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Plano nacional de substituição das importações
Por Jefferson José da Conceição
17/04/2020 | 00:04
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A crise gerada pela pandemia do novo coronavírus traz enormes perdas humanas, sociais e econômicas. Traz também, paradoxalmente, oportunidades. Uma delas é rever o caminho seguido pelo País desde os anos 1990, de adesão escancarada, sem praticamente negociação e contrapartidas ao livre-comércio. Claro, ressalvados alguns períodos de exceção. O Brasil aceitou, sem uma reação mais contundente, que, gradativamente, a China se tornasse a manufatura do mundo e a Índia, o seu escritório. Tudo isso com o anseio de que pudéssemos nos tornar a fazenda global. Como resultado, o País tem hoje uma indústria enfraquecida, uma débil capacidade de desenvolvimento e inovação tecnológica e várias lacunas em etapas de cadeias produtivas, por fechamento ou desnacionalização de empresas. Nesta crise, sofremos com a não produção de ventiladores, máscaras especiais, uniformes, remédios, entre outros itens do complexo produtivo da saúde.

Em meu livro Entre a Mão Invisível e o Leviatã: Contribuições Heterodoxas à Economia Brasileira (407 pág, Editora Didakt, disponível em estante virtual), lançado no fim de 2019, eu já defendia, em um dos capítulos, um novo PSI (Processo de Substituição de Importações), em itens e áreas estratégicas como saúde, química, petroquímica, defesa, equipamentos e softwares. Com a ‘coronacrise’, parece ser o momento ideal de o Brasil retomar essa estratégia, que nos levou a deixar de ser uma grande fazenda até 1930 para nos tornarmos uma das potências industriais ao fim dos anos de 1980. Isso, ressalvados todos os problemas de preço, qualidade, concorrência e baixa inovação.

Defendo um novo PSI no Brasil. ‘Novo’ porque a industrialização brasileira, entre 1930 e 1980, foi marcada por esse processo. O País fez ‘do limão a limonada’ com as crises na balança comercial: a cada crise, uma nova etapa do PSI impelia a troca de bens importados pela produção doméstica.

Primeiro (1930-1950), a substituição de importações de bens de consumo não duráveis (alimentos, calçados, vestuário etc) e de parte da produção de insumos básicos (matérias-primas). Depois, a substituição de importações de bens de consumo de consumo duráveis (1955-1974).

Por último (a partir de 1975), a substituição definitiva dos insumos básicos e de parte de bens de capital (não seriados). Mesmo com todos os problemas (qualidade, custo, competitividade, inovação), foi uma política exitosa. Passamos a ter uma estrutura industrial no lugar de um conjunto de grandes fazendas de café.

Desta vez, podemos fazer um PSI melhor. Não precisamos nem devemos fechar totalmente o mercado à competição e às cadeias globais de valor. Mas não podemos abdicar de um crescimento autônomo, que permita certa independência em relação aos ventos da economia internacional e às variações do dólar.

Novo, também, porque o PSI agora deve ser acompanhado das exportações como meta. Para isso, é necessário um elevado volume de importações. A corrente de comércio (exportações mais importações) precisa ser alta. Os saldos comerciais almejados devem ser crescentes e se transformar em objetivo. É essencial uma política industrial e de comércio exterior que, além de desvalorizar o câmbio, incentive a inovação e possibilite um sinal claro de que queremos incrementar as exportações.

O PSI deve ser meta de governo, em especial naqueles itens de maior valor agregado: itens da saúde, produtos químicos, eletroeletrônicos, novos materiais e softwares. É fundamental que programas ligados a investimentos em petróleo e gás, defesa, mobilidade, softwares, e saúde recoloquem com ênfase temas como índices de nacionalização crescentes.

Esta obrigatoriedade deve ser complementada por ações que incentivem os empresários a buscarem a nacionalização: financiamento; desonerações tributárias; incorporação de tecnologias mais avançadas; inovação tecnológica; parcerias internacionais; qualificação profissional; garantia de encomendas governamentais, entre outras. O formato de APLs (Arranjos Produtivos Locais) parece ser adequado para este conjunto de ações.

Um plano nacional de substituição de importações dessa natureza – no qual o Grande ABC pode buscar novamente ter papel protagonista – deveria se iniciar pela cadeia produtiva da saúde, de forma a produzir rapidamente os itens necessários ao combate ao coronavírus.

O PSI nas áreas de alta densidade tecnológica não é simples. É tarefa para décadas. É preciso começar. 




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