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Papai Noel da favela Corintinha usa saia e dirige uma Fiorino
Do Diário do Grande ABC
19/12/2004 | 13:59
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Antes de chegar ao Pólo Norte, as cartinhas para o Papai Noel escritas na favela do Corintinha, na Vila Palmares, em Santo André, passam pelas mãos da professora de pintura Sueli Franco Forato, 50 anos. Foi para a mulher mignon, de cabelos longos e sorriso simpático que as 370 crianças da Corintinha confiaram seus pedidos de Natal no início do mês. Nem precisavam ter o trabalho. Dois meses antes, a professora já tentava reunir o mesmo número de padrinhos para presentear essas crianças, com a famosa sacolinha de Natal.

É também para amenizar o sentimento de desalento dos outros 11 meses do ano que Sueli pega sua Fiorino cinza e parte para a Corintinha uma vez por semana, pelo menos. "Venho ver quem está precisando de alguma coisa".

Mas é no período que antecede as festas de fim de ano que a correria cresce. Sueli tem o cuidado extra de verificar se cada uma das sacolinhas estão completas e se as roupas estão com a numeração certa. "Às vezes as pessoas erram o tamanho estipulado ou colocam sapatos velhos no pacote. Daí temos que correr para completar a sacolinha. As crianças têm todo o direito de ganhar presentes em bom estado. É importante que seja assim porque elas guardam as roupas para ocasiões especiais", diz Sueli.

Um exemplo de ocasião especial é o almoço de Natal que Sueli e cerca de 70 voluntários oferecem hoje aos moradores da favela. "Gostaria que todos tivessem um dia feliz e uma refeição em família no Natal. A nossa aqui é completa. Tem arroz, feijão, frango, macarrão, salada, sobremesa com bolo e refrigerante", conta, animada. Para a realização da festa, assim como para completar as sacolinhas, ela também não fica parada. Da Paróquia Santo Antonio, no Jardim Santo Antonio, ela "empresta" uma equipe de cozinheiros e voluntários acostumados a eventos beneficentes de grande porte, assim como mesas e cadeiras para acomodar o pessoal no campo de futebol da favela.

Aproximação – Sueli chegou à favela do Corintinha em 2001. Já fazia trabalhos voluntários em outros cantos quando conheceu a família da menina Glaucilene da Silva, 10 anos. Cega, a criança não conseguia se movimentar dentro do minúsculo barraco e por isso suas pernas atrofiaram. "A casa parecia um corredor. Ela ficava encolhida na cama e morria de medo de que algum bicho encostasse nela". No cubículo viviam ainda os pais e as duas irmãs menores de Glaucilene.

"Me apeguei muito àquela história. Tinha que ajudar a família de alguma forma. Enquanto passei a me dedicar a levantar fundos para comprar um novo barraco para a família, comecei a perceber que eu podia ajudar de verdade aquela comunidade, que é pequena", lembra Sueli. Glaucilene e as irmãs, que agora são três, ganharam um barraco mobiliado e a favela do Corintinha ganhou uma verdadeira mãe. Por causa da mulher caridosa, contam os moradores, já conseguiram roupas, móveis, colchões e remédios.

Quando ela pára o carro na entrada da favela, a criançada entra em alvoroço. "Tia! tia! Você vai me entregar a ficha?" é o que a maioria pergunta. A ficha em questão é o tíquete que ela distribui para as crianças receberem os pacotes das mãos do Papai Noel, que chega em um carro do Corpo de Bombeiros durante o almoço. O papel do bom velhinho fica nas mãos do marido, José Forato, 53 anos. "Ele adora a idéia de distribuir os presentes. Se pudesse, gostaria de ser eu mesma o Papai Noel. Já pensou?"

A explicação para o esforço de Sueli não está na chamada epidemia de solidariedade, que cresce à medida que o mês de dezembro avança. Há sete anos, um de seus irmãos sofreu um acidente de carro e precisou de tratamento intensivo devido às fraturas que sofreu. "Ele ficou muito tempo no hospital e como não tinha convênio médico, tivemos de vender um imóvel e correr atrás de doações. Toda a família entrou nessa. Fizemos bingos e as pessoas das favelas compravam números para ajudar", conta, emocionada. "Desde então, não só eu como toda a minha família nos envolvemos em projetos desse tipo."

A vontade da professora agora é de montar uma biblioteca básica dentro do centro comunitário que já existe na favela. Sueli já guarda livros em casa pensando no projeto. "Fico imaginando que o centro comunitário pode ser bem maior que isso. Hoje as crianças ficam aqui durante a tarde e têm aulas de artesanato." "E quero implantar cursos profissionalizantes. O maior presente de Natal que eu poderia dar aos adolescentes é criar condições de emprego e conquista de uma vida digna."




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