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Restauro da Casa do Olhar revela cores originais e dobra espaço útil
Por Gislaine Gutierre
Do Diário do Grande ABC
07/05/2006 | 08:44
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Para quem passa na esquina das ruas Luiz Pinto Fláquer com Campos Sales, em Santo André, a primeira impressão que se tem é de que naquele velho casarão cercado por tapumes é realizada apenas mais uma reforma, como tantas outras na cidade. Os mais distraídos podem até jurar que aquele imóvel antigo irá para o chão em questão de semanas. Mas não. A placa colocada do lado de fora e a realidade do lado de dentro provam que está para renascer ali, depois de 260 dias de trabalho e quase R$ 500 mil em custos, um dos mais significativos patrimônios culturais da cidade: a Casa do Olhar Luiz Sacilotto.

Trabalham na obra 14 homens, em período integral durante os dias úteis. Mas em vez do ritmo frenético e do trabalho pesado, o que reina na casa é o clima de concentração. Quase tudo ali requer paciência e capricho nos detalhes.

A previsão é de que o equipamento seja entregue em setembro, com todas as características originais recuperadas e o dobro de área útil, graças ao rebaixamento do solo do porão. Além disso, haverá uma rampa de acesso para deficientes físicos e banheiro adaptado. Visualmente, promete ficar bem mais charmosa do que já esteve até agora.

O restauro é um trabalho fascinante. O engenheiro Milton Takeji Nishiyama, diretor da EPPO (Engenharia Paulista de Projetos e Obras), que acompanhou o Diário em sua visita ao prédio, disse que o primeiro mês foi todo dedicado à avaliação do imóvel, à pesquisa de época e a criação de metodologias de trabalho.

“Antes disso, fizemos o tratamento da cobertura e o serviço já está praticamente 90% executado”, diz. Também, pudera. Foi justamente o desabamento de parte do teto após fortes chuvas que tornou o espaço perigoso e impróprio para uso. “Havia muita infiltração e toda a cobertura estava comprometida. O reboco despencou e os beirais apodreceram e caíram”, afirma.

Hoje já se vê um telhado todo novinho em folha e os trabalhadores removendo um dos beirais do estado crítico em que se encontrava.

Descobertas – Segundo Nishiyama, a fase da prospecção reservou algumas surpresas. No hall de entrada, por exemplo, a equipe concluiu que o espaço foi pintado cinco vezes sobre a cor original, que era algo próximo do bege: depois vieram marrom, cinza, azul, branco e gelo.

O engenheiro sorri enquanto aponta para outra descoberta, desta vez no chamado Salão Nobre: “Aqui a parede era cor de vinho. Junto com esse jacarandá, que é uma madeira ótima, certamente deu um ar de nobreza ao ambiente”, diz. A madeira, de tonalidade escura, é usada nos portais, portas, janelas e em arcos colocados à meia altura revestindo a parede.

Só esse trabalho de descobrir as cores leva horas. Chama-se prospecção pictórica e é feita com espátulas e bisturis. “São incisões bem delicadas, por meio das quais retira-se a tinta camada por camada. É um trabalho de paciência, que pode levar de cinco a seis horas para concluir uma área de 5 cm²”, afirma o engenheiro.

As tintas, aliás, parecem ter sido as grandes vilãs da perda da originalidade do imóvel. Os detalhes dos batentes, os ornamentos externos e internos, os capitéis, todos eles receberam tantas camadas diferentes que ficava difícil reconhecer a arte de cada um.

Outra interessante revelação por baixo das tintas foi a cozinha, que ficava justamente no cômodo antes ocupado pela coordenadora da Casa do Olhar, Paula Caetano. O piso, já não original, era de cerâmica vermelha e a parede era revestida de azulejos. No espaço anexo a este, aí sim a EPPO descobriu os pisos originais do que deveria ter sido uma espécie de copa: é um piso hidráulico com um desenho no meio.

Natural – Portas e batentes estão recebendo um tratamento especial. No lugar do cinza de hoje, haverá a cor natural de cada madeira – a maioria de tom escuro.

O processo para recuperá-las é bem delicado. Segundo Nishiyama, cada peça é submetida, primeiramente, a uma remoção química à base de solvente. Depois, sofre um jateamento de água, é colocada para secagem e lixada manualmente. Em seguida, recebe aplicação de fundo preparatório e, finalmente, o verniz. Cada peça leva aproximadamente um mês e meio para ficar pronta.

Fachada – Mas é a fachada que servirá como convite a um passeio pela Casa. Em relação àquela tonalidade pálida de antes, o prédio deve receber uma vivacidade bem maior com a cor original (areia), as portas na cor natural, a escada de mármore restaurada e todos os adornos recuperados.

São vários os detalhes que envolvem essa etapa. Só para se ter uma idéia, antes de fazer uma nova argamassa, a equipe fez uma pesquisa em laboratório chamada granulometria. Na prática, significa que a parede externa terá exatamente a mesma textura dos anos 20.

Os balaústres da sacada foram encontrados em mau estado. “Alguns estavam quebrados mesmo, aparecendo a ferragem”, diz o engenheiro. A solução foi retirar uma peça e criar um molde de fibra de vidro para depois fazer novas unidades.

Segundo Nishiyama, a principal descaracterização da casa está na fachada: do lado direito, há janelas com grades na parte do porão; mas do lado esquerdo, que deveria ser semelhante ao outro, as janelas foram fechadas com alvenaria. Agora, elas serão reabertas e as novas grades, idênticas às antigas, serão produzidas.

A única alteração do projeto original, do lado de fora, é a colocação de uma rampa metálica para o acesso dos deficientes físicos, que começará no portão maior e terminará na sacada dos fundos. Apenas uma pequena parte da mureta teve de ser derrubada para este equipamento. “Pode ser que a rampa tenha uma cor chamativa, como o vermelho, para sinalizar que ela ‘está’ aqui, mas não ‘é’ daqui,” afirma.

Porão – Depois do restauro, a área útil da Casa do Olhar saltará de 350 m² para cerca de 650 m². Isso porque o porão, antes praticamente inutilizado, teve o piso rebaixado em aproximadamente 50 cm, deixando o ambiente com um pé direito de 2,80 m.

Nas paredes, à altura da parte rebaixada, foram feitos vários furinhos, que receberão injeções de um líquido cristalizante. “Assim, criamos uma barreira de contenção para a umidade que vem do solo”, afirma o engenheiro.

Duas paredes internas serão derrubadas para dar mais espaço às duas salas de oficina mais a do acervo. Nada disso comprometerá a estrutura do imóvel e, segundo Paula, a modificação foi aprovada pelo Condephaapasa (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico-Urbanístico e Paisagístico de Santo André). Graças às aberturas com grades do antigo porão, em todos os lados da casa, o espaço será bem ventilado.

A Casa está recebendo, ainda, novos sistemas elétricos e hidráulicos. Mas não está previsto nenhum tipo de iluminação específica, dentro ou fora do casarão, ou projeto de paisagismo.

Requinte – Segundo Nishiyama, o casarão não é uma residência típica dos anos 20. Sua arquitetura não é clássica e teria várias influências, sobretudo a da corrente neoclássica, graças aos ornamentos. “Era uma casa muito requintada. Não havia materiais importados, mas foi feita com primor. Com certeza, chamava muita atenção. Era um palacete”, diz. Depois de reinaugurada deve, por si só, merecer uma visita.



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