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Mistérios: o que é, o que
é, que parece mas não é?
Juliana Ravelli
Do Diário do Grande ABC
06/02/2011 | 07:00
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A natureza é mesmo muito cheia de mistérios, com criaturas que até parecem uma mistura de vários bichos, como o ornitorrinco, tema de charadinha. Tem bico semelhante ao do pato, cauda que lembra a do castor e bota ovos como as aves e os répteis. Entretanto, é mamífero! Tem pelos, e a fêmea produz leite para amamentar o filhote.

É tão diferente que, na época de sua descoberta, no fim do século 18, cientistas europeus imaginaram que estavam diante de uma fraude. Isso mesmo. Pensaram que algum espertinho costurou partes de diferentes animais para enganar os estudiosos. Imagine a confusão.

Quem pensa que o ornitorrinco é resultado do cruzamento de várias espécies e, por isso, tem esse monte de características diferentes está completamente enganado. O bicho sofreu adaptações no corpo ao longo de milhões de anos para realizar melhor inúmeras atividades (como se locomover e se alimentar) e, assim, sobreviver.

EVOLUÇÃO - O britânico Charles Darwin mostrou a importância dessas transformações dos bichos no livro A Origem das Espécies, de 1859. Após muito estudo, o naturalista concluiu que a Terra tem milhões de espécies diferentes graças à evolução (mudanças para melhor se adaptar ao ambiente) dos seres vivos.

Além disso, só os mais preparados para enfrentar as dificuldades conseguem produzir descendentes em número suficiente para manter a espécie no planeta. É a chamada seleção natural. As pequenas mudanças no organismo passam de uma geração a outra; depois de milhares de anos, elas representam grandes alterações. Isso ocorre inclusive com o homem.

O porco-da-terra tem história semelhante à do ornitorrinco. Apesar do nome, não é parente nem longe do suíno (saiba mais nesta página). Também ao olhar a pelagem do ocapi - nas patas traseiras tem pelos brancos e listras pretas - qualquer um diria que é parente da zebra. Que nada: é primo mais próximo da girafa!

OUTRO CASO - Existem, sim, bichos que resultam da mistura de duas espécies distintas. São os chamados híbridos. Bem diferentes dos casos anteriores, nascem depois que bichos com grande grau de parentesco cruzam, como a mula.

 

Zeburro, zebralo, cama, tambacu e muitos outros

Os animais híbridos - resultado da mistura de duas espécies diferentes - não fazem parte de uma nova espécie. Você pode não saber, mas a mula (fêmea) e o burro (macho), filhos de pai jumento e mãe égua (fêmea do cavalo), são os mais comuns desse tipo.

Há muitas outras combinações. Em 2010, nasceu um zeburro (união da zebra com o burro) nos Estados Unidos. Pode até parecer piada, mas não é. Ele tem as patas brancas com listras pretas e o resto do corpo coberto por pelagem amarronzada.

Há ainda o zebralo (cavalo com zebra), tambacu (peixes tambaqui e pacu), cama (dromedário com lhama), beefalo (vaca com búfalo), urso grolar (urso-polar com pardo), entre outros. E isso não ocorre só com os bichos. Muitas plantas híbridas são desenvolvidas pelo homem.

Em geral, a mistura de espécies animais faz com que os híbridos tenham vários problemas, principalmente genéticos ou de comportamento. Grande parte é estéril, ou seja, não consegue gerar filhotes. Raras vezes os cientistas registraram casos de mulas, por exemplo, que tiveram crias. No caso dos vegetais, a hibridização é com frequência bem-sucedida, gerando plantas saudáveis e fortes.

A maioria dos biólogos não gosta da combinação, por acreditar que os descendentes híbridos não têm valores biológico ou genético que contribuem para a preservação das espécies dos pais.

 

Mistura de primos dá híbrido

A maioria dos animais híbridos é gerada em cativeiro, como em zoológicos. Às vezes, por não ter parceiros da mesma espécie para acasalar no ambiente em que vive (no caso, o parque), o cruzamento com outro bicho é praticamente forçado. Também ocorrem casos de híbridos produzidos pelo homem em laboratórios.

