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Pais de deficientes têm mais medo de morrer
Por Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
08/04/2007 | 07:12
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Prestes a ser avó pela primeira vez, a professora universitária Silvia Assinati Meira, 60 anos, anda refletindo sobre a velhice. Fala serena do tempo que passa, das marcas do amadurecimento e se diz feliz com idade. Só um pensamento lhe tira do prumo: não quer morrer. De jeito nenhum.

Silvia é mãe de Fabiana, 34 anos, portadora de deficiência múltipla e incapaz de sobreviver sem ajuda e cuidados constantes. O medo da morte revela outro, primeiro e maior: o de deixar a filha desamparada.

As dúvidas com relação ao futuro de Fabiana motivou Silvia a pesquisar o tema e defender a tese de mestrado O portador de deficiência múltipla em processo de envelhecimento, pela PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), na Capital. A conclusão: sua angústia é comum à dos outros pais que têm filhos com deficiência múltipla. Silvia não é a única a perder noites de sono pensando numa maneira de driblar a “lógica natural da vida”.

“A maioria dos pais imagina e deseja morrer antes dos filhos. Essa é a ordem natural: os mais velhos morrem primeiro. No caso dos pais que tem filhos com grau de dependência tão grande, essa possibilidade causa pavor. Pensam ‘se eu morrer antes, quem vai cuidar do meu filho?”, explica Silvia.

O estudo evidencia a solidão e a culpa como sentimentos recorrentes entre as famílias, isoladas pelo preconceito e pela desinformação. Os dependentes exigem dos pais dedicação exaustiva. E os pais se sentem culpados só de imaginar que tamanha responsabilidade possa recair sobre os filhos “saudáveis”. “Além do medo de deixar o portador de deficiências sem assistência, há a preocupação de sobrecarregar os outros filhos”, completa.

A tese da professora da PUC sustenta que houve avanços no tratamento e na aceitação das necessidades especiais. Mas os portadores com dois ou mais tipos de deficiência continuam invisíveis. “Existem inúmeras escolas e entidades filantrópicas para atender surdos, cegos, deficientes físicos, portadores de Síndrome de Down. São pessoas que conseguem adquirir independência. Comem sozinhos, se comunicam, se locomovem. Para os que têm mais de um tipo de deficência, o aprendizado é bem mais lento e difícil. Não encontram amparo”.

Fabiana nasceu surda, cega e microcefálica, anomalia que compromete o desenvolvimento do cérebro. Aos 3 anos, foi matriculada na Fundação Anne Sulivan, em São Caetano. O trabalho da escola e a insistência dos pais deu a ela, assim como a outros colegas de turma, progressos considerados improváveis em meio a tantas limitações. E, por conseqüencia, mais anos de vida.

As famílias que participaram da pesquisa contam que demoraram a aceitar o fato de que os filhos envelheciam. Era difícil admitir que a dependência era via de mão dupla. “Hoje me esforço para ser mais independente do meu filho, não deixar minhas atividades de lado.

Principalmente para dar exemplo à minha outra outra filha. Caso eu morra antes, ela saberá que pode cuidar do irmão sem abrir mão da própria vida”, conta Raimunda Pereira, 58 anos, mãe de Pedro Henrique, 26, e Beatriz, 18.

A caçula cansou de prometer, e Raimunda sabe que é verdade – Beatriz nunca deixaria Pedro desamparado. Ainda assim, o coração da mãe aperta. Pára, respira fundo e arremata: “Estou treinando. Mas, mãe é mãe, sabe como é...”



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