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Famílias diferentes, mas a mesma dor

Júlia, 3 anos, e Reynan, 1 ano e 2 meses, morreram
em acidentes recentes e distintos em São Bernardo

Elaine Granconato
Rafael Ribeiro
26/02/2012 | 07:00
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São mães e pais que lamentam a perda de seus queridos filhos, crianças ainda, que até outro dia, bem próximo, brincavam, pulavam e se divertiam. Infelizmente, foram alvos de tragédias ocorridas em São Bernardo, onde as causas dos acidentes ainda são uma incógnita para as aflitas famílias.

A pequena Júlia, 3 anos, perdeu a vida quando acompanhava a mãe, Kelly de Oliveira, em uma consulta de rotina no Edifício Senador, que foi parcialmente destruído no bloco de final 4. O pai Fabrício Morais fez de tudo para salvá-la na hora que tudo começou a tremer e cair. Mas não conseguiu...

E o bebê Reynan de Moraes Nascimento, 1 ano e 2 meses, foi deixado logo cedinho na creche municipal do Parque Esmeralda, como sempre fazia a mãe Alexandra de Moraes Colla. Na hora da brincadeira, um reboco desprendeu do beiral de concreto e caiu sobre a cabeça da criança. Mesmo socorrida, morreu horas depois, vítima de traumatismo craniano.

Embora as famílias não se conheçam, as histórias tiveram o mesmo final. Como disse Alexandra à equipe do Diário, ao ressaltar o acidente ocorrido com a menina Júlia, no prédio: "Praticamente foi a mesma coisa que aconteceu com o meu Reynan. É a mesma dor. Gostaria de abraçar essa mãe".

 

 

Elaine Granconato

‘A pior dor de uma mãe é perder o filho'

Na gaiola, o canarinho amarelo salta de um lado para o outro, meio inquieto, mas não deixa de cantar. O simples pássaro se transformou na única memória viva do filho Reynan de Moraes Nascimento, 1 ano e 2 meses, o bebê de cabelos loiros e olhos azuis que morreu em acidente na creche municipal do Parque Esmeralda, em São Bernardo. Hoje, a escola completa um ano que foi inaugurada pelo governo Luiz Marinho (PT).

O canarinho era do pequeno Reynan, que o chamava como "pintinho", igual à música Pintinho Amarelinho que aprendeu a cantar com as professoras na creche. Ao chegar da escola, sempre corria para saudar o pássaro de estimação, lembrou a mãe da criança, Alexandra de Moraes Colla, 28 anos, com lágrimas nos olhos.

Desde o acidente do dia 6 de dezembro de 2011, quando parte da estrutura de concreto caiu sobre a cabeça de Reynan, que brincava no solário externo da creche, os pais evitaram o assédio da imprensa por se sentirem abalados emocionalmente.

Ontem pela manhã, na casa onde mora de aluguel no Jardim Laura, Alexandra se dispôs a falar com o Diário pela primeira vez. Ao seu lado para dar força e encorajá-la, a mãe, uma das irmãs, duas sobrinhas e a madrinha do filho, além da filha Mikaeli, 10, fruto de outro relacionamento.

"A pior dor que existe é uma mãe perder o seu filho", afirmou, visivelmente emocionada. Alexandra, balconista em uma padaria próxima à casa, contou que a dor ainda é muito grande. E, em vários momentos, fez questão de relatar que o filho era um "menino muito esperto e inteligente".

E interrompeu a entrevista, por muitas outras vezes, para que a amiga e madrinha do filho, Jéssica Pereira Olegari, 20, mostrasse as fotos do filho para a equipe do jornal ver e fotografar. No fundo, era uma forma de aliviar a saudade, inclusive sorriu com algumas delas.

Antes das fotografias, fez questão de mostrar a agenda escolar do filho, repleta de recadinhos e elogios escritos por ela às professoras. No dia do fatídico acidente, Alexandra escreveu no caderno: "Muito obrigada por cuidarem do Reynan muito bem. Que Deus ilumine cada uma de vocês. Uma ótima semana". A professora agradeceu. Depois, infelizmente, a página permaneceu vazia.

 

LAUDO - Apesar do carinho pelas professoras e pelo tratamento dispensado ao filho nos sete meses em que esteve matriculado na creche, Alexandra não considera que tenha havido uma fatalidade. "O que houve foi falta de responsabilidade", afirmou, revoltada. E foi além: "Só quero entender como em uma escola inaugurada há apenas um ano pôde desprender uma parede", questionou.

