Cultura & Lazer Titulo
Mostra narra história da Vera Cruz
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
28/02/2005 | 12:03
Compartilhar notícia


Quando o Brasil começou a viver dias de indústria moderna no início dos anos 1950, a Hollywood do cinema nacional se instalava em São Bernardo. Enquanto as fábricas na região ainda produzem bens de consumo e insumos industriais, a indústria de sonhos Cia. Cinematográfica Vera Cruz (1949-1954) durou apenas cinco anos, o bastante para entrar para a história da cultura nacional com a produção de 18 longas-metragens e quatro curtas. A memória desta importante iniciativa empresarial e cultural volta ao cartaz a partir de terça-feira na mostra Vera Cruz – Imagens e Histórias do Cinema Brasileiro, no Sesc Ipiranga, em São Paulo. São fotos de cena, bastidores e cotidiano da empresa, cartazes e projeção de seis filmes. A base iconográfica é o livro homônimo, lançado em 2003 por Sérgio Martinelli, pesquisador, professor de cinema e TV e cineasta.

É importante ressaltar que a marca Cia. Vera Cruz e o acervo produzido pela companhia pertencem a Wilfred e sua prima Wirley Khouri. O primeiro é filho de Walter Hugo Khouri (1929-2003), cineasta que comprou em 1962, junto com o irmão William, as ações da companhia. Até 1976, produziu 13 filmes. No início dos anos 1970, por falta de incentivos para manter os estúdios localizados em São Bernardo ligados à sua empresa, os irmãos Khouri entregaram o terreno para a Prefeitura de São Bernardo. Em 1977, abriram a Cinematográfica Vera Cruz Ltda., em São Paulo, que se tornou distribuidora do acervo.

Sob comando hoje de Wilfred Khouri, a empresa se dedica a preservar o total de 44 filmes, equipamentos, documentos e cerca de 20 mil negativos de fotos de um patrimônio cultural iniciado em São Bernardo.

A existência da Cia. Vera Cruz foi um capítulo importante na história do cinema nacional ilustrado pela exposição que o Sesc Ipiranga abre nesta terça-feira. A ousadia de criar uma indústria de cinema de inspiração hollywoodiana com padrão europeu de qualidade resultou em uma geração de artistas e técnicos (alguns vindos da Europa), aproveitados pela televisão, que dava seus primeiros passos, pelo cinema e pelo mercado publicitário. Passaram pelos estúdios instalados em São Bernardo nos anos 1950 os atores Mazzaropi, Paulo Autran, Cacilda Becker, os diretores Adolfo Celi e Alberto Cavalcanti, e outros nomes que fizeram história.

Imagens de Tônia Carrero, Eliane Lage, Anselmo Duarte, Alberto Ruschel, Mário Sérgio e Marisa Prado, as principais estrelas da companhia, estão dispostas no hall de entrada da exposição Vera Cruz – Imagens e Histórias do Cinema Brasileiro. Na seqüência, estão fotos de bastidores e cenas do cotidiano da companhia em São Bernardo e os 18 cartazes de todos os filmes lançados de 1950 a 1954. Seis deles serão projetados durante o período da mostra: Caiçara (1950), O Cangaceiro (1952), Sai da Frente (1951/52), A Família Lero-lero (1953), Na Senda do Crime (1953) e É Proibido Beijar (1953/54). Apenas O Cangaceiro será projetado no espaço chamado Quintal, na quarta-feira, às 20h. Os demais serão exibidos no teatro nos dias 10, 11, 12 e 24 de março, às 15h, 18h e 20h, e dia 25, às 11h, 14h e 16h.

Outra atração da mostra é a apresentação musical de Renato Consorte, 80 anos, ator que atua no filme O Casamento de Romeu e Julieta, de Bruno Barreto, que estréia dia 18 de março. Consorte estreou no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) em 1949 e atuou na Cia. Vera Cruz do início ao fim onde fez um pouco de tudo. Foi ator em 12 filmes, fez assistência de produção e foi diretor de produção. É o responsável no MIS (Museu da Imagem e do Som), pela catalogação do acervo iconográfico da empresa.

Na quinta-feira, às 21h (único evento com ingresso pago, R$ 4, mas grátis para comerciários matriculados no Sesc) Consorte contará casos que envolveram as filmagens na Vera Cruz enquanto canta temas dos filmes, como Qual o que, de Terra é Sempre Terra (1951), Quem É...Quem É?, de Ângela (1951), entre outros, e Muié Rendera, de O Cangaceiro.

No dia 12, o responsável pelo livro que serviu de base para a exposição, Sérgio Martinelli, falará sobre o papel da Cia. Vera Cruz no cinema brasileiro, o contexto de sua criação e a aura de “brincadeira de burgueses” que integrantes do Cinema Novo lhe dera. “A nossa Hollywood”, a chamava Franco Zampari (1898-1966), engenheiro italiano responsável pela fundação da Cia. Cinematográfica Vera Cruz S.A., em 1949, em São Bernardo, junto com o industrial Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo (1898-1977). Matarazzo e Zampari, também foram responsáveis pela criação do Museu de Arte Moderna e do TBC.

A má administração financeira, as dívidas e, principalmente, a falta de estratégias de distribuição dos filmes determinaram o fim da Cia. Vera Cruz em 1954. Em 2003, chegou ao fim o consórcio Nova Vera Cruz, projeto orçado em R$ 30 milhões (obras) e US$ 15 milhões (equipamentos). Visava revitalizar os estúdios em São Bernardo como centro de produção e excelência em cinema e TV. Firmado em 1998 entre Secretaria de Estado da Cultura, Prefeitura de São Bernardo e Fundação Padre Anchieta, foi encerrado em abril de 2003 por falta de apoio da iniciativa privada e por falta de disposição do Estado em arcar com todos os custos.

Em fevereiro do ano passado, a Prefeitura assinou convênio cedendo a área dos estúdios para a produtora Scorpion Brasil Productions realizar co-produções entre a verdadeira Hollywood e São Bernardo. Nada foi realizado.

Vera Cruz – Imagens e Histórias do Cinema Brasileiro – Exposição de fotos, cartazes e exibição de filmes. Abertura nesta terça-feira, às 20h, no Sesc Ipiranga – r. Bom Pastor, 822, São Paulo. Tel.: 3340-2000. Visitação ao público aberta de quarta-feira até dia 3 de abril, das 9h às 21h30, exceto às segundas. Sábados, domingos e feriados das 9h às 17h30. Entrada franca.



Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;