Municipal de Educação Básica) Otílio de Oliveira, no bairro Rudge Ramos, em São Bernardo.

Para que as crianças se sentissem mais seguras com a mudança de rotina, os pequenos foram convidados a visitar a escola antes do início das aulas. "Eles vieram no ano passado. Mostramos onde iriam estudar, como era a sala de aula, as professoras. Fotografamos e gravamos tudo. Depois, enviamos o DVD e as fotografias para eles. Foi uma das maneiras que encontramos de acolhê-los", conta a diretora Tatiana Macedo Dias.

O cuidado parece ter surtido efeito. Na primeira semana de aula, ninguém chorou. "Muitas vezes, os pais ficam mais ansiosos que os filhos, o que acaba atrapalhando. Se a criança vê a mãe nervosa, vai pensar que está indo para um lugar tenebroso. Por isso, fazemos reunião com os pais para explicar a nossa proposta de ensino", diz Tatiana.

Na Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental) 28 de Julho, no bairro Barcelona, em São Caetano, a chegada dos alunos de 6 anos também foi cercada de atenção especial. Nos primeiros dias, os pais são incentivados a subir até a classe com os filhos, para que se sintam mais seguros. Em janeiro, as crianças receberam carta em que a futura pro se apresenta. "Incluímos até foto da educadora, para tornar a relação mais próxima", afirma a diretora Valdirene Rodrigues.

Foi programada, ainda, uma atividade especial com a garotada. Cada um levou fotografias para mostrar aos coleguinhas, como meio de se conhecerem melhor. Aliás, "fazer novos amigos" é uma das regras estampadas na sala de aula.

Alunos são alfabetizados em 3 anos

Ingressar aos 6 anos - e não aos 7 - no Ensino Fundamental traz inúmeros benefícios às crianças. A pedagoga Marília Duran, especialista em Psicologia da Educação e professora do programa de Mestrado da Universidade Metodista, explica que o objetivo não é ‘roubar' um ano da infância nem antecipar a alfabetização.

"Não se trata de escolarização precoce. Não se espera que a criança esteja alfabetizada ao fim do primeiro ano, e sim quando concluir o terceiro. O ensino precisou se reorganizar", explica Marília.

A especialista diz que a principal vantagem do Fundamental de nove anos é a obrigatoriedade de incluir os pequenos no sistema de ensino mais cedo. "Isso garante que os alunos de escolas públicas entrem antes em contato com o ambiente letrado. Muitos são de famílias que não têm o hábito da leitura. Estar na escola é um ganho objetivo para eles", defende.

A pedagoga explica que essa é a fase em que as crianças aprendem brincando. E que as técnicas formais de ensino não funcionam para a faixa etária.

A inclusão de brincadeiras ao longo do dia também ajuda os alunos a aliviarem o estresse das cobranças - sim, os pequenos podem sofrer de estresse. Na Educação Infantil, eles passavam quatros horas na escola. No Fundamental, são cinco. E logo virão as avaliações (a maioria delas são orais) e o dever de casa.

Crianças sentem falta do ‘dia do brinquedo'

Quando era ‘pequeno', Bruno, 6 anos, levava toda sexta-feira um brinquedo para a escola. "Lá no Infantil, podia. Aqui, a pro disse que não pode. Mas a gente ainda é criança, né?", comenta o menino, que estuda na Emeb Otílio de Oliveira, em São Bernardo. A ausência do parque de areia também foi sentida. A mãe de Bruno, Kelly Cristina Melo, 36, conta que o filho ficou tenso na véspera do início das aulas. "Ele conferiu a mochila diversas vezes, para não esquecer nada. Também se sentiu apreensivo porque não queria ser o único da classe a usar óculos. Só ficou mais tranquilo porque a irmã mais velha estuda lá."

O primeiro dia de aula no Ensino Fundamental, segunda-feira, foi marcante para mãe e filho. Kely tirou foto do menino em frente à Emeb. Quando Bruno entrou no prédio, não conteve as lágrimas. "Sei que é errado, mas chorei. Às vezes sinto como se ele estivesse perdendo um ano da infância. Mas o fato é que ele lidou com a mudança melhor do que eu", comenta.

Bruno se diz animado com a nova escola. "Acho legal porque vou aprender mais letras. Igual a minha irmã." Na quarta-feira, quando o Diário acompanhou uma tarde de atividades na unidade, ele e outros pequeninos estavam com medo de um monstro chamado lição. "Deve ser muito complicado", comentou Murilo, sentado na primeira carteira. Yasmin, que sentada na carteira não alcança os pezinhos no chão, estava despreocupada. "Um menino grande disse que a gente pode brincar de massinha."

MAIS VELHOS 

Em São Caetano, na Emef 28 de Julho, crianças que têm irmãos mais velhos estudando na escola se adaptam mais rapidamente aos novos desafios. "Minha filha Ingrid cresceu vendo a irmã mais velha, a Karoline, estudando aqui. Por isso está adorando, se sentindo mocinha", conta a dona de casa Luciane Pimenta. "Meu caçula, o Leon, ainda nem completou 6 anos. E está super orgulhoso de estar na escola por onde passaram os irmãos. Esses dias, vestindo o uniforme, ele disse ‘é, mãe, eu cresci'. E cresceu mesmo", relata a cuidadora Denize Marinez.




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