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Vila Pires se recupera dez anos após tragédia

Loja que vendia fogos de artifício explodiu, destruiu um quarteirão, deixou prejuízos e dois mortos

Por Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
23/09/2019 | 07:00
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André Henriques/DGABC


O cenário era de guerra. Um quarteirão inteiro praticamente destruído, dezenas de pessoas feridas e dois mortos. Amanhã, 24 de setembro, faz dez anos que a explosão de uma loja de pipas e balões na Rua Américo Guazelli, na Vila Pires, em Santo André, mudou para sempre a vida de muitas pessoas. Uma década depois, o bairro se reconstruiu e as pessoas, cada uma à sua maneira, seguem trabalhando e se recuperando da tragédia.

A loja Pipa e Cia, de propriedade de Sandro Luiz Castellani, 49 anos, e de sua mulher, Conceição Aparecida Fernandes, 51, já funcionava sem alvará havia seis anos. O local também comercializava fogos de artifício e, pelo menos quatro meses antes da tragédia, um vizinho denunciou para o Corpo de Bombeiros movimentação suspeita. Os laudos apontaram que havia grande quantidade de pólvora no local, e a explosão ocorreu no momento em que Castellani, auxiliado pelo primo Denian Castellani, 41 – uma das vítimas fatais – , instalavam uma antena de rádio amador. O outro óbito foi de Ana Maria de Oliveira Martins, 58, que trabalhava no comércio. 

Vizinho ao imóvel que explodiu, o mecânico Wagner Montanari, 58, estava literalmente embaixo de um carro no momento exato do incidente. “Começamos a ouvir alguns estouros, e depois um barulho grande, muita fumaça, as paredes caindo”, relembrou. Montanari morava com a mãe, duas irmãs e dois sobrinhos nos fundos da oficina. Sobrou apenas uma parede com algumas ferramentas. 

“Lembro de estar no hospital e ver as imagens transmitidas ao vivo pelo jornal na TV. Quando vi que a minha bancada ainda estava em pé, comecei a ligar para as pessoas e pedi para que pegassem as minhas chaves de fenda, alguns dos materiais”, conta.

O mecânico disse que, após o incidente, a família teve que trabalhar noite e dia para tentar reconstruir a vida e que os primeiros cinco anos foram os mais difíceis. “Tivemos que encarar. Recebi muita ajuda de amigos e clientes, e também por isso conseguimos seguir”, pontuou. A família ainda paga o financiamento feito para custear as obras de reconstrução da oficina e da casa. “Talvez eu morra antes de ver a última parcela paga, mas estamos na luta. Costumo pensar que isso me obrigou a fazer uma reforma, melhorar as instalações. Graças a Deus não perdemos ninguém da nossa família”, completou, já otimista. O mecânico gastou mais de R$ 500 mil nas obras.

O auxiliar de farmácia Gabriel Montanari, 25, sobrinho do mecânico, morava no local e lembra que ao voltar da escola, por volta das 12h30, foi impedido por um bombeiro de subir a rua de casa. “Me disseram que todos tinham morrido. Fiquei desnorteado, sem saber o que fazer. Vi uma das minhas cachorras descendo a rua correndo e a peguei no colo. Uma moça se ofereceu para me ajudar e fui para a casa dela ”, rememorou. Já eram 18h quando as pessoas que o abrigaram o levaram para casa e ele pôde reencontrar a família. O rapaz lembrou, ainda, que só ficou com a roupa do corpo.

O imóvel em frente ao local do incidente havia sido vendido um mês antes para uma seguradora, que já funcionava naquela mesma rua, a menos de 100 metros do epicentro da explosão. O negócio já estava fechado e pago e faltava apenas os antigos proprietários desocuparem as instalações.

“Quebraram todas as portas, as janelas, por pouco a Defesa Civil não condenou tudo”, afirmou a corretora de seguros Viviane Coelho, 37. “Todos tivemos muitas perdas materiais, mas pela magnitude do que ocorreu, a gente testemunhou diversos milagres e livramentos naquele dia”, concluiu ela.

Por minutos, pessoas escaparam da morte

Todo mundo que mora em Santo André – ou por que não, no Grande ABC? – há pelo menos dez anos se lembra da explosão da loja de pipas e fogos de artifício que destruiu praticamente um quarteirão inteiro na Vila Pires, em Santo André, há dez anos. Apesar da tragédia, que deixou dois mortos e rastro de destruição material, também são muitos os relatos de pessoas que conseguiram, de alguma forma, escapar daquela tragédia ilesos fisicamente. 

A gerente administrativa Márcia de Melo das Dores, 59 anos, lembrou que estava em horário de almoço, voltando de um restaurante, quando começou a garoar. Junto com uma colega de trabalho, se abrigou sob o toldo da loja que viria a explodir minutos depois. “Por algum motivo, não quis esperar e desci a rua correndo. Foi o tempo de entrar na empresa e ouvir a explosão”, relatou. Foi Márcia quem chamou todos os funcionários para a cozinha, local que pareceu mais seguro, e mandou que ficassem sentados.

“Lembro que um dos colaboradores olhou pela janela e nem conseguiu dizer o que estava acontecendo. Só repetia: Nossa! Nossa! Nossa!”, contou a corretora de seguros Viviane Coelho, 37. Márcia ficou sem o carro, que teve perda total após ser atingido pelos destroços. “Passei um período assustada, qualquer barulho já me alarmava. E hoje odeio fogos de artifício”, relatou.

A farmacêutica Andreia Ribeiro Gonçalves, 42, hoje reside em Toronto, Canadá. Há dez anos, morava em Santo André e tinha ido à corretora de seguros na Rua Américo Guazelli para entregar documento. Deixou a filha, então com 2 anos, e a mãe dentro do carro, estacionado em frente à loja que explodiu. “Minha filha estava resfriada, então nem entrei para tomar café e conversar, como sempre fazia. Deixei o papel e saí. Estava no trajeto de volta para casa, ainda perto do local, quando ouvi um barulho muito forte, mas só soube o que ocorreu quando cheguei e liguei a televisão”, relembrou. “Liguei para a corretora e ela disse ‘graças a Deus que você não entrou para tomar o café’. Sou católica e para mim foi um grande livramento. Ia acontecer o pior”, completou.

Condenado a pena de oito anos, casal cumpriu um ano e meio de prisão

Sandro Luiz Castellani e Conceição Aparecida Fernandes, proprietários da loja que explodiu em 24 de setembro de 2009, foram condenados em fevereiro de 2016 a oito anos de prisão em regime semiaberto. Ambos foram indiciados pelos crimes de explosão culposa resultante em morte e transporte de explosivo sem licença e foram presos em março de 2016. Cumpriram um ano e meio da pena e atualmente moram a menos de dois quilômetros do local da tragédia.

Em 2014, o Diário mostrou que o casal vendia produtos de limpeza na garagem de sua casa, na Vila Silvestre. Assim como a loja que explodiu, não havia alvará para o funcionamento do comércio. À época, havia indícios nas redes sociais de que o casal continuava a vender fogos de artifício. A reportagem esteve no endereço novamente, e Conceição não quis conceder entrevista. Afirmou que ambos já pagaram o que deviam e que querem deixar essa história para trás. Mais de dez ações de indenização por danos morais tramitam na Justiça contra o casal. “Ainda hoje gente trabalha apenas para comer”, afirmou Conceição.




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