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Cinema - a arte falível
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
28/01/2006 | 09:20
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Existe um aroma de pretensão no novo projeto de Beto Brant, podem alegar alguns. Afinal, em Crime Delicado, seu quarto longa-metragem, o cineasta paulista atola a câmera nas acepções que apontam o cinema como a sétima, a mais jovem e a mais completa das artes, dado seu potencial de agregar todas as outras. Por outro lado, pode ser tida também como a mais precária, pelas limitações a ela impostas justamente pela possibilidade de ser a manifestação pan-artística e freqüentemente não vingar como tal. Brant, cineasta que não nasceu ontem, aborda ambos os veredictos em seu novo filme.

A começar pela escalação do elenco e pelos seus personagens nessa adaptação do romance homônimo de Sérgio Sant’Anna. O ator Marco Ricca é o protagonista (além de produtor e co-roteirista, ao lado de Brant, Marçal Aquino, Maurício Paroni de Castro e Luís Carvalho Filho), um crítico teatral de nome Antônio, um sujeito metódico. Por acidente, conhece Inês (Lilian Taublib, cantora na vida real), modelo que mantém um relacionamento amoroso e posa para o pintor José Campana (o artista mexicano Felipe Ehrenberg). Envolve-se de tal modo com a moça que passa a perder o tão estimado autocontrole, e incomodam-lhe os encontros dela com o pintor. Em segundo plano, nas participações especiais, há uma série de figuras ilustres do meio cultural brasileiro, como o crítico teatral Alberto Guzik, a atriz e diretora Denise Weinberg e o cineasta Cláudio Assis.

Uma configuração de elenco dessas ajuda a entender a jornada de Crime Delicado na direção de compreender o cinema como arte falível, o que está no cerne do projeto de Brant. Antes disso, o cineasta fizera a obra-prima O Invasor (2001), que tinha como efeito a imersão irrestrita do espectador na atmosfera desesperadora do filme, apesar dos obstáculos (conscientes) que Brant distribuía ao longo da narrativa, como a filmagem precária em câmera digital e enquadramentos constantemente fora de prumo, além dos sons pós-naturalistas. Apesar de uma pujança inesperadamente menor em relação à filmografia anterior do cineasta (Os Matadores, de 1997; e Ação entre Amigos, de 1998), Crime Delicado é um inevitável passo além de Brant na sua concepção de cinema.

Esse amor de Antônio por Inês, que evolui do encantamento para a psicose num piscar de olhos, não interessa tanto como entrecho, com seu tratamento de tragédia fora do tom que resultará no crime enunciado pelo título. Vale mais como núcleo do trançado no qual se enreda todo tipo de composição artística – música, arte, teatro. Brant elege o plano fixo, com a câmera plantada como nos filmes do primeiro cinema (entre 1900 e 1915), para explicitar a necessidade do cinema em apelar para seus ancestrais artísticos. E quando implanta o campo e contracampo, recurso que contribui para a autonomia da linguagem cinematográfica, coloca-o como um ruído, como uma cicatriz na jornada do cinema em modelar outras artes a seu bel-prazer.

Crime Delicado é um filme que exalta a imperfeição estética – seja pela paixão psicótica, pela deficiência física de Inês ou pela forma aparentemente desconjuntada do filme – como processo artístico. Um mea culpa do cinema, do alto de seu salto.

CRIME DELICADO (Brasil, 2005). Dir.: Beto Brant. Com Marco Ricca, Lilian Taublib, Felipe Ehrenberg, Marcélia Cartaxo, Matheus Nachtergaele. Em cartaz no Espaço Unibanco 1 e Sala Uol. Duração: 87 minutos. Censura: 18 anos.




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