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Prefeituras da região ignoram motoboys
Paula Cabrera
Do Diário do Grande ABC
27/07/2010 | 09:48
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Claudinei Plaza/DGABC


O Grande ABC tem cerca de 45 mil motoboys, mas a profissão ainda é ignorada pelas prefeituras da região. Segundo o Sindimoto ABC (Sindicatos do Motoboys do Grande ABC), 75% deles atuam sem registro. Hoje, Dia do Motoboy, há poucos motivos para comemoração e a categoria tenta se mobilizar para assegurar que regras sejam regulamentadas e direitos e segurança aos que dependem da moto para sobreviver sejam garantidos.

Em dezembro, o Sindimoto protocolou junto ao Consórcio do Grande ABC projeto que solicita a aprovação, na região, da lei que regulamenta a profissão de motoboy e motofrete já sancionada pelo presidente Luiz Inácio da Lula da Silva há um ano. "Já houve reunião e aguardamos o posicionamento", conta o presidente da entidade, Gerson Ferreira Tajes, o Alemão.

O objetivo do sindicato é fazer com que o processo de registro dos motociclistas seja regulamentado, o que tornaria mais rápida a colocação em prática das regras do Contran (Conselho Nacional de Trânsito).

"Há várias represálias, porque trabalhamos de forma irregular, sem cadastramento, sem alvará de funcionamento, sem curso de qualificação, sem equipamento como antena de pipa, mata-cachorro, baú com faixa reflexiva e o colete reflexivo, esses já obrigatórios", diz o sindicalista.

Para Alemão, a aprovação da lei garante o direito de registro para a categoria, que hoje trabalha, em sua maioria, na clandestinidade no Grande ABC. "Haverá a obrigação do curso, do registro na prefeitura como profissional e isso muda tudo", diz. "Hoje não há regras, cada um trabalha do jeito que quer. Não depende só do sindicato. Fazemos o trabalho de base, mas precisamos de ajuda dos governos para colocar o resto em prática", complementa.

Trâmites - Apesar do entusiasmo, a secretária executiva da presidência do Consórcio do Grande ABC, Eliana Bernardo da Silva, explica que as pretensões da classe dependem das prefeituras. "Isso é de competência municipal. Então, não há como aprovar legislação única para toda região. Os grupos envolvidos na discussão do assunto estão decidindo o que pode ser feito, mas dependerá de cada prefeitura", avalia.

No entanto, o presidente da entidade, o prefeito de Ribeirão Pires, Clóvis Volpi (PV), diz estar disposto a "fazer todo o possível para ajudar". "É uma situação delicada e vamos analisá-la melhor", diz.

Enquanto a entidade delibera o futuro da meta, as administrações municipais da região seguem sem dar passo conclusivo rumo à regulamentação. "Por enquanto, a discussão está no consórcio. Os prefeitos deliberaram, mas acharam que era necessário discussão mais aprofundada sobre isso. É o que estamos fazendo", esclarece Eliana.

Sem multa - O problema, no entanto, não é apenas municipal. Apesar de a lei aprovada pelo presidente Lula completar um ano nesta semana, o Contran também não regulamentou todas as normas previstas, o que torna nula a possibilidade de multa e fiscalização do setor. De acordo com o órgão, as medidas estão na pauta, mas sem data para registro. Falta ao conselho definir ainda tipos específicos de normas técnicas para equipamentos como o mata-cachorro e antena contra pipas. No entanto, cada cidade poderia fazer isso e colocar em prática o conjunto de normas, antes mesmo da regulamentação do Contran.

 Regras do Contran ainda não estão sendo aplicadas

 "A lei fará um ano no dia 30 e percebemos que não pegou. Não vejo em São Paulo as pessoas se adaptando às normas: com capacete ou mata-cachorro. No Brasil existe um fenômeno das leis que pegam e as que não, essa foi uma que não embalou". A declaração é do especialista em Direito do Trânsito Maurício Januzzi. Apesar de aprovada há um ano, a lei que regulamenta a profissão de motoboys, motofrete e mototáxi está emperrada no Contran (Conselho Nacional de Trânsito), aguardando aprovação de cada tópico individualmente.

Até aqui, apenas os dispositivos reflexivos estão em prática. O curso prático de 30 horas também ensaia entrar em validade, mas deve passar pela Assembleia, em São Paulo.

Para o especialista, falta mais fiscalização sobre às normas de trânsito. "Falta também conscientização. Além disso, para que o motoboy possa se adaptar ele tem de fazer investimento pessoal e a maioria é autônomo e não tem esse capital inicial."

