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Dor sem fim de uma mãe violentada pelo filho
Kelly Zucatelli
Do Diário do Grande ABC
25/07/2010 | 07:03
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Andréa Iseki/DGABC


Os fatores geralmente são os mesmos: falta de estrutura familiar, violência e drogas. O produto pode chegar a um nível extremo, que supera a compreensão humana. É a quebra total de valores, a ponto de uma mãe perder o amor por seu filho. Essa é a triste realidade que há pouco mais de um ano foi imposta na vida de Angela (nome fictício), 41 anos, desde que foi estuprada pelo filho, Mário (nome fictício), 26 anos.

O traumático episódio, ocorrido em uma noite de lua cheia, deixou além das marcas no corpo de Angela, um sentimento de fragilidade perante o mundo.

Nasce o ódio - As imagens do padrasto bêbado, agredindo os irmãos e a mãe, alimentaram em Mário a convicção de que um dia se vingaria daquele homem. "Ele sempre falava que ia matar meu ex-marido por ele ser violento. Essa ideia se fortaleceu e tornou meu filho revoltado, o que culminou na entrada para o mundo das drogas aos 16 anos. Ele virou traficante, e eu passei a ter medo que o meu próprio filho me matasse", explicou a mãe, com o olhar baixo.

Segundo de cinco filhos, Mário tinha seu quartinho, no quintal do pequeno terreno que a mãe conseguiu comprar trabalhando como diarista. Com o passar do tempo, os outros filhos de Angela tomaram outros rumos. Apenas o rapaz de personalidade forte e calado continuou a morar próximo da mãe.

Depois de muitas tentativas para que o adolescente deixasse de usar cocaína, crack e álcool. Angela resolveu abrir mão e deixar que ele escolhesse seu caminho. "Cansei de pedir para que ele se internasse e tivesse uma vida melhor. Mário dizia que eu não ligava para ele, mas não era verdade! Eu apenas não tinha mais forças, depois de sofrer a vida toda com homens envolvidos com bebida e drogas", lembra Angela.

Selvageria - A lua cheia citada no início, iluminou a corrida desenfreada de Angela para fugir do filho pelas ruas escuras, após vê-lo entrar em seu barraco drogado e em poucos segundos abrir o zíper da bermuda.

De nada adiantou. O jovem arrastou a mãe pelo pescoço como um animal selvagem e a levou para dentro de casa.

"Não acreditei quando ele mandou que eu tirasse a roupa e ficasse quieta. Implorei para que não fizesse aquilo comigo, pois era sua mãe. Mas não teve jeito." Ela silencia por alguns segundos sem conter as lágrimas.

Pouco mais de uma hora. Esse foi o tempo que Angela deixou de ser mãe para virar instrumento sexual de um filho transtornado.

"Ele arrancou o colchão e me jogou no estrado da cama. Apanhei muito no rosto e senti muita dor. Meus cotovelos sangravam. Quando aquele pesadelo acabou e ele desfaleceu no chão, me encolhi naquela madeira e entrei em choque. Algum tempo depois consegui fugir daquele lugar, para onde nunca mais quero voltar", conta Angela.

Depois de denunciado pelos irmãos, Mário foi preso, a mãe trazida para o Grande ABC, onde recebeu tratamento intensivo.

Existem outras mulheres com história igual à de Angela. Imperioso é, como ela, que denunciou a violência já na primeira vez, outras sigam seu exemplo corajoso e apontem o culpado, mesmo que esse agressor sexual seja seu próprio filho.

Não houve condições de aprender a amar
Os belos planos que aquela mãe pensava para o filho ainda criança viraram a busca intensa para apagar pouco a pouco o terrível momento vivido ao lado do rapaz. "Ele morreu no meu coração. Não quero e tenho medo de encontrá-lo", exclama a mãe violentada.

Angela foi encaminhada para o Pavas (Programa de Atenção à Violência e Abuso Sexual) de São Bernardo, coordenado pela ginecologista Maria Auxiliadora Figueredo Vertamatti, para iniciar tratamento psicológico, ginecológico e psiquiátrico.

