Setecidades Titulo
Vila Conde mantém paixão de moradores
Por Renan Fonseca
Do Diário do Grande ABC
20/06/2011 | 07:00
Compartilhar notícia
Andréa Iseki/DGABC


A entrada para a Vila Conde, em Rio Grande da Serra, começa na Avenida José Belo. A via, calçada com os tradicionais paralelepípedos, bifurca para a Rua (onde) Sol Levanta e depois a Rua Poente. Do lado contrário, a avenida dá acesso a todas as demais cidades do Grande ABC (homenageadas com os nomes batizando vias do bairro). Diadema, Mauá, Santo André, São Caetano, São Bernardo e Ribeirão Pires, localizada na parte mais alta da vila.

As demais ruas continuam com homenagens a cidades da metrópole. Além disso, os caminhos na vila são cruzados por vielas, que cortam quarteirões.

Ali, o ambiente interiorano, somado ao clima fresco da Mata Atlântica, fez com que muitos moradores se apegassem ao bairro. Do alto do morro é possível avistar os vagões que correm pelos trilhos da linha férrea, carregando passageiros ou cargas para o Litoral.

Muitos dos antigos residentes são aposentados pela Rede Ferroviária Federal. Silvio Aparecido do Carmo, 49 anos, hoje vive como pintor. Mas já foi ajudante geral na extinta malha de trens. "Quando cheguei aqui, não existiam os paralelepípedos. Era puro barro", relembra. Agora, com linha de ônibus para o Centro, escolas e pequenos comércios espalhados pelas esquinas da Vila Conde, Silvio reforça que não pretende arredar o pé dali. "Aqui é muito sossegado e todo mundo se conhece", ressaltou.

CASO DE AMOR
O casal Maria Irani Monteiro, 71 anos, e Antônio Bernardo dos Santos, 56, vive há quatro décadas na vila. Ela é mais antiga, veio do Rio de Janeiro com o pai, em 1964, e dali não quis mais sair.

Eles se conheceram em São Caetano. Seu Antônio morava em Mauá, na época. "Ele teve coragem de mandar uma foto dele. Trabalhávamos juntos em uma empresa, mas eu não queria relacionamento", conta ela, enquanto o marido solta uma risada disfarçada. Não teve jeito, a insistência de seu Antônio conquistou o coração da amada, que já tinha oito filhos de outro casamento.

"Aceitei e começamos a namorar. Meu pai me deu uma casa aqui na vila e exigi que nos mudássemos para cá", lembra a aposentada. A lembrança do pai falecido e o começo do casamento fizeram dona Maria permanecer na vila. Hoje, o casal já sofre com o peso da idade.

A casa onde passaram os primeiros anos ficou no pico do morro, uma das filhas ficou encarregada de cuidar. Dona Maria e seu Antônio ficam agora sob os cuidados da família, na mais antiga casa da Vila Conde, para onde o pai a levou há mais de 40 anos.

Morte de maquinista e bebê entram na história

De porta em porta é possível perguntar aos antigos moradores da Vila Conde quais foram os episódios que perturbaram a calmaria habitual no bairro. Não é preciso buscar fundo na memória, e a vizinhança explica de pronto: a morte repentina do maquinista Brasilino Lima Pinto e o bebê abandonado em uma residência na Rua Diadema, este recentemente.

Seu Brasilino Lima era um sujeito animado, brincalhão e de bem com a vida. Sabe-se lá o motivo que o acometeu para, na década de 1970, se jogar nas águas do ribeirão que passa ao sopé do morro onde está a vila. Era aquele tipo de pessoa que todos conhecem e confiam. Foi padrinho de uma das filhas de seu Augustinho Derico Felipe, 69 anos.

"Ele desembarcava na estação à noite e vinha pelo caminho de terra. Tomava uma cervejinha com os amigos e ia para casa. Éramos muito amigos", relembra o aposentado, que ainda toma conta do Bar dos Amigos.

O nome do antigo maquinista é tão conhecido que hoje está na placa da passarela que atravessa os trilhos da MRS e segue para a estação ferroviária. A travessia Brasilino Lima Pinto é usada pelos moradores e clientes assíduos de seu Augustinho. "Mantenho o bar aberto até as 20h. Daí, espero uns 20 minutos para alguns chegarem para a última pinguinha."

O bebê, encontrado pela nora de dona Maria do Carmo Avelino, 47 anos, encontra-se bem na Casa Abrigo. O inquérito policial ainda não foi concluído. Enquanto isso, a criança não pode ser adotada. "Visitamos o bebê e ele está saudável. Espero que, quando possível, algum casal de bom coração o adote", torce dona Maria.

Urbanização amplia-se nos anos 1970 e 1980

Em 1982, Vila Conde Siciliano formava-se e, por ocasião do Natal, sua comissão de moradores realizou uma festa comunitária num quarteirão interditado. O Papai Noel apareceu e distribuiu balas e doces às crianças. Houve brincadeiras e apresentação de grupos caipiras e sertanejos.

Em 1979, o Diário esteve na Vila Conde e fez uma foto geral, hoje um verdadeiro documento histórico. As primeiras casas mesclavam com muitos terrenos baldios. As ruas ainda eram de terra batida. Observam-se postes da iluminação domiciliar. O verde preponderava.

A advogada Gisela Leonor Saar, historiadora de Rio Grande da Serra, tem trabalho completo sobre Vila Conde que mereceria ser publicado e distribuído no bairro em forma de livro.

Fazenda, pedreira, ramal ferroviário
Condensação do texto de Gisela Leonor Saar

No século 19, a área da atual Vila Conde Siciliano fazia parte das terras de Benedito Feliciano da Costa. Em 1868 e 1870 a propriedade foi vendida ao engenheiro uruguaio Joaquim Eugênio de Lima, o construtor da Avenida Paulista. Em 1918, estava formada a Fazenda São Joaquim, com glebas de matas, pastos e benfeitorias.

Em 1927, a Prefeitura de São Paulo compra 20 alqueires da Fazenda São Joaquim e uma faixa de 50 metros de largura em toda a extensão do ramal férreo que interligava a pedreira à estação Rio Grande da SPR. O ramal tinha uma única parada, exatamente no ponto onde fica Vila Conde.

A partir de 1945, amplia-se a chegada de famílias de origem japonesa, com suas granjas e plantações. Pedreira e colônia transformam-se em fatores importantes de adensamento tanto da Vila Conde como de outros loteamentos: vilas Niwa, Suzuki, Recanto das Flores, Ota e Jardim Nakamura. À frente dos loteamentos, Osvaldo Salles Cunha.

O desenvolvimento econômico do Grande ABC, com a indústria automobilística, anos 1960 para frente, amplia a ocupação dos bairros. E a Lei de Proteção aos Mananciais, de 1976, restringe a chegada de melhoramentos públicos essenciais.

O conde siciliano da história residiu em propriedade da família Matarazzo, numa residência em estilo de palácio italiano construída numa elevação. Esta e outras construções foram demolidas quando da formação da Represa Billings. Sobrevive a Bica dos Matarazzo.

Entre os antigos moradores, dona Joana Rabelo, mineira, que chegou à Vila Conde com 8 anos. Mais de 50 anos de bairro. Pintora, doou quadros à Prefeitura. Três de suas pinturas perpetuam paisagens da Vila Conde.

Citamos o professor Antonio Ângelo Orlando. Nasceu em Rio Grande da Serra. Aqui estudou, trabalhou como professor e diretor escolar. Acompanhou o crescimento de Vila Conde e loteamentos vizinhos, que formam a ‘Grande Conde Siciliano'. (Ademir Medici)




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;