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Terça-Feira, 16 de Abril de 2024

Domingo: por quê?
Por Dom Pedro Cipollini
16/09/2019 | 07:00
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Em sessão que durou quatro horas, a Câmara dos Deputados aprovou a MP (Medida Provisória) 881/2019, que autoriza o trabalho aos domingos. O trabalhador poderá trabalhar três domingos e folgar um (embora o Senado tenha retirado esse item do projeto original, o tema voltará em outro projeto). Essa discussão não está encerrada, visto que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) determina que todo trabalhador tem direito a 24 horas de descanso semanal e a Constituição Federal garante o repouso semanal remunerado de preferência aos domingos.

Mas, de onde vem o domingo? O nome vem do latim dominica, dia do Senhor. Os cristãos começaram a comemorar a ressurreição de Jesus no primeiro dia da semana. Neste dia, Jesus ressuscitado aparecia aos apóstolos conforme narrativa evangélica (cf. Lc 24,1). Os cristãos passaram a comemorá-lo semanalmente como dia de louvor a Deus e descanso. Os judeus continuaram a guardar o sábado.

Assim, o domingo passou a substituir o ‘dia do Sol’, que no mundo romano pagão era dia de festa. Algumas línguas modernas conservam ainda, para designar o domingo, a referência a este tempo, sunday em inglês, por exemplo.

Os cristãos, no início, viveram o domingo apenas como dia do culto, sem poder juntar-lhe também o descanso semanal. No século IV, a lei civil do Império Romano, quando cessou a perseguição aos cristãos, reconheceu o ritmo semanal, fazendo com que, no ‘dia do Sol’, os habitantes das cidades e corporações dos diversos ofícios parassem de trabalhar. Foram afastados os obstáculos que, até aí, tinham tornado, por vezes heroica para os cristãos, a observância do domingo como dia santificado e de repouso semanal. Podiam agora dedicar-se à oração comum e ao convívio fraterno, sem qualquer impedimento.

O dia do descanso na sociedade civil tem importância e significado que ultrapassam o horizonte cristão. De fato, a alternância de trabalho e descanso, inscrita na natureza humana, foi querida pelo próprio Deus, conforme narração da criação no livro do Génesis (cf. 2,2-3; Ex 20,8-11). O repouso é coisa ‘sagrada’, constituindo a condição necessária para o homem se subtrair ao ciclo absorvente, dos afazeres terrenos, e tomar consciência de que tudo é obra de Deus.

O poder sobre a criação, que Deus concede ao homem, é prodigioso. Corre-se o risco de esquecer que Deus é o Criador, do qual tudo depende. Este reconhecimento é ainda mais urgente na nossa época, porque a ciência e a técnica aumentaram incrivelmente o poder que o homem exerce através do seu trabalho.

Por último, importa não perder de vista que o trabalho é, ainda no nosso tempo, uma dura escravidão para muitos. São as condições miseráveis em que é efetuado, os horários impostos, especialmente nas regiões mais pobres do mundo, seja por subsistirem demasiados casos de injustiça e exploração do homem pelo homem. Graças ao descanso dominical, as preocupações e os afazeres quotidianos podem reencontrar a sua justa dimensão: as coisas materiais, pelas quais nos afadigamos, dão lugar aos valores do espírito. As pessoas com quem vivemos recuperam, no encontro e diálogo mais tranquilo propiciados pelo domingo, a sua verdadeira fisionomia.

A nossa época tende a reduzir a pessoa como consumidor que deve trabalhar continuamente, para aumentar seus ganhos pecuniários. Mas o ser humano não é mercadoria nem vive de mercadorias. O ser humano é um ser relacional e, nesse sentido, necessita espaços de descanso, convivência e lazer no qual recobra suas forças e sua dignidade como pessoa. O domingo deve ser preservado como dia de descanso semanal.

Por isso, é natural que os cristãos se esforcem para que, em nosso tempo, a legislação civil tenha em conta o seu dever de guardar o domingo. Em todo o caso, quem é cristão católico tem a obrigação de consciência de organizar o descanso dominical de forma que lhe seja possível participar na eucaristia. Os cristãos não-católicos participam do culto dominical. Para isso, abstendo-se dos trabalhos e negócios incompatíveis com a santificação do dia do Senhor, com a sua alegria é necessário repouso do espírito e do corpo.

Em resumo, o dia do Senhor, o domingo, na sua forma mais autêntica, torna-se também o dia do homem, porque lhe confere dignidade. E é para isso que existem as leis: para garantir primeiro o que é melhor para as pessoas.
 




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