Diferentemente do que muitas mulheres podem pensar, Angela não desistiu do sonho de ter um companheiro. "Logo que tudo aconteceu eu não conseguia ficar próxima de homens. Com o tratamento isso melhorou e hoje penso em ter um companheiro que me entenda", explica.

"Essa é uma situação contrária das que nos deparamos diariamente. Diria que entre eles (mãe e filho) já havia uma relação psíquica prejudicada", salienta a psicóloga Ana Paula Mallet, da Casa de Saúde da Mulher Professor Domingos de Lácio, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

A especialista observa que a droga pode fazer com que a pessoa tenha atitudes escandalosas, mas não a ponto de inventar situações. "Ele (filho) deve ter essa propensão psíquica", disse Ana Paula.

Em seus relatos, Angela diz que perdeu o amor pelo filho agressor, e que hoje tem uma relação fria com os outros filhos. "Na verdade ela nunca se amou porque sempre sofreu. Não teve tempo de se cuidar e se amar. Trata-se de uma mulher distante de qualquer nível de amor por ela e também pelos seus filhos", conclui a profissional da Unifesp.

Tratamento deve ser iniciado rapidamente
A presença de espírito de uma das filhas de Angela de encaminhá-la rapidamente para um serviço de atendimento pós-agressão sexual ajudou a vítima a conseguir buscar equilíbrio emocional para superar os momentos difíceis.

"Os registros de casos como o que aconteceu com a Angela ainda são raros. Mas isso não significa que eles não existam. Assim como outros serviços de Disque Denúncia que evoluíram e hoje conseguem ter grandes resultados, esses casos também precisam da mesma conscientização da sociedade", explica a coordenadora do Pavas, de São Bernardo, Maria Auxiliadora Figueredo Vertamatti.

A ginecologista estima de os casos de violência contra a mãe ainda são raros, contabilizando cerca de 1% no mundo. Se acrescidos de agressão sexual esse número passa para 3%, sendo que todos os casos relatados envolvem doença mental ou uso de álcool e drogas.

"Nosso desafio com os tratamentos psicológicos é entender de que forma essas mulheres colaboraram para que o seu agressor, seja o parceiro, ou o filho, como no caso de Angela cometessem tal ato violento", esclarece Maria Auxiliadora.

Neste mês, o Pavas completa 10 anos de atendimentos em São Bernardo. O perfil das vítimas atendidas indica que a maioria (46%) tem entre 14 e 20 anos. Em segundo lugar, 36% têm idades entre 21 e 30 anos. A procura rápida pelo atendimento reflete de maneira positiva, tendo 62% dos pacientes buscado o serviço nas primeiras 24 horas após a ocorrência, o que permite melhor eficácia nas profilaxias de DST e gravidez.

Grande ABC atende vítimas de violência em várias frentes
Os sete municípios do Grande ABC são munidos de serviços para que as mulheres em situação de violência tenham atendimento imediato.

As Delegacias de Defesa da Mulher registram as ocorrências. Há uma unidade em cada cidade, com exceção de São Caetano, que encaminha os casos para São Bernardo.

Nos Centros de Referência ou serviços especializados as vítimas em situação de violência doméstica recebem acolhimento e orientação. O objetivo é o fortalecimento dessas mulheres e a ampliação dos recursos sociais e institucionais para o enfrentamento da situação.

No setor da saúde são oferecidos atendimentos para a realização de exames essenciais com profilaxia de DSTs (Doença Sexualmente Transmissíveis), Aids e hepatites, pílula do dia seguinte e aborto legal.

Em alguns casos também é oferecido serviço de abrigamento específico para as vítimas em situação de risco de morte e seus filhos menores.

O Grupo Temático de Gênero, do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, lançou o primeiro guia que reúne todos os serviços de atendimento às mulheres em situação de violência da região.




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