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Nas ondas do rádio, eles dão o tom
Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
25/01/2006 | 08:17
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“Salve, salve toda a rapaziada ligada no 90,3. Aqui é o DJ B.O., começando mais uma seqüência de rap pra galera. Se liga aí, mano, telefona pra gente, irmãozada. Manda seu recado e pede seu som.” É assim que Aristides Batista Cunha, 31 anos, inicia mais uma transmissão do programa de maior audiência da É Nóis FM, o Só Porrada. A rádio, “muquiada” num dos 150 núcleos de favelas de Santo André, fica 24 horas no ar. Não tem propaganda e só toca as músicas que a periferia quer ouvir. A dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano, os forrozeiros do Calypso e do Caviar com Rapadura, a funkeira Tati Quebra-Barraco e o rap do Expressão Ativa ou dos Vigilantes MC’S convivem muito bem. É o som pra divertir e refletir, sem frescura, tudo democrático.

A É Nóis já tem 16 anos. Não tem dono, nem endereço. Entrou no ar pela primeira vez em 1990, depois que o mano Bento – Paulo Sérgio dos Santos, 34 – encontrou um transmissor de 50 watts na lixeira de um ferro velho e mandou consertá-lo. Do barraco dele, começou a transmitir as músicas dos MC’S Black, grupo de rap formado por ele, Cição Mem, Nego Artur, Nego Neo, Guga e DJ B.O.   “Nenhuma rádio queria tocar nossas músicas. Queriam cobrar jabá, uma fortuna. A gente é tudo da favela, não tem dinheiro pra jogar fora. Foi aí que a gente teve a idéia de montar nossa própria rádio. Tocar o que a moçada da comunidade queria de verdade ouvir”, conta Bento. Hoje, a emissora tem “sede própria”. “Um mano nosso foi morar no centro, pagando aluguel, e doou a antiga casa na favela para a emissora”, lembra o rapper.

Ele e os “camaradas” faziam propaganda da É Nóis no boca a boca. Chegavam na porta dos barracos e soltavam: “ô, coloca aí na 90,3”. Hoje, não só a comunidade em que estão instalados, mas outras de São Bernardo, São Caetano, Mauá e até de Diadema sintonizam a emissora. Os locutores são voluntários e levam de casa os CDs que pretendem tocar. Se o público pede uma música que não faz parte do acervo, logo eles providenciam. Vale piratear, pedir emprestado para o vizinho e até pegar do próprio ouvinte.

Das 6h às 22h, cinco locutores, também moradores da periferia, se revezam no comando da programação. “Ninguém ganha nada pra fazer esse trampo. Faz porque gosta. E ainda gasta condução pra vir até a rádio, compra CDs”, relata Bento. A transmissão começa com o dia escuro ainda, tocando modas de viola. Depois, é a vez do sertanejo mais pop, seguido por outro programa, que “rola de tudo, rock, reggae, pagode, sambinha”, o Mistura. À tarde, para a alegria das donas-de-casa, quem domina o abafado estúdio da É Nóis é o Gandula, o rei do forró. Às 19h, com uma vinheta que imita o barulho de socos e pontapés, começa o Só Pancada. É a vez dos manos aumentarem o volume.

O apresentador do som “nervoso”, DJ B.O., durante o dia é um tipo bastante comum. Nem parece rapper. Encarregado de limpeza e jardinagem, acorda às 6h pra trabalhar numa empresa em São Paulo. Só volta no final da tarde, e muitas vezes vai direto para a rádio. Todos os dias, de segunda a sexta.

Desde que foi inaugurada, a É Nóis FM tenta permissão para funcionar como rádio comunitária. A burocracia já emperrou o processo “mil vezes”, explica Cição Mem, um dos “síndicos” da emissora. Enquanto continua na ilegalidade, é colocada na lista das piratas. Por isso, escondem a sede. “Se decidem fechar, acaba o nosso sonho. A comunidade mudou muito depois da rádio. A gente passa uma mensagem de amor, de paz, de ordem. Faz campanha para ajudar quem tem mais necessidade. Já veio um monte de gringo visitar a É Nóis. Agora, a Unesco está tentando tirar a gente da clandestinidade.” E emenda: “É, sangue bom, a parada é complicada. Mas a gente gosta. O que é fácil na favela?”.




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