Esportes Titulo Festa
De São Caetano para o
ouro olímpico em Londres

Arthur Zanetti, 22 anos, faz história na ginástica com o título
nas argolas; ele deixa seu nome gravado no esporte nacional

Dérek Bittencourt
Do Diário do Grande ABC
07/08/2012 | 07:13
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Arthur Zanetti fez história e pôs ponto final aos mais recentes desempenhos desastrosos da ginástica artística brasileira em Jogos Olímpicos. Foi um minuto e 23 segundos desde o impulso do técnico Marcos Goto para segurar as argolas até o pouso com pequeno passo para a direita no solo da Arena de North Greenwich, em Londres. Mas foi como se uma história que começou em 1997, em São Caetano, passasse aos olhos do atleta de 22 anos do Serc Santa Maria, que agora, de uma vez por todas, deixa o nome marcado no esporte nacional, a exemplo de outros dois atletas do Grande ABC que conquistaram a medalha dourada no individual em outras olimpíadas (leia mais abaixo) - isso sem contar outros cinco que subiram ao posto mais alto do pódio em esportes coletivos.

Com muita concentração, apostando em movimentos firmes, mas ao mesmo tempo suaves e surpreendentes, sem dar margem a erros, o são-caetanense ainda esperou alguns minutos até a confirmação da nota 15.900, que desbancou o quatro vezes campeão mundial e favorito chinês Yibing Chen (15.800) e garantiu a inédita medalha de ouro para a modalidade verde-amarela, a segunda do País nos Jogos.

Se Daiane dos Santos (em Atenas-2004) e Diego Hypólito (Pequim-2008) tiveram falhas de execução que custaram lugar no pódio, Zanetti beirou a perfeição. Desde o primeiro movimento, tirou fortes aplausos do público presente à Arena de North Greenwich, local já conhecido pelo atleta, afinal foi onde surgiu para o cenário internacional em 2009, no quarto lugar no Campeonato Mundial, e subiu ao lugar mais alto do pódio no evento teste para a Olimpíada, em janeiro.

O brasileiro foi o último a se apresentar, em tática fundamental para a conquista (leia mais abaixo) Assim que terminou a série, abriu os braços e largo sorriso. Sabia que havia feito seu melhor e de forma esplêndida. As palmas foram ainda mais efusivas. Pouco depois, a confirmação e a emoção do ginasta, que dedicou a medalha a familiares, colegas de clube e esporte, e ao Brasil, pedindo mais reconhecimento à modalidade.

"Queria muito ganhar essa medalha não só para mim, mas para a ginástica toda, todos os clubes, para abrir portas para o Brasil todo. Espero que mude a ginástica no Brasil, porque precisa mudar", destacou Zanetti.

Ginasta e treinador definem estratégia para alcançar medalha

A ginástica e o xadrez são esportes de execução totalmente distintos, mas Arthur Zanetti e seu técnico, Marcos Goto, aplicaram xeque mate nos rivais para faturar o ouro nas argolas, ontem. Ainda nas preliminares, o atleta adotou série com dificuldade inferior, mas suficiente para credenciá-lo à final. Isso com o intuito de avançar na quarta colocação para ser o último a se apresentar. O ginasta fez série simples, com execução quase perfeita e alcançou o objetivo.

Aí sim, para a final, a série mais difícil, no mesmo nível do favorito chinês Yibing Chen. Zanetti nem assistiu à apresentação do rival, preferiu se aquecer. E, concentrado, desempenhou o papel necessário para levantar o ouro. "Estava pensando: alguém precisa tirar o ouro dele. Por que não eu?", disse Zanetti, após a apresentação. Ele próprio já havia dado a resposta.

Município já prepara festa para receber filho dourado

São Caetano já prepara grande festa para Arthur Zanetti quando o mais novo campeão olímpico das argolas voltar ao Brasil. Nada mais justo do que recepcionar o atleta, que é nascido, criado, estudou e treina no município, com o esplendor que merece.

"É merecedor. Ele nos caracteriza. Mostra que São Caetano não é só política de investimento no Esporte. Ele, além de atleta de alto rendimento e olímpico, é da cidade, passou pelo ensino público e é o típico esportista que queremos aqui", disse o prefeito José Auricchio Júnior (PTB), que destacou a humildade de Zanetti - que o visitou antes de ir a Londres - e prometeu fazer a festa "que Arthur quiser."

"Ainda estamos aguardando quando ele retornará, mas a ideia é que entre na cidade no carro de bombeiro, com toda pompa, passando pelas principais vias e terminando no centro de ginástica (Serc), que é a casa dele", emendou o secretário de Esportes e Turismo, Marcos Siarvi.

