Cultura & Lazer Titulo
Brasil entra em campo
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
03/04/2006 | 08:52
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Esta semana começou com um clássico e termina com outro. O primeiro, Santos versus São Paulo, disputado neste domingo no quadrilátero verde; o segundo será realizado nas salas de cinema e para o qual nenhum dos técnicos faz segredo sobre as escalações, evitando qualquer estratégia à moda Vanderlei Luxemburgo. Carla Camurati, para seu Irma Vap – O Retorno, faz constar na súmula: Pedro Bial; Marieta Severo, Diogo Vilela, Louise Cardoso e Paulo Betti; Arlete Sales, Marcos Caruso, Fernando Caruso e Thiago Fragoso; e, na frente, a dupla Marco Nanini e Ney Latorraca. Já Ugo Giorgetti, pelo lado de Boleiros 2, anuncia que adere ao 3-4-3 e vai de Otávio Augusto; Flávio Migliaccio, Denise Fraga e Cássio Gabus Mendes; no meio-campo, Lima Duarte, Adriano Stuart, Fulvio Stefanini e Petrônio Gontijo; e, para manter ocupada a zaga adversária, convoca as revelações dramáticas Paulo Miklos, Silvio Luiz e Sócrates, o doutor. O certame será na próxima sexta-feira (dia 7), quando os dois dos filmes nacionais mais aguardados dos últimos anos estréiam simultaneamente nos cinemas.

Um clássico desigual, que seja dito. Aderindo às comparações, Irma Vap – O Retorno seria o Corinthians audiovisual da vez: o ataque flui que é uma beleza, em descompasso com a zaga e com as indecisões da comissão técnica. Quanto a Boleiros 2, estaria próximo ao São Paulo, uma vez que manteve a base do time anterior e, para os suplentes dos atletas que deixaram a equipe, contratou com acerto, com a eficiência de um corretor dos bons.

Irma Vap – O Retorno procurou reeditar um time campeão em outros gramados, ao retomar em película o espetáculo teatral O Mistério de Irma Vap, do dramaturgo norte-americano Charles Ludlam. No Brasil, deu origem à famosa montagem protagonizada por Marco Nanini e Ney Latorraca, também co-produtores ao lado de Marília Pêra. Encenada pela primeira vez em 1986, foi hendecampeão de bilheteria (ou seja, permaneceu 11 anos em cartaz no país), período ao longo do qual foi assistido por dezenas de Maracanãs, mais precisamente 3 milhões de pessoas. No Guinness, o livro dos recordes, conquistou o verbete de peça teatral a ficar mais tempo em temporada no mundo.

No filme da professora Camurati, a caixinha de surpresas que pode ser o cinema não se cumpre. Apesar do ataque dos sonhos da dramaturgia cômica formado por Nanini e Latorraca, o enredo que procura remontar o sucesso de Irma Vap duas décadas depois estanca na dificuldade em tentar ridicularizar ainda mais o ridículo do texto original; a comédia grotesca de Ludlam, situada na ironia sobre o suspense e o contexto pós-medieval das tragédias shakespearianas, sofre a síndrome da ultra-ironização no filme.

Giorgetti também não abriu mão dos veteranos, se bem que os seus já tinham pisado sobre os gramados do cinema. Boleiros – Era Uma Vez o Futebol (1998) desenvolvia-se em várias histórias sob o signo da excelência dentro de campo e o das invencionices fora dele. Uma obra que pedia emprestado o espaço do retângulo verde como palco para encenar a sociedade brasileira. Boleiros 2 acerta ao perseguir o mesmo ideal, com todas as histórias desembocando para o bar do Aurélio (o narrador esportivo Silvio Luiz), com um bom humor mais que saudável. Chama o ex-jogador Sócrates e o ator-cantor-titã Paulo Miklos para incrementar o time, dar mais diversidade dramatúrgica ao meio de campo e ensaiar jogadas ensaiadas de uma perspectiva praticamente inédita em relação ao primeiro filme. Time com pinta de campeão.

Pontos corridos – Depois do clássico entre filmes nacionais, o campeonato prossegue. Já na próxima semana, precisamente em 14 de abril, chega às salas Tapete Vermelho, uma tentativa de Luis Alberto Pereira, o Gal, de retomar a comédia caipira, balaio no qual estão incluídos A Marvada Carne (1985) e a obra de Amácio Mazzaropi. A propósito, o matuto de Taubaté exerce papel fundamental na trama do novo filme de Gal, diretor incomum do cinema brasileiro, com obras tão diversas como O Efeito Ilha (1994) e Hans Staden (1999). É atrás de um filme de Mazzaropi que o personagem de Matheus Nachtergaele, o pai de família Quinzinho, inicia uma odisséia. Quer mostrar ao filho (Vinicius Miranda) e à mulher (Gorette Milagres) a obra do comediante que o cativou quando moleque. No percurso, descobre que o Brasil de Mazzaropi (o real e o ficcional) já não existe mais e que teve de dar lugar a especulações imobiliárias, sociais e religiosas.

Na semana seguinte, em 21 de abril, o jogo fica mais austero, quando estréia Achados e Perdidos. José Joffily conduz a bola em um estádio com histórico não muito satisfatório para o cinema brasileiro contemporâneo: o filme policial. A partir da obra de Luiz Alfredo Garcia-Roza, conta a história do delegado Vieira (Antônio Fagundes), peça de uma intriga que inclui a morte da amante (Zezé Polessa) e as insinuações de uma jovem sedutora (Juliana Knust). O thriller enquanto gênero almeja a taça outra vez, depois de filmes que nadaram, nadaram e morreram na praia, como Bellini e a Esfinge (2001) e Bufo e Spallanzani (2001). Quem sabe não é desta vez que o gênero goleia? Afinal, dizia o poeta do ludopédio: o jogo só acaba quanto termina.




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