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Cavalos urbanos têm 'boa vida'
Por Rita Norberto
Do Diário do Grande ABC
15/02/2003 | 18:26
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Cavalos puxando carroças, sob o sol quente, no trânsito entre os carros. A cena causa pena. Mas num contato mais próximo com os carroceiros, conhece-se um outro lado desta história: mais dura que a vida do animal é a de seu dono, que são pessoas que dependem deste trabalho para a sobrevivência e o sustento de suas famílias. Apesar da vida difícil, percebe-se que a maioria dos carroceiros cuida bem de seus animais – porque deles dependem – com ração, água, descanso e amor. “Gosto demais destes bichos, são como se fosse um filho meu. Reconheço que o cavalo é um lazer, pois preciso dele para sustentar minha família”, disse o carroceiro Raimundo Honório Coelho, 44 anos, em Mauá.

Coelho trabalha como carroceiro, vendendo terra e esterco nas ruas do bairro. Todos os dias, há 14 anos, ele sai de sua casa às 7h acompanhado pelo Bili ou pelo Nego, os dois pungas (expressão para cavalos sem raça definida) que ele comprou há três anos. O trabalho dura até a hora do almoço. Com orgulho, afirma que o amor que sente pelos animais é recíproco, especialmente por Bili, um cavalo branco de 11 anos. “Ele dorme ali em cima, mas quando está com fome ele vem aqui me chamar. Só eu monto nele, mais ninguém. Se você montar, ele não sai do lugar”, disse. Por cada um dos animais, ele pagou, na época, R$ 600.

Os cavalos aparentam ser bem cuidados. Ganham, segundo ele, ração, vitamina, água e trabalham em dias alternados “para não judiar”. “Tem gente que maltrata. Mas se eu vir, brigo. Um dia quase bati em um carroceiro que estava espancando o animal”, disse. Por esta e por razões econômicas é que Coelho queria abandonar esta vida. “O que mais queria era um emprego de verdade. Vender na rua não dá nada. O que ganho divido entre o nosso alimento e dos animais”, disse. Com o que ganha, Coelho mantém a mulher e três filhos, a mais nova, Cassiana, de 4 anos, que tem paralisia cerebral.

Sobrevivência – Em Santo André, outro Raimundo ganha a vida sobre uma carroça. É Raimundo Ferreira, 26 anos, que somente há 15 dias comprou um cavalo para recolher e vender ferro-velho. “Tem de trabalhar. Se roubar, vai preso”, disse. Casado e pai de três filhos, de 2 e 3 anos e um nenê de 7 meses, Ferreira trabalhou com o cavalo emprestado do amigo para conseguir juntar os R$ 700 reais que investiu em sua égua, a Tchuchuca, de 6 anos, que veio de Ribeirão Preto e pertencia a outra pessoa da Sacadura Cabral. Antes, ele trabalha como padeiro. O amigo, Roberto Anacleto Rosa, 27 anos, foi quem emprestou um de seus dois cavalos, Castanho 1, de 6 anos, e Castanho 2, de 4 anos. Com eles, os animais trabalham até o meio-dia, são alimentados e à noite, dormem em um espaço de terra chamado de Barrerinha.

Na tarde da última terça-feira, os três animais comiam palha de milho em um terreno baldio na Vila Palmares. Segundo Ferreira, eles comem farelo e palha de milho e chegam a beber até 20 litros de água num dia. “Eles são fortes, comem bastante ração e são bem cuidados. O que eles carregam não é nada para eles, os cavalos pesam 250 quilos e agüentam até mil quilos”, disse. Segundo Ferreira, no início os cavalos assustam com o trânsito, mas em 15 dias eles se acostumam e não se assustam. “Não precisam ter dó”, disse Ferreira.




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