A expectativa da cidade, inclusive, é se tornar a capital da ginástica no Brasil. "Agora deve acontecer um boom na ginástica, vai haver alta procura. Toda criança vai querer treinar no mesmo local e horário que o campeão olímpico. E não vamos escondê-lo, colocá-lo para treinar em lugar reservado", afirmou o secretário.

Cenário nacional da modalidade deve mudar

Lígia Valezi, Especial para o Diário

São Caetano amanheceu diferente hoje. A cidade revelou o ginasta com melhor desempenho nas argolas do mundo. Para Maria Salete Meneguello, coordenadora de ginástica artística do município há 15 anos, o cenário da modalidade no País, e principalmente em São Caetano, deve se transformar radicalmente após o feito de Arthur Zanetti.

"Agora muda tudo. Teremos um campeão olímpico no time. Esperamos que mude o apoio, o patrocínio. Temos um espelho dentro do ginásio e crianças querendo se especializar naquele aparelho", disse ela, apontando para as argolas.

A coordenadora acompanhou o desempenho de Arthur desde o início. "O começo dele foi como dos outros. Fez o teste e foi encaixado na equipe. Quando foi para o infantil deu para ver que ele renderia frutos", lembrou. Para ela, a medalha foi conquistada depois de muito suor, dedicação e humildade. "Ele é muito centrado. A gente não vê ele se vangloriando" avaliou Salete.

Atleta é o terceiro do Grande ABC no pódio mais alto no individual

Thiago Postigo Silva

Ao subir ao ponto mais alto do pódio, Arthur Zanetti entrou para o seleto grupo de atletas que defenderam clubes do Grande ABC e conquistaram a medalha em Jogos Olímpicos. Antes dele, apenas dois esportistas no individual haviam alcançado a façanha.

O primeiro a colocar a medalha mais desejada no pescoço foi o judoca Aurélio Miguel, que defendia a Pirelli/Santo André, em 1988 (Seul). Em 1992, o também judoca Rogério Sampaio, atleta de São Caetano, triunfou em Barcelona.

Na mesma Olimpíada, nos esportes coletivos, a Seleção Brasileira Masculina de Vôlei foi campeã e contava com Talmo e Douglas, do Rhodia/Pirelli, de Santo André.

A região voltou ao posto mais alto somente em 2008 (Pequim), agora com a Seleção Brasileira Feminina de Vôlei. A base do time titular foi formada por Sheilla, Mari e Fofão, contratadas pelo São Caetano pouco antes dos Jogos.

"Eu acho que o Grande ABC sempre teve bons atletas, mas agora está deixado meio de lado, principalmente em Santo André", frisou Douglas, hoje técnico em Florianópolis.

A ligação entre Douglas e Zanetti é que ambos nasceram na região - o ex-jogador é natural de Santo André. Mas a façanha do ginasta tem mais representatividade à região ao dar à ginástica brasileira a primeira medalha. "Esse ouro será de grande valia para a região, que precisa investir em esporte", completou Douglas.

Dona Neide vive misto de alegria e emoção com neto

Lígia Valezi, especial para o Diário

"O coração está saltando de alegria e emoção. Sinto mais ainda porque acompanhei tudo desde o começo. Ele sempre foi um menino esforçado". As palavras acima traduzem o que Neide Thomazzo, avó de Arthur Zanetti, sentiu quando viu o neto sagrar-se campeão olímpico nas argolas, na manhã de ontem, em Londres.

A moradora do bairro Santo Antonio acompanhou os primeiros passos do ginasta no Serc São Caetano. "Trazia o Arthur para treinar três vezes por semana, vínhamos de ônibus. Às vezes ele me falava que estava cansado", declarou a avó.

Por volta das 15h de ontem, dona Neide foi ao ginásio onde Arthur treina no Grande ABC. Muito assediada pela imprensa e pela equipe técnica de ginástica artística do município, nada pôde abalar o bom humor da senhora de 74 anos. "Estou famosa", brincou ela, em meio aos abraços dos amigos.

"Já falei com ele duas vezes hoje (ontem) por telefone. O Arthur está muito feliz e ia participar de uma reportagem. Ele nem conseguia acreditar na hora que venceu. A gente nunca imaginava algo assim. Ele sempre foi muito simples e esforçado", revelou Neide.

Os pais e o irmão de Arthur Zanetti estão em Londres e viram de perto a conquista do são-caetanense. "A família sempre foi unida e quando ele precisou demos muita força", comentou a moradora de São Caetano.

