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Catupiry: de queijo para doentes a marca notória
Silvio Lancellotti
Especial para o Diário
04/11/2007 | 07:16
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Em 1911, instalados na estação de águas de Lambari, no sul de Minas Gerais, dois imigrantes italianos, Isaíra e Mário Silvestrini, recém-chegados à região, fizeram uma curiosa constatação. Por lá, uma plaga produtora de leite, generosíssima na fabricação de queijo, havia centenas de outros peninsulares – que, inexplicavelmente, não consumiam tal riqueza. Bastava que degustassem um gole de leite ou um naco de queijo para se incomodarem. Sumariamente não conseguiam digerir o que bebiam ou comiam. Uma surpresa impactante porque, na sua Velha Bota, o problema não existia. Intuitivos, os Silvestrini logo imaginaram que a dificuldade advinha da qualidade do leite de Minas.

Não que se tratasse, digamos, de um leite imperfeito, ou ruim. Mas, com toda a certeza, no mínimo, bem diferente do que dispunham em sua pátria. Os Silvestrini, então, não sabiam que, no leite de Minas, ou das vacas do Brasil, em geral, abundavam sacarídeos, açúcares naturais. Nem que os seus patrícios, os povos do Mediterrâneo, geneticamente careciam de uma enzima, chamada lactase, essencial na hidrólise, na quebra das moléculas dos sacarídios.

Mesmo sem o conhecimento bioquímico fundamental, no erro e na nova tentativa os Silvestrini iniciaram o desenvolvimento de uma formulação que satisfizesse o paladar dos seus compatriotas, e que se tornasse confortável de se digerir.

‘Excelente’ - Deu tão certo que os Silvestrini batizaram o seu resultado de Catupiry – no idioma tupi-guarani, o termo para “excelente”. Daí, por décadas, o seu achado virou um queijo que, também sem atentarem para a questão da batalha da lactase contra os sacarídios, os médicos recomendavam aos doentes e aos convalescentes. Eu recordo a minha infância, numa família de descendentes de sicilianos e de calabreses, de redondezas sem vacas, nas quais se tomava, só, o leite de cabra ou de ovelha. O Catupiry predominava em nossas despensas.

Com o progresso da ciência, empresas começaram a obter versões de leite com menos sacarídios, ideais para os não-dotados de lactase. Lógico, as gerações subseqüentes dos Silvestrini tiveram de alterar o seu marketing.

Popularização - Foi quando o Catupiry, airosamente, entrou na gastronomia, como participante de pratos salgados e como cobertura de pizzas. Isso, sem perder o seu caráter.

Hoje, com matriz na Paulicéia e quatro outras unidades espalhadas pelo País, a indústria Catupiry possui cerca de 1.500 fornecedores de leite, todos submetidos a um rigorosíssimo controle de qualidade.

Capta, por dia, perto de 200.000 litros, sempre transportados em caminhões com tanques que mantém constante a temperatura nos cinco graus centígrados. Obviamente, a indústria não revela os segredos da formulação original dos Silvestrini – que leva, além do leite, parcelas de creme, coalho, alguns toques de sal.

Obviamente, ainda, a concorrência se esforçou para obter sucedâneos ou equivalentes. Em 1997, no entanto, a Catupiry conquistou, no INPI, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, o título exclusivo de “marca notória”. O resto, agora, é requeijão.

Nos quadros de escolta deste texto principal, eu detalho melhor a briga entre a lactase e os sacarídios do leite e ensino como se perpetra um requeijão doméstico. No segmento destinado às receitas, revelo de que forma eu cometo, mais delicadamente, o já clássico “Frango ao Catupiry”, e ainda explico o meu procedimento para casar, em um estilo bem moderno, “Romeu & Julieta”.

