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Quaresma não é só período sem carne
Por Tiago Dantas
Do Diário do Grande ABC
21/02/2010 | 07:00
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Passar um mês e meio sem comer carne não é a única forma de celebrar a Quaresma, período de 40 dias entre a Quarta-feira de Cinzas e a Páscoa. Há cristãos que se privam de comer doces, de tomar bebidas alcoólicas e até de falar mal dos outros - o chamado jejum da língua. Existem penitências que envolvem, ainda, cortar os excessos e caminhadas matinais.

A Igreja Católica define a Quaresma como um período de preparação para a Páscoa, festa religiosa que simboliza a ressurreição de Jesus Cristo. "Costumo dizer que é um grande retiro", afirma o padre Joel Nery, assessor da Pastoral Litúrgica da Diocese de Santo André. "É um momento de renovar sua fé, baseado em três pilares: oração, penitência e caridade", diz Nery.

A penitência, segundo o padre, não precisa ser feita exclusivamente com alimentação. "Quantas coisas temos em excesso no mundo atual? A ideia é privar-se de algo para unir a outra prática, a caridade. De nada adianta se privar, se essa privação não se transformar em gesto de caridade", opina o assessor da Diocese. São esses excessos que afastam tanta gente da celebração da Quaresma.

"Hoje em dia existe propaganda muito grande de que temos que gozar de todos os prazeres e aproveitar cada momento da vida. Não digo que há prejuízo para o cristão que não participa da Quaresma. Mas ele perde uma oportunidade de renovar sua fé", considera o assessor da Diocese.

O gesto do padre de passar cinzas na cabeça dos fiéis durante a missa de Quarta-feira de Cinzas simboliza um convite para participar da Quaresma. Muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos, como diz a citação bíblica. "De nada adianta fazer se não for de coração. Não é número, não é quantidade. Não adianta fazer para os outros verem. É para fazer no silêncio do coração", adverte o padre Nery.

O termo Quaresma faz referência aos 40 dias que Jesus Cristo passou no deserto. O Evangelho de Mateus, na Bíblia, conta que, após 40 dias, Jesus sentiu fome e foi tentado pelo Diabo, que disse: "Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem em pães." Jesus, então, respondeu, segundo a Bíblia: "Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus."

FRATERNIDADE - Desde 1964, junto com a Quaresma tem início a Campanha da Fraternidade, iniciativa da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil). O tema desse ano é Economia e Vida, com o lema "Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro", retirado do Evangelho de Mateus. Também fazem parte da campanha as Igrejas Luterana, Anglicana, Sírian Ortodoxa e Presbiteriana Unida.

Deixou chocolate e refrigerante de lado

A auxiliar de escritório Edinéia Ferreira da Silva, 28 anos, converteu-se ao Catolicismo em 2000 e, desde então, adotou a prática de fazer penitências durante o período da Quaresma.

"Já fiquei sem comer chocolate e sem tomar refrigerante, que são duas coisas em que sou viciada. Teve um ano que fiquei sem comer carne de quarta e sexta-feira", conta Edinéia, que preferiu não revelar que promessa fez neste ano.

"As outras práticas são importantes também. Nesse período, o padre sempre diz que devemos orar mais e reforçar a caridade, estar mais abertos a ouvir o outro e a ajudar, o que, às vezes, pode ser muito difícil", afirma a auxiliar administrativa.

Frequentadora da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, em Santo André, Edinéia lembra que já ouviu gente dizendo que fazer penitência na Quaresma é besteira. "Quem não conhece, questiona, mesmo", diz.

EXCESSOS NO COFRE - A dona de casa Sônia Maria Rodrigues do Prado, 59 anos, que assiste às missas da Igreja Jesus Bom Pastor, também em Santo André, está fazendo uma penitência baseada na caridade.

"O padre sugeriu que a gente colocasse em um cofre o que foi economizado com o corte de exageros da nossa vida. No fim da Quaresma, levamos tudo para partilhar com os necessitados", diz.

A penitência funciona assim: se você costuma comer um chocolate depois das refeições, por exemplo, dispense o doce e guarde o dinheiro que gastaria comprando os chocolates em um cofre. "É uma forma de ajudar o próximo", opina a dona de casa, que, em outros anos, já ficou 40 dias sem comer carne, chocolate e pipoca.

"Nunca peço nada em troca. Acho que é uma forma de lembrar que Jesus ficou 40 dias em jejum no deserto e depois morreu na cruz por nós, para que a gente tivesse direito à vida", opina.

Sexta-feira, ela começou a participar de uma caminhada penitencial com cerca de 200 outros fiéis. "A gente saiu pelas ruas do bairro às 5h, rezando o terço. Tem que ser baixinho para não acordar os outros. E junta bastante gente, até jovens", comenta Sônia.

Cristãos só eram batizados na Páscoa até o século 4

Para os primeiros cristãos, a Quaresma representava o período final da preparação para o batismo. Até o século 4, o ritual que marca a iniciação no Catolicismo era celebrado no dia da Páscoa.

"Com o tempo, o batismo foi sendo celebrado em outros períodos, e a Quaresma se manteve com o objetivo de renovar o batismo". afirma o padre Joel Nery, assessor da Pastoral Litúrgica da Diocese de Santo André.

O número 40 aparece na Bíblia em diversas passagens. No Antigo Testamento, o dilúvio de Noé durou 40 dias e os hebreus caminharam 40 anos pelos desertos até chegarem a Canaã. O Novo Testamento conta o retiro de 40 dias no deserto feito por Jesus Cristo.




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