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COLUNA
A cara do meu Brasil
Por Rodolfo de Souza
06/12/2018 | 07:00
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O artista esbanjou habilidade no monociclo, bem diante das fileiras de carros que aguardavam o semáforo esverdear. Além da vertiginosa altura do aparelho de uma só roda, ele exibiu destreza ao utilizar outros objetos que jogou para o ar, aparou com a boca e... Enfim, exibiu-se tão à vontade como se estivesse num picadeiro, rodeado de gente aplaudindo.

Desceu, por fim, para a frieza do seu público do asfalto. Aí, a parte mais difícil, na verdade a mais dura, para a qual não há ensaio, se deu quando o artista, de boné em punho, se pôs a percorrer as filas, carro por carro, na vã esperança de ser premiado por sua exibição, com R$ 0,10 que fosse.

Logicamente que a sensibilidade de cada um tornou-se endurecida por uma situação que o descaso criou, e que condena um número cada vez maior de pessoas a povoar os semáforos, angústia que, por ser corriqueira, não mais incomoda motoristas e transeuntes. Claro que não deixa de ser uma cusparada na cara da sociedade essa busca desesperada pela moeda no sinal fechado. É sintoma de um mal que cega o povo desta enorme Nação de contrastes, que deveria ver o pleno emprego como normal, não a miséria.

Mas o semblante do artista de boné vazio me tocou, e o sinal já estava verde quando pensei nas moedas que carrego no console. Apesar de que o tempo não era suficiente para que o homem me alcançasse, e por certo que a sinfonia de buzinas não me pouparia caso eu perdesse preciosos segundos na tentativa de entregar um vintém ao artista do farol. Foi tudo muito rápido.

Entretanto, o semblante entrecortado de dor e humilhação é peso demais para este autor que, a despeito dos percalços desta vida, ainda se considera um privilegiado diante da tragédia que se abate sobre esta população que sobrevive aos trancos e barrancos, retirando leite de pedra. Gente como eu e você que neste exato momento lê estas palavras colhidas ao acaso, logo ali, nos cruzamentos da vida.

Noutro lugar, o trompetista também compareceu para dar mais cor à tarde que se anunciava meio cinzenta. O farol vermelho concedeu a vez ao músico, que desempenhou bem o seu papel e que levou à indagação sobre o que fazia ali, ao invés de estar numa banda ou orquestra que talvez dele necessitasse.

Era um rapaz que certamente não atingira os 20 anos, e que trazia no rosto a mesma expressão de angústia ao pedir a moeda desprezada pelo outro que segue de carro, e que evita dirigir o olhar para a pessoa que implora condescendência, talvez pelo medo de também ser contaminado pela bactéria da pobreza extrema, situação não tão improvável como se pensa, dadas a circunstâncias que envolvem esta pobre Pátria, espoliada até a alma.

No entanto, há de se imaginar contraditório este pensamento, uma vez que o velho bordão que povoou a minha existência, assim como a de muitos da minha época, reza que este é o País do futuro. Até certa idade, acreditei. Depois, desdenhei e, por fim, desanimei. Não concebo um futuro de glórias para uma Nação cuja sociedade é composta de gente que ostenta riqueza, luxo, culto a uma imagem que não é a do Brasil, em detrimento daquele que procura esconder o rosto quando se amofina debaixo do teto de concreto, moradia superfaturada que ajudou a engordar a conta bancária de alguém que desconhece a existência desses moradores, simplesmente porque não os vê.

É, meu caro...! Este é mesmo o País que vai para frente.

Para frente do semáforo, com chapéu na mão. 




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