Curiosidades

Um requeijão caseiro
Para realizar um interessante requeijão caseiro, você precisará de: 250g de ricota fresca, bem macia; 2 colheres, de sopa, de manteiga; 3/4 de xícara, de chá, de leite, quase ao ponto da fervura; 1 colher, de chá, de Maisena, já bem dissolvida em 1/4 de xícara, de chá, de leite frio; sal, a gosto. Num liquidificador, bater a ricota e a manteiga. Desligar. Numa panela, combinar bem o leite aquecido e o leite frio, este com a Maisena. Cozinhar, em fogo baixo, até que o leite se mostre bem adensado. Religar o liquidificador. Aos poucos, despejar o leite. Bater e rebater, até obter uma textura suficientemente cremosa. Ajustar o ponto do sal. Acondicionar num vidro esterilizado, e bem seco. Tampar. Guardar na geladeira. Atenção: utilize leite integral. Mas, caso você deseje um requeijão mais leve, pode, evidentemente, usar o desnatado.

Lactase x Lactose
Tudo, na fauna e na flora do planeta, tem sacarídios, ou açúcares. No caso das frutas, de muitos vegetais e do mel, sob o nome de frutose. No caso do leite, como lactose, composta de duas substâncias, a glicose e a galactose. Carboidrados indispensáveis na biologia, funcionam como fontes cruciais de energia – digamos, simplificadamente, que são os combustíveis das células. Na maioria dos mamíferos jovens, a enzima lactase como que divide a lactose em glicose e galactose. Inúmeros humanos, porém, vêm ao mundo sem lactase e, por isso, a lactose que eventualmente absorvem permanece intacta. Ocorrem fenômenos desagradáveis, como os distúrbios estomacais, os enjôos, as ânsias, até mesmo a regurgitação – em bebês, acontece a adversidade do “sapinho”. Nasci sem lactase. E, por isso, até entender o drama, vivi muitos sacrifícios.

Receitas

Frango no catupiry
Ingredientes, para quatro pessoas: 2 embalagens de Catupiry, do tipo saca-puxa, 250g cada qual. 2 colheres, de sopa, cheias, de manteiga. 4 dentes de alho, trituradinhos. 2 colheres, de sopa, de cebolinha verde, bem batidinha. 500g de filés de peito de frango, bem limpos, cortados em tiras de tamanho de um dedo mindinho. Sal. Pimenta-do-reino, preferivelmente a moída na hora. 4 colheres, de sopa, de conhaque de uvas. 2 xícaras, de chá, de polpa peneirada de tomates. Bastante queijo do tipo parmesão, grosseiramente ralado.

Modo de fazer: Forro o fundo e as paredes de uma forma refratária com 3/4 do Catupiry. Reservo. Numa frigideira de tamanho adequado, derreto a manteiga e refogo o alho e a cebolinha, sem permitir que se dourem. Agrego as tiras de peito de frango, convenientemente pré-temperadas com o sal e com a pimenta-do-reino. Viro e reviro, até que as tiras comecem a mudar de cor. Flambo com o conhaque. Incorporo a polpa de tomates. Mantenho, em calor suave, por cinco minutos. Deposito o resultado na forma com o Catupiry. Por cima, espalho o restante do Catupiry e o parmesão. Gratino, no forno. Observação: Sirvo com arroz branco e com batatas tipo palha.

Romeu e Julieta
Ingredientes para quatro pessoas: 1 forma de Catupiry, das redondas, 410g de peso. 200g de goiabas em calda, das bem rosadas, cortadas em tiras delicadas, 5mm X 5mm X 2cm. Licor de laranjas. Um ramo de hortelã.

Modo de fazer: Com uma colher, escavo a forma de modo a deixar o fundo e as paredes com 1cm de espessura. Preencho o vazio com as tiras das goiabas. Coloco num prato refratário. Banho com o licor de laranjas. Levo ao forno, médio, até que o Catupiry se amolengue. Decoro com a hortelã. Observação: O Catupiry que sobrou eu guardo para o lanche...




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