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Não pode ser de graça!

Lembro sempre de um caso relatado por um amigo...

Carlos Ferrari
12/04/2016 | 07:00
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Lembro sempre de um caso relatado por um amigo quando aparece em conversas pontuais o assunto: valor do trabalho que desempenhamos nas diferentes frentes do social.

Segundo ele, era domingo, o encontro havia sido previamente marcado e o tema da conversa em síntese referia-se às angústias de um vizinho. O cara, sabendo que meu amigo era assistente social, pediu algumas horas para falar, pois vivia em casa um problema recorrente com um filho recentemente envolvido com drogas, mas há muito com grandes dificuldades de convivência em âmbito familiar e comunitário.

Prontamente meu amigo ouviu, perguntou, provocou algumas reflexões, indicou caminhos e se colocou à disposição para continuar o papo quando fosse necessário.

Felizmente a assessoria surtiu efeito e, gradativamente, o garoto foi sendo inserido em serviços e programas de diferentes políticas públicas. Somado a isso, veio o envolvimento intenso da família que, acolhendo as orientações, assumiu seu papel nesse processo, ressignificando não apenas a vida do jovem, mas de todos os envolvidos.

Meses depois meu amigo procurou o vizinho, pois sabia que ele era arquiteto e, dada a proximidade, sentiu-se confiante para buscar apoio técnico, já que daria início a uma grande reforma em sua casa semanas depois. O rapaz ficou bastante feliz com a lembrança e afirmou com toda a generosidade que sua voz pudesse traduzir: “Vai ser uma alegria te ajudar nisso e farei um preço diferenciado.”

Gosto de contar essa historinha, pois não são raras as vezes que alguém pergunta: “Mas e aí, não entendi, o que você quer dizer?”

Vejam que é quase preciso desenhar para explicar que meu amigo não soube valorizar todo seu conhecimento acumulado nem tão pouco sua condição profissional. Obviamente tal equívoco não se deu por uma limitação pessoal, mas sim por uma cultura arraigada que imprime no inconsciente coletivo uma mensagem terrível que, se verbalizada, seria mais ou menos assim: “Não se pode cobrar, não precisa pagar.”

Escrevendo esse post, já fui me preparando para tomar paulada na net. Primeiramente, quando as questões são de âmbito social, falar de dinheiro acaba sendo um pecado quase mortal. Os revoltosos evocam valores como generosidade, solidariedade, bondade, e sempre acabam recorrendo a algum dito popular do tipo: “Devemos fazer o bem sem olhar a quem!”

Alguém que já passou por isso sabe o quanto é complicado explicar que fazer o bem não tem nada a ver com assessoria técnica qualificada. Universidades privadas de todo o País pagam milhares de reais por palestras de no máximo duas horas para gurus do marketing, do direito, da tecnologia, o que, vamos combinar, é excelente para qualificar o aprendizado ao longo da formação. Isso posto, não dá para entender nem aceitar que muitas dessas mesmas universidades pedem sem quaisquer constrangimentos palestras gratuitas para que profissionais altamente preparados possam falar de temas como inclusão social, direitos humanos e experiências bem-sucedidas de superação.

Nessa altura do campeonato, o que não podemos nem precisamos é buscar um culpado. Assim, é fundamental romper com a máxima de Chicó, o cômico personagem de Ariano Suassuna que, no consagrado Alto da Compadecida, repetia a exaustão: “Não sei só sei que foi assim.”

Se foi assim, não precisa ser assim. Profissionais que desenvolvem, implementam e monitoram #socialsoluções precisam aprender a cobrar, e a sociedade deve entender que tais aportes e suportes são fundamentais para o todo, logo, demandam boa remuneração.

* Carlos Ferrari é presidente da Avape (Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência), faz parte da diretoria executiva da ONCB (Organização Nacional de Cegos do Brasil) e é atual integrante do CNS (Conselho Nacional de Saúde). 




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