Nota do Contran reitera que além do prazo para a aprovação das medidas, é necessário 365 dias para adaptação dos profissionais e das prefeituras, para fiscalizar as normas, mesmo que as administrações municipais atendam ao pedido do sindicato da categoria.

 Bicos garantem complemento da renda

Com piso salarial de R$ 778, cerca de 75% da categoria recorrem ao segundo emprego para complementar a renda. É o caso do motoboy de São Bernardo Carlos Eduardo Meireles. A rotina diária de trabalho tem hora para começar, mas não para terminar. "Faço bicos em outros lugares, como pizzarias, para complementar a renda mensal. Tenho família para sustentar", afirma.

Para Meireles, são oito horas diárias, de segunda a sexta-feira, na empresa. E mais oito horas de trabalho em bicos para garantir, no fim do mês, renda que varia entre R$ 2.000 e R$ 2.200. "Na pizzaria recebo R$ 30 por dia de trabalho, independentemente do número de entregas feitas. Em média, saio 25 vezes por noite", conta.

A mulher de Meireles, Antônia Rejane Silva de Oliveira, 25, confidencia que é tomada pelo medo sempre que o telefone da sua casa toca. "Ele já teve dois acidentes graves. No primeiro, estava grávida de seis meses, quase morri do coração."

Mesmo com seis anos juntos, ela avisa que não há como acostumar-se com o perigo diário do trânsito, o que o próprio Meireles confirma.

"Muitos acidentes acontecem porque a maioria dos motoboys recebe por entrega, então, temos de correr muito, atravessar a cidade até 20 vezes por dia. Estamos acostumados, mas, no fim da jornada, estamos cansados e ficamos mais desatentos", argumenta Meireles.

Com lágrimas nos olhos, ele avisa que o pior momento da sua vida aconteceu por conta da moto. "Fiquei 1h40 sem conseguir sentir as pernas, quando lesionei de leve a coluna", diz o motoboy.

Ele conta que uma motorista, no telefone celular, o acertou em uma conversão que, segundo ele, seria proibida para ela. "Fiquei pensando como ia sustentar minha família dali para frente." Passado o susto ele completa que não se imagina longe da magrela. "Gosto de fazer isso. não consigo me imaginar em outra profissão", conclui, às pressas, enquanto se prepara para outra entrega.

Número de acidentes aumentou 407% em um ano na região

Estatísticas do trânsito paulista apontam que dois motoboys morrem por dia em São Paulo, totalizando mais de 700 vidas perdida durante um ano. Para quem sobrevive aos terríveis e temidos acidentes, a realidade também é dura. Sem registro em carteira é praticamente impossível garantir o direito a licença remunerada. O motoboy Milton da Silva Oliveira é um dos poucos que conseguiu o benefício, mas diz que contou com a sorte.

"Trabalhei três meses de carteira registrada e, quando sofri o acidente, ainda podia usar o benefício. Fiquei seis anos sem trabalhar e ainda puxo um pouco a perna", conta ele, que foi jogado sob o carro que o atingiu e teve fraturas em 70% dos ossos.

No Grande ABC os acidentes com motos tiveram aumento de 407% no último ano, mas, segundo o sindicato, a maioria não acontece com profissionais. "Apenas 2% é de motoboys. O restante atinge pessoas que utilizam a moto para se locomover até o trabalho e de volta para casa", pontua o presidente, Gerson Ferreira Tajes, o Alemão.

Sindicato promove primeira festa para comemorar data

Com o objetivo de concientizar e mobilizar motoboys da região sobre a importância da regulamentação da profissão, o Sindimoto ABC (Sindicatos do Motoboys do Grande ABC) realiza sábado a 1ª Festa do Motoboy, que acontecerá no Espaço Pirelli, em Santo André, a partir das 10h.

"É uma extensão das comemorações do Dia do Motoboy e foi a forma que o sindicato encontrou de mostrar que essa é a melhor maneirapara conscientiza-los sobre a legalização da classe e também descontrair", conta o presidente do sindicato, Gerson Ferreira Tajes, o Alemão.

Para o sindicato, a diferença desta festa é que ela será direcionada não somente para os trabalhadores, mas também para suas famílias e amigos, que poderão participar de palestras, depoimentos, atividades e de todo entretenimento, com cerca de oito horas de músicas ao vivo, para os mais diversos gostos musicais.

"Queremos reunir a classe, conversar sobre a importância da nossa profissão e a aproveitar o dia", completa Alemão.




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