Aos olhos de quem está do lado de fora, a Paróquia São Jorge, na Vila Pires, é mais uma entre as tantas igrejas católicas espalhadas pela região. O templo, pequeno e modesto, expõe ícones e imagens tradicionais do catolicismo. As semelhanças com a Igreja Católica Apostólica Romana, entretanto, param por aí.

O templo em Santo André é o único do Grande ABC pertencente à Icab (Igreja Católica Brasileira), religião fundada em 1945 para fazer frente às posições adotadas pelo Vaticano, consideradas conservadoras e radicais. A figura do papa, por exemplo, não é reconhecida pelos dissidentes, sob argumento de que o sumo pontífice representa a falta de democracia e diálogo com que os assuntos são tratados pela cúpula da igreja.

Temas polêmicos são comentados com naturalidade pelo bispo diocesano da Igreja Brasileira de Santo André, dom Joanir da Silva Neves, 49 anos. "Se eu pudesse, distribuiria preservativos aqui na porta. É uma hipocrisia tratar o sexo apenas como um ato destinado à reprodução. O sexo é inerente ao ser humano", sentencia. A igreja romana é alvo de duras críticas em todo o mundo por ser declaradamente contra o uso de métodos contraceptivos. O aborto é condenado pelas duas religiões, mas a Icab aceita a prática em casos de estupro.

O celibato é um dos temas que também provocam discordância. Padres católicos romanos não podem casar ou manter relações sexuais - o que é permitido na Igreja Brasileira. Para dom Joanir, a proibição está relacionada ao alto número de denúncias de pedofilia atribuídas à religião sediada no Vaticano. "Quando não se pode ter um relacionamento, surge a atração pelo errado."

Outro diferencial - um dos principais responsáveis por atrair novos fiéis - é o fato de que a Icab realiza casamentos de pessoas divorciadas. A cerimônia é religiosa, possui efeito civil e pode ser feita fora da paróquia, em locais como sítios e bufês.

Apesar de tantas divergências, as missas de ambas as igrejas têm poucas diferenças. O rito usado na Católica Romana é o de Paulo VI, enquanto a Icab segue o de Pio V. As mudanças são pequenas. O Pai Nosso, por exemplo, sofre alterações. Enquanto a versão tradicional diz "perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido", a da Igreja Brasileira prega "perdoai as dívidas e os devedores". "Todos os sacramentos são os mesmos", explica dom Joanir.

As roupas usadas pelos sacerdotes também não são iguais. Bispos católicos tradicionais vestem batina preta com faixa e sédulo (chapéu) roxos. Na outra igreja, a batina é cinza, com acessórios vermelhos. "Na romana, apenas os cardeais podem usar a cor vemelha. Aqui não há essa diferenciação", explica o diocesano.

A paróquia de São Jorge está localizada na Rua Jurubatuba, na Vila Pires. As missas são celebradas apenas aos domingos, às 9h e às 18h. Na Capital, existem templos em bairros como Vila Formosa, Carrão, Peruche e São Miguel Paulista.

Número de fiéis quase dobrou em dez anos, aponta Censo

De 2000 a 2010, o número de pessoas que se declararam fiéis à Icab (Igreja Católica Apostólica Brasileira) no Grande ABC teve aumento de 95,8%, aponta o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Há dez anos, a região tinha 3.695 adeptos - hoje são 7.237 pessoas. Em todo o País, a alta foi mais modesta, de 12%.

Única cidade do Grande ABC a ter paróquia da Icab, Santo André apresentou o maior crescimento, passando de 66 para 1.838 religiosos. São Caetano e Mauá registraram queda, de 78,8% e 66,6%, respectivamente. Já a Igreja Católica Apostólica Romana teve queda de 9,4% na região. No Brasil também houve diminuição, de 1,4%. Nenhum dos municípios do Grande ABC teve alta.

Para o bispo diocesano da Icab em Santo André, dom Joanir da Silva Neves, os números refletem "a visão de mundo atrasada" e a forma como a Igreja Romana trata os fiéis. "Lá, você é tratado como se tivesse a obrigação de estar na missa", critica.

Ele compara também a diminuição com o aumento de evangélicos, que foi de 35,6% em dez anos. "Quando você vai a um templo evangélico, já é recebido na porta por alguém que vai lhe ouvir e acolher em situações de desespero. O mesmo acontece no candomblé, umbanda e kardecismo." Dom Joanir ressalta também o modo como os jovens são tratados. "A Igreja Romana não tolera os jovens. Por isso não cresce."

Religião foi fundada em 1945 por bispo socialista

A Icab (Igreja Católica Apostólica Brasileira) foi criada em 1945, depois que seu fundador, o bispo dom Carlos Duarte da Costa, foi excomungado da igreja romana. A expulsão ocorreu depois que ele denunciou a forma como o Vaticano abrigava líderes nazifascistas capturados após o fim da Segunda Guerra Mundial.

Antes disso, dom Carlos já era visto com ressalvas em razão de ter prefaciado o livro Poder Soviético, escrito no início da década de 1940 por um reverendo anglicano. Ele chegou a ser preso durante o governo de Getúlio Vargas sob acusação de ser comunista, mas foi liberado pouco tempo depois após manifestações populares.

Quando ainda pertencia à igreja romana, na qual foi vigário-geral da arquidiocese do Rio de Janeiro e segundo bispo de Botucatu, dom Carlos já expunha publicamente suas insatisfações contra o Vaticano. Entre elas, o poder concedido ao papa e a maneira como a igreja interferia em decisões governamentais. O fundador da Icab já manifestava irritação quanto à obrigatoriedade de os sacerdotes terem de ser celibatários.

A Icab é composta por conselhos presbiterial, fiscal e episcopal, além do Superior Tribunal Eclesiástico. Grupo de bispos vota para escolher o conselheiro presidente, que não pode vetar decisões tomadas pelo conjunto de religiosos. O lema da igreja é "Deus, Terra e Liberdade".