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O João que era de Deus
Por Rodolfo de Souza
20/12/2018 | 07:00
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Um dia João achou que era Deus, e resolveu agir como tal. Só que João não era Deus, era homem, unicamente, homem. E, por ser homem, gostou da brincadeira, e não percebeu que sua mente era limitada, e que só poderia mesmo brincar. Nada mais. E, foi assim que sua genética, exclusivamente humana, rapidamente o convenceu de seu poder sobre os demais de sua espécie.

E tanto se fingiu de Deus que passou a curar o semelhante, aquele que não fora contemplado com o dom divino concedido somente a ele. E a coisa tomou proporções tais que o tornaram, de fato, unanimidade, sempre procurado, reverenciado, amado... E não demorou, inclusive, para que João se sentisse absoluto, detentor de poderes a ele conferidos por... Ah! Por ninguém. Por ele mesmo, que se considerava Deus.

E o homem montou templo para o seu trabalho e para a sua própria glorificação. Tudo porque, devagar, lhe escapava das mãos o controle sobre a vaidade, sentimento tinhoso que costuma comer o indivíduo por uma perna.

Mas dizem que João tem poderes de verdade, e que cura pessoas enfermas! Muitos testemunharam isso. Gente desesperada em busca da salvação do corpo, que só poderia vir de suas mãos santas, jura ter experimentado ou, pelo menos, assistido ao seu empenho na restauração da saúde, há muito considerada perdida.

Quem pode duvidar disso, afinal? Não será um cronista, que só detém algum poder sobre a escrita, o primeiro a questionar dom tão divino, claro.

De qualquer forma, o homem que adorava ser Deus parece que, em dado momento, preferiu o deserto ao monte das oliveiras. É o que dizem as pessoas que estiveram sob o seu jugo, sem entender o que levara um ser, aparentemente ungido do Senhor, a cometer desatinos condenáveis aos olhos de Deus e da sociedade. Mesmo porque, o homem estava seguro de que seus dotes sagrados jamais permitiriam que abrisse a boca a gente que se submetera aos seus desmandos, ao que tudo indica, com a devida vênia das forças do além. E agora a população, perplexa, assiste ao desenrolar dos fatos, ainda sem acreditar no que ouve. Em especial, quem presenciou os seus milagres, ou quem o conheceu de perto, mas que não fora necessariamente tocado pelas suas qualificações santas.

Mas a casa caiu e deitou por terra a esperança de um povo que sonhava com o dia em que teria de volta a saúde que só João poderia devolver. É possível que o desespero e a angústia conspirássem em segredo, ofuscando a visão que não permitia ver João como homem que sempre foi.

Daí a fé deu lugar ao desalento, e voou para longe em busca da renovação que certamente não virá pelas mãos dos deuses terrenos e suas imperfeições, dentre elas, a mania de se considerar Deus. Basta que lhe coloquem nas mãos algum tipo de poder e pronto, lá vai a frágil criatura, de peito empolado, pisando no ar ou caminhando sobre as águas.




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