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Paul Newman chega aos 80
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
26/01/2005 | 12:01
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E Paul Newman chega aos 80 anos. Desafiar a expectativa de vida do homem norte-americano, estimada em 74 anos, era fato que o próprio aniversariante do dia, nascido a 26 de janeiro de 1925 em Ohio, desconfiava; de acordo com entrevista que concedeu cinco anos atrás à revista britânica Esquire, considerava um milagre ter sobrevivido “ao cigarro, ao álcool, aos carros e à carreira”. No último dia 8, um susto propiciado justo por um de seus vícios, o automobilismo. Um protótipo que pilotava pela Newman Racing Ford Crawford, escuderia de sua propriedade no circuito Daytona Beach, incendiou-se durante um teste. Newman nada sofreu.

A propósito, Newman ultimamente comparece com igual freqüência nos segundos cadernos e na seção esportiva. Filho de um comerciante de material esportivo, tem o nome inscrito no Guinness (o livro dos recordes) como o piloto mais velho do mundo a triunfar em uma corrida automobilística (em 1995, aos 70 anos, venceu as 24 Horas de Daytona). O êxito no cockpit rendeu ao octagenário um convite da parceria Disney/Pixar (Os Incríveis) para emprestar sua voz ao desenho animado Cars, com lançamento em 2006.

A animação é uma das extremidades da carreira cinematográfica iniciada em 1954, com O Cálice Sagrado, primeiro de uma filmografia com cerca de 60 longas-metragens. Desconte-se daí a obra pregressa no teatro, com espetáculos na Broadway como Pic Nic, e a estréia de fato, aos 7 anos, com participação numa montagem escolar.

Desse ponto em diante, pode-se dizer tudo sobre Paul Newman, salvo que foi unanimidade. Na cabeceira de seus críticos está ele mesmo, que considerou tão infame seu trabalho em O Cálice Sagrado a ponto de comprar um anúncio na revista Variety e mandar imprimir um pedido de desculpas, de próprio punho, a quem tivesse pago para assistir à sua interpretação no épico de Victor Saville. Esse átimo de autocensura emparelha com uma série de repúdios dirigida ao astro.

O dramaturgo Tennessee Williams julgou uma lambança, para não dizer coisa pior, a interpretação de Newman para o Brick de Gata em Teto de Zinco Quente (1958), adaptação de Richard Brooks de texto do contrariado escritor. Para Alfred Hitchcock, o cineasta que dizia que ator deve ser tratado como gado, o trabalho de Newman em Cortina Rasgada (1966) estava atrofiado pelo Método, a doutrina de interpretação professada por Lee Strasberg nos Estados Unidos com base nos ensinamentos de Stanislavski. Federico Fellini torceu o nariz para a sugestão do produtor Dino de Laurentis, que queria Newman como protagonista de A Doce Vida (1960), e prescindiu dele em favor de Marcelo Mastroianni. E o ex-presidente Richard Nixon, republicano, incluiu Paul Newman numa lista negra de sua lavra e freqüentada por democratas ilustres.

Muitas das críticas focalizam justamente o sex appeal do ator como agente poluente de seu trabalho. Comumente eleito como um dos 20 homens mais charmosos da história, Paul Newman desfila em papéis que transpiram a indiferença e a autoconfiança que estão entre as fraudes da supremacia humana. O soberbo, o petulante, o orgulhoso, o déspota – máscaras humanas que foram corroídas em suas interpretações, consideradas padronizadas (equivocadamente, em algumas ocasiões), e guiadas pelo par de olhos azuis que atarantaram boa parte do mulherio.

Olhos azuis e daltônicos. Essa dificuldade em identificar cores imolou a carreira militar de Newman durante a Segunda Guerra e abreviou sua chegada ao cinema, celebrada enfim com Marcado pela Sarjeta (1956), filme de Robert Wise em que Newman herdou o papel do boxeador Rocky Graziano que caberia a James Dean, morto em 1955. A glória definitiva sairia da tríade formada por Newman, Robert Redford e pelo diretor George Roy Hill, que resultaria em Butch Cassidy (1969) e Golpe de Mestre (1973). E veio o catastrófico (em todos os sentidos) Inferno na Torre (1974), de John Guillermin e Irwin Allen, no qual o astro pediu um cachê milionário e – dizem – teve de lidar com a vaidade de Steve McQueen, que exigiu por contrato que ambos tivessem a mesma quantidade de falas.

A cadeira de diretor também acolheu Newman, que cometeu seis filmes, entre eles Rachel, Rachel (1968), protagonizado por Joanne Woodward, sua mulher há 47 anos e mãe de três de seus seis filhos. A obra foi candidata ao Oscar de melhor produção – uma das dez indicações de Newman, laureado somente em 1987, pelo papel de Fast Eddie em A Cor do Dinheiro, de Martin Scorsese. Sobre a lareira, premiações também de Cannes (por Mercador de Almas, de 1958) do Bafta britânico (Desafio à Corrupção, 1961) e de Berlim (O Indomável, 1994).

O trabalho de ator, que Newman comparava ao ato de arriar as calças tal a exposição de seu íntimo, é cada vez mais rarefeito, em obras eventuais como Estrada para Perdição (2002) e Cadê a Grana? (2000). No tempo restante,  Newman administra instituições como um abrigo para crianças com câncer e uma grife de alimentos com renda revertida para ações solidárias. Os anos passam e “blue-eyes” segue a fazer jus ao título de um dos cinco filmes que fez para o diretor Martin Ritt: O Indomado (1963).




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