Cultura & Lazer Titulo
Brecht, bahia e Mauá
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
29/01/2011 | 07:09
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Pitadas certas são os ingredientes do teatro que Caio Evangelista faz com sucesso em Mauá desde 1996. Uma dose de Bahia, sua terra natal, com o sincretismo mágico, ancestral, que ele mesmo acredita que só exista por lá - e na parte de Minas Gerais por onde corre o Rio São Franciso; outra do distanciamento crítico de Brecht.

A panela perfeita, Mauá, local de muitos nordestinos e mineiros, tachada por muitos como a terra da baixa autoestima.

Cenário ideal para casar magia e contestação, como se pode ver no livro "Teatro Empírico da Outra Margem do Rio" (114 pág., preço R$ 20), que ele lança amanhã, às 16h, na praça de eventos do Mauá Plaza Shopping (Avenida Governador Mário Covas Júnior). Um quarto das vendas do livro será doado para as vítimas mauaenses das chuvas.

O autor, que hoje é coordenador de Cultura de Mauá, aproveita em seu primeiro livro o resgate de sua história no teatro da cidade para buscar suas raízes, e mostrar como todas refletem em sua busca. "Foi um exercício reflexivo escrever o livro. Olho para trás e vejo como meu olhar mudou com relação a muitas coisas. Você descobre quais couraças, quais medos tinha e como melhorar", conta Evangelista.

"Um sujeito como eu, filho de português com índia, nascido na Bahia, escolhi teatro sem nenhuma influência, tradição ou algo que me motivasse. Foi um caminho difícil."

Em camadas, as motivações foram brotando. "Na literatura dramática você encontra reis, princesas, a raça ariana como personagens e tema de tudo, e não se encontra retratado. Quando você lê Brecht, percebe um distanciamento não maniqueísta, o retrato das pessoas de todas as condições, coloca a causa para que você duvide de tudo. Me deu a crença de que eu podia produzir arte, produzir para os meus", completa o autor, dizendo que Heleny Guariba, a teatróloga que fundou o GTC (Grupo Teatro da Cidade), em Santo André, é um complemento deste ideal.

"E então você descobre que o teatro tem que servir ao propósito de uma cidade. É como a Heleny falou: ‘somos pós-brechtianos quer queiramos ou não'. Você tem que ter contexto com a sua história, com o seu local."
A Bahia entra no plano emocional das intenções, das montagens, por meio da memória, afetividade e fé.

TERRA PROMETIDA - Por acaso deu-se se o amor do artista pelo local onde canaliza sua arte. "Me chamaram para apresentar uma peça aqui. Já ensaiava alguns trabalhos com Os Satyros, mas vim para cá e fiquei."

Aos poucos, foi batendo recordes de público, fazendo movimentar o teatro na cidade, que de início era feito com artistas paulistanos em espaços que ainda não eram o do Teatro Municipal - que nem existia naquela época. Em seguida, ao ministrar oficinas teatrais para jovens da cidade, fez brotar um outro tipo de interesse: o de gente que não queria apenas ver, mas participar.

Dessas oficinas saiu o Grupo Apolo, que detém, com a peça Os Capitães de Areia, público de 100 mil pessoas. "A primeira montagem que me fez ver que Mauá era meu centro no universo foi Auto da Compadecida, do Ariano Suassuna. Vi as pessoas pela primeira vez formarem fila, se emocionarem pela identificação com as histórias que eram as suas."

De lá para cá, o grupo fez sucesso em Curitiba, chegou a apresentar-se na Alemanha e desdobrou-se em gente que hoje faz teatro por outros cantos do mundo e partilha o ideário de Caio: a arte como representação, legitimação e preservação de um povo e sua cultura.

"É como diz Tolstói, da ideia de cantar a sua aldeia para conseguir cantar o mundo", emenda Evangelista.




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