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ABC tem 786 mil ações acumuladas
Por Artur Rodrigues
e Andrea Catão
Do Diário do Grande ABC
26/09/2005 | 07:48
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Mesas, cadeiras, armários, estantes e subsolos não bastam para armazenar os mais de 786 mil processos em andamento que se acumulam nos fóruns da região. Os números são de julho deste ano. O ambiente tomado pela papelada reflete a lentidão do Judiciário e o duro trabalho que vem pela frente. Para cada juiz do Grande ABC, há uma média de 13 mil ações para serem julgadas, dependendo da vara em que atuam. A média estadual é de 8.786 casos por magistrado.

Juízes reclamam dos advogados, pois dizem que a classe entra com número demasiado de recursos. Advogados, por sua vez, afirmam que o sistema está em colapso e que se não forem contratados mais juízes e funcionários, bem como o oferecimento de estrutura, o Poder Judiciário corre o risco de ruir e ameaçar o estado de direito brasileiro.

O excesso de trabalho no Poder Judiciário, porém, é sentido por quem não tem outra alternativa como garantia do direito senão recorrer à Justiça. O prazo de espera pela finalização do processo varia de dois a sete anos no Estado de São Paulo, que acumula 14 milhões de ações.

Algumas ações, no entanto, ultrapassam a maioridade. O processo do aposentado Franco Picarelli, 70 anos, de Santo André, corre há 23 anos no Fórum da capital. Em 1980, um terreno de 3 mil m² que tinha em Interlagos, zona Sul de São Paulo, foi desapropriado pela prefeitura para a construção de uma avenida. Ele deu entrada no processo em 1982. Há mais de dez anos ganhou a ação, mas até hoje não recebeu o valor referente ao terreno, que virou precatório. Ele avalia que tem para receber cerca de R$ 80 mil.

Advogados reclamam do tempo de espera, das custas com o processo e alguns pedem até a privatização do sistema. Juízes dizem fazer o que podem. "Eu julgo dentro do meu limite. Às vezes, levo trabalho para casa. Mas isso não basta", conta o diretor interino do Fórum de Santo André, João Antunes dos Santos Neto, titular da 5ª Vara Cível.

No fórum em que Antunes e outros 18 juízes atuam, estavam em andamento em julho 196.122 mil processos, espalhados pelas mesas dos 500 servidores públicos. Número superado somente pela comarca de São Bernardo, com 261.554 ações, 19 juízes e 540 funcionários. A menor média de processos por juiz está em São Caetano. Lá, cada um tem cerca de 6 mil ações para julgar. Segundo o diretor da comarca, juiz Sérgio Soboro Sakagawa, a situação tende a melhorar com a reposição de funcionários que se demitiram, se aposentaram ou morreram. Tipo de desfalque comum em todo o Estado.

O juiz João Antunes, de Santo André, concorda que mais funcionários significam menor acúmulo de processos. "Mas o que impede o Tribunal de Justiça de investir em mais pessoal é a Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita o gasto com a folha de pagamento no Judiciário em 6%. Acho que, para o Judiciário, essa lei poderia ser flexibilizada."

O argumento do juiz é refutado por José Gozze, presidente da Assetj (Associação dos Servidores do Tribunal de Justiça). "Hoje, a folha de pagamento do Judiciário fica em 4%. Temos pelo menos mais 2% para ser gasto em reposição da inflação e funcionários. O que falta é vontade política do Tribunal de Justiça. Temos um déficit aproximado de 15 mil servidores." O Tribunal de Justiça não informou a verba destinada à folha.

No ano passado, a Assetj mobilizou 42 mil servidores em uma greve que durou 91 dias. No fim das contas, o governo concedeu apenas 14,5% de reposição salarial, quando a exigência do sindicato era de 39%. A greve também protelou o andamento de processos, causando mais prejuízos ao cidadão comum. No entanto, a paralisação não é a única responsável pela lentidão. "O atraso que os funcionários do Judiciário estão tirando hoje não é da greve, é da falta de pessoal", conclui Gozze.

Lotação – A maior concentração de casos está nos Anexos de Execuções Fiscais, ações propostas pelo poder público para cobrança de débitos com o município ou Estado. As ações fiscais somam 455.624 nas seis comarcas do Grande ABC. Mais da metade dos processos da região.

Nas cinco Varas de Família e Sucessões, três em Santo André e duas São Bernardo, a situação também é grave. Há um ano, quando foram criadas, acumulavam quase 30 mil processos. Hoje, são cerca de 44 mil. As varas foram criadas com o remanejamento de funcionários de outros cartórios dos fóruns.

A lentidão das Varas de Família preocupa a comerciária Juliana Rocha, 34 anos. Ela acabou de se separar e daqui a um ano entrará com o pedido de divórcio. "Estou com medo que demore muito. O processo de divórcio do meu pai em São Bernardo já dura quatro anos e temos um apartamento bloqueado pela Justiça."

Outra vítima do sistema é a pensionista Irene Ana Berlingieri Pastore, 69 anos, de São Caetano. Em 2001, foi atropelada por um motorista de caminhão e sofreu fratura no quadril. Passou por cirurgias e por mais de um ano foi obrigada a se locomover em cadeira de rodas. Hoje, anda com o auxílio de uma bengala. "Tenho despesas que não tinha. Embora meu convênio cubra parte do tratamento, tenho de comprar medicamentos e pagar pela fisioterapia. Recebo menos de R$ 500 pela pensão e ainda não recebi a indenização pelos custos que ainda tenho com o tratamento", relata.




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