Desde o acidente fatal com o filho, a família não teve autorização para entrar na escola - que ficou inerditada pela Polícia Civil e Prefeitura. "Me disseram que poderia prejudicar a perícia, além de ser muito sofrimento para mim", afirmou. A creche foi reaberta na quinta-feira.

Agora, a família aguarda pela conclusão do laudo pericial - dia 7 completará três meses da tragédia. "Eu prometi para o Reynan, no dia de seu sepultamento. Quero saber a resposta de onde não vem resposta", afirmou, emocionada.

Alexandra está sozinha nessa luta - com exceção do apoio dos familiares e amigos. O marido e pai da criança, Sebastião de Jesus Nascimento Cruz, revoltado com a morte do menino, abandonou a mulher e mudou-se para Valentim, na Bahia. "Ele me culpou pela morte do Reynan. Disse que fui eu quem colocou a criança na creche", desabafou. Na época, o casal foi junto à escola para fazer a matrícula do filho.

 

Rafael Ribeiro

‘Nunca mais vamos apagar isso da memória'

Com a cabeça e braços enfaixados e diversas cicatrizes pelo corpo, o metalúrgico José Fabrício Morais, 37 anos, olha as fotos de Júlia na sala e só consegue se lamentar. "Nunca mais vamos apagar isso da memória." Sua mulher, a professora Kelly de Oliveira, 31, chora.

O último dia 6 deste ano ficará marcado para sempre na memória da família moradora do Parque Veneza, em São Bernardo. O que era para ser mais uma consulta de rotina dela em um consultório no Edifício Senador, no Centro da cidade, acabou custando a vida da filha do casal, 3 anos.

Esticar o braço para tentar segurá-la foi a última coisa de que Fabrício se lembra antes das 19h40, horário em que estava com a filha na sala de espera, sentiu um tremor e, na sequência, viu o teto desabar. Caiu do sexto andar até o subsolo. Não chegou a ficar soterrado, mas teve fraturas no ombro, clavícula esquerda e coluna, além de cortes na perna esquerda, orelhas e cabeça. Ficou seis dias internado. Só foi avisado no terceiro da morte de Júlia e que ela já havia sido enterrada. "Só pedi perdão a Deus por não ter conseguido salvar minha filha."

Kelly estava dentro do consultório. Precisou passar por buracos abertos nas paredes para chegar à escada. Só soube da filha durante a madrugada. Passou aquela segunda-feira sentindo que algo errado aconteceria. "Sentia medo, mas não sabia do quê." Ela dá aulas na mesma escola infantil onde Júlia estudava. Desde o ocorrido, só voltou uma vez ao trabalho. Entrou e chorou: "Não aguentei ver a professora dela, os amiguinhos. Vai ser uma nova adaptação."

 

Pesadelo - As fotos que a família manterá pela casa mostram Júlia rindo. As lembranças são de uma menina doce, que fazia amizades com todos em sua volta, tinha apreço pelos idosos. "Ela não podia ver alguém pedindo esmolas que nos fazia doar algum dinheiro", disse o pai. "Ainda acho que isso é só um pesadelo e que ela vai entrar pela porta qualquer dia desses."

No dia 19 passado ela completaria 4 anos. Queria uma festa temática da personagem Bela Adormecida e pediu de presente bicicleta e cachorro. Como homenagem, todos os amigos e parentes compareceram para festejar sua memória. "Foi um dia muito doloroso." Inclusive para as duas avós, que vieram do Ceará, onde o casal, junto há 11 anos, nasceu. Era a única neta.

O apoio dos familiares é o único que Fabrício e Kelly receberam. Dizem que não tomaram nenhuma medida judicial, mas que esperam por uma solução para o caso. "Que o responsável pague. Ninguém, da Prefeitura ou do prédio, veio aqui para ver se estamos precisando de pelo menos um copo d'água. Ninguém quer ser responsável pelo que aconteceu. Vemos o pessoal muito preocupado com os escritórios e esquecem que foram duas vidas que se perderam ali." O casal já passou na frente do prédio algumas vezes após a tragédia. Em todas a revolta e a dor pelas memórias que ele trará para o resto da vida.

Fabrício caminha com dificuldades, precisa de ajuda para subir escadas e ainda sente fortes dores. Ficará pelo menos mais três meses afastado do trabalho. O futuro ainda é uma incógnita. O apoio recebido da religião evangélica e a casa, sempre com a presença de familiares e amigos, amenizam uma dor que jamais passará. Kelly doou alguns brinquedos para crianças do bairro, mas não conseguiu desmontar o quarto. A cama, o berço e o guarda-roupa, com os vestidos que a filha adorava usar, ainda permanecerão. "O amor vai além do fim. Vou amar a minha filha para sempre".




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