Neide explicou que Arthur é muito ligado ao irmão Victor Zanetti, 25. "No caminho para o treino, a gente passava por uma doceria e pedia para comprar dois doces. Ele sempre pensou no irmão". Segundo ela, Victor homenageou Arthur e tatuou o rosto do campeão olímpico no peito.

Novos ginastas encontram referência para seguir adiante

O Serc Santa Maria teve dia atípico ontem. Os aparelhos de ginástica estavam desocupados e o espaço para treinamento, deserto. Os atletas e crianças se concentravam em pequena sala, onde aguardavam para entrar ao vivo em emissora de TV.

O motivo para a quebra na rotina de trabalho tem nome: Arthur Zanetti, o são-caetanense campeão olímpico, que se formou na equipe do Grande ABC.

Cerca de 300 crianças que treinam no local passaram a ter referência no esporte. Aos 11 anos, Gabriel Luan Silva espera, um dia, ser tão bom quanto o medalhista.

"Tenho vontade de conseguir um pouco do que ele alcançou. O Arthur me inspira a competir bem e a não desistir fácil", comentou o pequeno, que se destaca no solo, paralelas e argolas. "Quando estou nas argolas o Arthur me dá algumas dicas, explica o que está errado e como posso melhorar", contou.

Lucas de Souza Bitencourt, 18, integra a Seleção Brasileira Juvenil e disse que se espelha no colega campeão. "Dá mais inspiração por ser alguém próximo. A gente vê que pode chegar longe", avaliou.

Campeão olímpico esteve perto de abandonar carreira

Motivo de orgulho para a ginástica artística brasileira e para o esporte nacional, o campeão olímpico nas argolas Arthur Zanetti esteve perto de abandonar a carreira em 2005.

Segundo o assistente técnico da equipe do Grande ABC, Marcelo Rodrigues de Araújo, 23, o ginasta passou por período delicado. "Em 2005, ele interrompeu a carreira e quis parar de competir. Ficou com estresse muito alto por causa dos treinos. Foi cansando psicologicamente. Com o apoio e incentivo da família e dos amigos, um mês depois estava de volta", declarou o assistente.

"Todos atletas passam por este momento, acham que devem parar, mas o Arthur voltou atrás. Depois disso, teve essa evolução", comentou o companheiro de equipe e também integrante da Seleção, Francisco Carlos Barreto Júnior, o Chico.

De acordo com Marcelo, o são-caetanense sempre foi muito dedicado à ginástica artística e um atleta diferenciado. "Faz oito anos que conheci o Arthur. Ele sempre foi disciplinado e comprometido. Cada criança tem biotipo para um aparelho. Os mais baixos e fortes costumam se dar melhor nas argolas", explicou o assistente de Marcos Goto, treinador da Seleção e do time são-caetanense.

Arthur começou a competir aos 7 anos. Hoje, aos 22, o brasileiro tem na bagagem ouro olímpico, além da medalha de prata conquistada no Mundial do Japão, no ano passado, também nas argolas.

"Antes de ir para Londres, ele estava determinado e tranquilo. Queria medalha", disse Chico. "Ele é bem focado e objetivo, mas fica nervoso quando não atinge o que quer", finalizou o amigo.

Medalhista é apontado como estrela desde 2001

Dérek Bittencourt

A medalha de ouro conquistada por Arthur Zanetti nos Jogos Olímpicos de Londres não chega a surpreender. Isso porque desde pequeno o atleta chama atenção. Em 9 de dezembro de 2001, o Diário adiantava o potencial que o então garoto de 11 anos já tinha ao lado de outro atleta que hoje integra a Seleção Brasileira, caso de Sérgio Sasaki.

Na oportunidade, Zanetti conquistara com os colegas de equipe são-caetanense o primeiro lugar no Campeonato Brasileiro Infantil e o vice do Paulista. E a coordenadora de ginástica olímpica do município, Maria Salete Meneguello - no cargo até hoje - já destacava o empenho e a seriedade com que o garoto encarava os treinamentos.

"Com apenas um semestre já estava na turma de treinamento e hoje, três anos depois, é um campeão", disse a coordenadora à época.

Já na edição de julho da Dia-a-Dia Revista, o são-caetanense foi apontado como uma das principais promessas à medalha. "Estou trabalhando para fazer bonito e dar bom resultado", previu Zanetti. Na publicação, o atleta falou da carreira, das dificuldades para conseguir patrocinadores e futuro.

"É complicado manter-se do próprio bolso. O incentivo está melhorando, mas precisamos de muito mais", reclamou o ginasta de 22 anos à revista. "Quando parar, talvez seja professor na área esportiva", planejou Zanetti, estudante de Educação Física da USCS (Universidade Municipal de São Caetano).




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