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B de Borgonha
Heloísa Cestari
Do Diário do Grande ABC
08/07/2010 | 07:00
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Divulgação


No passado, até a Igreja disputava a tapa o domínio da produção vinícola na Borgonha. Com longa tradição em torno da bebida que representa o sangue de Cristo, cultivada desde a época dos romanos, a região era praticamente reduzida a extensos vinhedos monopolizados pelo clero. Afinal, as características únicas do clima e do solo locais garantiam a obtenção de alguns dos mais acurados sabores de vinho do país, e os padres não tinham a mínima intenção de se afastar desses cálices... Datam desse período as duas grandes correntes que imprimiram sua presença na história religiosa da Europa: a ordem beneditina e a cisterciense.

Só depois da Revolução Francesa é que os vinhedos sob tutela eclesiástica puderam ser divididos em lotes e vendidos aos interessados, dando origem ao enorme número de viticultores que hoje abrem as portas de suas pequenas propriedades à visitação turística. Mas até isso acontecer, o sagrado já havia deixado sua marca na região, seja sob as bênção do papa ou do deus Baco.

Como as contas de um rosário, as igrejas se sucedem formando um interminável roteiro de fé, que neste ano ganha força impulsionado pelo aniversário de 11 séculos da Abadia de Cluny, fundada por 12 monges beneditinos do mosteiro de Baume-les-Messieurs e considerada a maior igreja da cristandade até a construção da Basílica de São Pedro, em Roma, no século 16.

Apesar de a Revolução Francesa ter resultado na destruição de grande parte da edificação - restaram apenas o belo campanário octogonal da Água Benta, a pequena Torre do Relógio e parte do transepto - um novo circuito que incorpora telas e modernas tecnologias foi instalado no local para que os visitantes possam descobrir as partes que faltam da igreja por meio de projeções virtuais.

Igualmente espetaculares são a abadia cisterciense de Fontenay - erguida no mais autêntico espírito da arte românica -, a basílica de Vézelay e a Igreja Abacial de La Charié-sur-Loire, que fazem parte da lista de patrimônios mundiais da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).

Na capital, Dijon, os devotos podem visitar o Museu de Arte Sacra ou sair à busca dos ‘100 Sinos' que tanto impressionaram Francisco I, das gárgulas de Notre-Dame e da cripta de Saint-Bénigne. Em Nevers, milhares de fiéis caem de joelhos diante do corpo intacto de Bernadette Soubirous, a santa para quem Nossa Senhora apareceu em Lourdes. E em La Boulaye, os budistas encontram no Templo dos Mil Budas refúgio para meditar em meio ao trajeto francês do Caminho de Santiago de Compostela.

ENOTURISMO - Para os enólogos, o sucesso da Borgonha deve-se à cadeia de montanhas que protege as plantações dos ventos chuvosos do Sudoeste e ao formato de suas encostas, que permitem a exposição dos parreirais à luz do sol desde o amanhecer. Isso sem falar no terreno calcário e cascalhento, que garante boa drenagem do solo já que videiras não gostam muito de água.

Resultado: uma inebriante mistura de colorações, aromas e sabores que atrai sommeliers de todos os cantos do planeta para o cobiçado centro de comércio de vinhos de Beaune e para a chamada Rota dos Grands Crus - a categoria top de linha dos vinhos -, que vai de Dijon a Santenay. Com 102 appellations e 33 grands crus (divididos em tintos, brancos e rosés), a Borgonha é o paraíso dos ‘devotos' de Baco.

Em Beaune, a bebida está por toda parte: no Museu do Vinho, no antigo Hôtel des Ducs de Bourgogne (situado, não por acaso, ma Rua do Inferno), nas inúmeras lojas e até em cavernas subterrâneas abertas à visitação e degustação dos famosos vinhos. Neste caso, cabe um parêntese: a descida é fácil, mas a subida pode se revelar um tanto quanto perigosa após alguns goles.

De qualquer forma, os atrativos da região vão muito além das taças. A capital, Dijon, além de produzir a melhor mostarda da França, revela seu passado medieval em cada ruela e casa de madeirame à vista que se avista pelo caminho.

É claro que, como toda capital, prédios recentes e um parque industrial significativo também se esforçam para trazer o turista de volta à modernidade, principalmente fora do Centro Velho. Mas essa tentativa chega a ser vã perto de monumentos góticos como a Catedral de St. Bénigne - construída em 1280 com telhas de cerâmica vitrificada - e a igreja Notre Dame, que abriga a venerada estátua da Virgem Negra, uma das mais antigas imagens da França.

Aos amantes da arte, uma dica: reserve tempo em Dijon para visitar o acervo de pinturas impressionistas do Museu de Belas Artes, um dos mais antigos e importantes do país.

Do vinho para a água

Com 600 quilômetros de trilhas e ciclovias e outros 1.000 de vias navegáveis, a Borgonha pode ser explorada de bicicleta, carro, barco e até a bordo de um balão.

O apaixonados por magrelas têm à disposição o Tour de Bourgogne à Vélo, roteiro ciclístico que ladeia canais, ferrovias desativadas e muitos, muitos parreirais. Tudo com a garantia de encontrar estabelecimentos de hospedagem (campings, hotéis, chalés de férias etc) com equipamentos e serviços minuciosamente adaptados à atividade.

A água é outra atração turística na terra do vinho. A região teve a sorte de possuir a maior rede de vias navegáveis da França. Criada a partir do século 18, a rede não é mais utilizada para o tráfego comercial. Hoje, os navegadores cedem lugar a velejadores e outros praticantes de esportes náuticos.

Se não é o seu caso, não se preocupe: a oferta de passeios turísticos fluviais também é grande, seja para aluguel de barcos habitáveis, em cruzeiros a bordo de barcos-hotéis ou para excursões nos mais de 400 barcos disponíveis para locação nas marinas.

E para quem não tem medo de altura, passeios organizados em balões de ar convidam os turistas a sobrevoar algumas das paisagens mais belas da Borgonha, como o verde das regiões vinícolas.

O mesmo tipo de aventura também pode ser feito em Champagne, a última letra do ABC francês (confira algumas opções de balonismo na página 6). Apesar da estranha sensação de estar a dezenas de metros de altura, o deslumbre do visual panorâmico compensa qualquer temor. E, em último caso, não há receio que alguns goles de champanhe ou vinho da Borgonha não resolvam...

Spa à la Baco

Se Baco, o Deus do Vinho, tivesse de perder uns quilinhos ou cuidar da beleza, o lugar escolhido provavelmente seria o Spa Bourgogne Vignes et Bien-Être, em Mersault, na famosa região vinícola da Côte de Beaune. O estabelecimento recorre aos benefícios da uva e do vinho - conhecidos desde a Antiguidade mas só agora comprovados cientificamente - para tratar da saúde e, principalmente, da pele. As opções de tratamentos são apresentadas à la carte, em ambiente propício ao relaxamento, com iluminação suave e aromas sutis de óleos essenciais.




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