Entretanto, um bicho até pode se interessar por outro de espécie diferente na natureza, embora isso aconteça com menos frequência. Em qualquer um dos casos, porém, é preciso que os animais sejam parentes próximos - o que os cientistas chamam de geneticamente semelhantes - para que as crias sejam formadas. Se isso não ocorre, não nasce nenhum filhote.

Pesquisadores descobriram recentemente que alguns ursos-pardos do Norte do Canadá procuram fêmeas polares durante a época de acasalamento. Em geral, elas fogem. Mesmo assim, há ocasiões em que cruzam e têm filhotes.

Suspeita-se que o contato entre essas duas espécies teria sido facilitado pelo aquecimento global. O derretimento do gelo no Ártico faz com que o urso-polar se aproxime cada vez mais do habitat do urso-pardo, e vice-versa.

 

Seleção natural faz adaptações

Na natureza, é comum existirem bichos que, mesmo não sendo parentes, são parecidos. Em geral, isso acontece porque vivem em ambientes semelhantes, e a seleção natural (a defendida por Charles Darwin) contribui para que ocorram praticamente as mesmas transformações nessas espécies diferentes.

Desse modo, é fácil se enganar e imaginar que alguns animais são mistura de outros. Há, por exemplo, esquilos que voam de uma árvore para outra, porque têm uma membrana que liga as patas das frente com as de trás. De longe, alguém pode pensar que são morcegos. A tal da seleção natural fez com que o corpo deles sofresse a adaptação. Mesmo não tendo parentesco, têm características que os deixam parecidos.

 

Tigreão fica muito bravo

O ligre e o tigreão também são híbridos, e pelo nome dá até para saber de quem são filhos. O primeiro nasce do cruzamento entre o leão e a tigresa; o outro é resultado da mistura entre tigre macho e leoa. Essas espécies são parentes próximos.

Apesar de terem pelagem semelhante - listras de tigres um pouco apagadas -, são bichos diferentes. Por serem híbridos, apresentam alguns problemas. O corpo do ligre cresce sem parar e a cabeça fica pequena. Por isso, vive pouco, só cerca de três anos. Já o tigreão é menor, mas muito bravo. Um zoo, no Sul da China, é o único no mundo a manter os dois juntos.

 

- O porco-da-terra (Orycteropus afer) tem focinho de suíno, orelhas parecidas com as do burro, língua comprida como a do tamanduá e dedos que até parecem humanos. Apesar do nome, não é parente do porco, mas único representante da ordem Tubulidentata. Originário da África, alimenta-se de insetos, principalmente formigas e cupins. Tem fortes garras, sendo excelente escavador de buracos. Vive em tocas, onde esconde o filhote. Mede cerca de 1,60 m, sem contar o rabão de 60 cm. Pesa, em média, 80 kg.

 

- O ocapi (Okapia johnstoni) é parente da girafa, apesar das listras semelhantes às da zebra. Também é originário da África. Não tem pescoço tão comprido como o da prima, mas a língua é longa para capturar folhas das árvores. Em 2008, o bicho foi fotografado em seu habitat natural; há 50 anos isso não acontecia.

 

- O ornitorrinco (Ornithorhynchus anatinus) não é híbrido. Evoluiu até a forma atual ao longo dos tempos. Encontrado na Austrália, está adaptado aos ambientes aquático e terrestre. Come vegetais e pequenos crustáceos. Descobriu-se que seu DNA tem características genéticas de aves e répteis, além de mamíferos.

 

- A mula (fêmea) e o burro (macho) são híbridos. Bichos bem fortes e resistentes, são usados com frequência em áreas rurais, em todo o mundo, para transporte de cargas pesadas. Em geral, são dóceis. Acredita-se que tenham surgido há mais de 3.000 anos; na Bíblia Sagrada há passagens que citam mulas e burros.

 

- O nascimento do ligre e do tigreão é possíve apenas em cativeiro. Isso porque os tigres vivem na Ásia e a maioria dos leões, na África; não ocupam o mesmo lugar. Aliás, existem raros leões asiáticos, encontrados numa reserva onde também há tigres. Entretanto, lá as duas espécies não se misturam.

 

Consultoria do biólogo Guilherme Domenichelli e Diogo Meyer, professor do Instituto de Biociências da USP, especialista em genética e evolução




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