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Roteirista de "Eu, Tu, Eles" conta como foi o trabalho
Por Do Diário do Grande ABC
11/06/2000 | 15:03
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Sua ascendência é nordestina, o que talvez explique a aplicaçao com que Elena Soárez descreve um modo de vida sertanejo no roteiro de "Eu, Tu, Eles". Mas, como ela diz, o diretor Andrucha Waddington é carioca, urbano e o filme é dele. Nao há dúvida, porém, de que o filme que estréia em agosto deve muito ao roteiro de Elena. No Festival de Cannes, em maio, "Eu, Tu, Eles" foi aplaudido de pé, durante cinco minutos, logo após a sessao oficial na mostra Un Certain Regard.

No fim do evento, o júri de Un Certain Regard, presidido pela atriz Jane Birkin, deu-lhe uma mençao honrosa. "Eu, Tu, Eles" desponta como favorito para ser o representante do Brasil na postulaçao do próximo Oscar de filme estrangeiro. Mas nao vai ser fácil conseguir a indicaçao. Luiz Carlos Barreto já está mobilizado e faz seu lobby para garantir que "Bossa Nova", do filho Bruno, seja o candidato brasileiro.

Elena repete o que o diretor Waddington já disse ao Estado. A idéia de fazer "Eu, Tu, Eles" surgiu quando ele viu, no Fantástico, a reportagem sobre uma nordestina que vivia bem com três maridos. Waddington propôs entao a Elena que fosse colher o depoimento dessa mulher, de nome Marlene, com vistas à futura realizaçao de um filme. Marlene virou Darlene na ficçao e Elena confessa que o fato de haver conversado muito com a figura real causou mais prejuízo do que facilitou o trabalho da roteirista. "Fiquei muito presa ao que ela me contou; a ficcçao emperrava, nao ia adiante." Foi só depois de libertar-se da influência de Marlene, assumindo que "Eu, Tu, Eles" é uma ficçao, que o projeto andou.

Até que isso acontecesse, Elena admite que deu, sempre em sintonia com Waddington, diversos tratamentos ao tema. "Eu, Tu, Eles teve uma versao Vidas Secas, outra de comédia rasgada, uma terceira de western sertanejo." Quando ela e o diretor acharam seu tom, definindo o que queriam fazer, ocorreu o fato que fez toda a diferença. "Eu, Tu, Eles" foi selecionado para o laboratório de roteiros que o Sundance, o festival criado pelo astro Robert Redford e que é a vitrine da produçao independente americana, faz no Brasil, em parceria com a Riofilme. O deste ano está ocorrendo atualmente em Paraty. Elena foi para Barra do Piraí, no interior do Rio, em junho de 1998, e durante uma semana ficou discutindo o roteiro com especialistas indicados pelo Sundance - o diretor Curtis Hanson, Edward Pomerantz, figura carimbada de Hollywood, e a dramaturga mexicana Beatriz Novaro, que ela diz ser "fera".

O roteiro foi amplamente discutido, aperfeiçoado e, no final, entregue a Andrucha Waddington, que fez um belo trabalho. O resultado é bom. Mais que bom - ótimo. O Sundance aprovou tanto o filme que tem apadrinhado "Eu, Tu, Eles', outro fator positivo para uma provável indicaçao do filme para o Oscar. Há duas semanas, Curtis Hanson, diretor de "Los Angeles - Cidade Proibida" e roteirista, premiado com o Oscar, pelo mesmo filme, esteve no Rio para uma exibiçao de 'Eu, Tu, Eles" no Centro Cultural Banco do Brasil, promovida pelo Sundance. Veio só para isso - e gostou do filme.

Nada mau, ou melhor, maravilhoso para Elena, que se formou em economia, fez mestrado em antropologia social, mas gostava de escrever. Amiga de Andrucha Waddington - o marido dela, Luciano Moura, também é da produtora Conspiraçao -, ela recebeu dele, um dia, o convite. "Moramos perto um do outro, um dia eu atravessava a rua, ele parou o carro e me perguntou, à queima-roupa, se eu topava escrever um roteiro." Elena aceitou na hora e Waddington lhe falou entao do Fantástico, da mulher dos três maridos e lhe propôs que fosse ao Nordeste, para colher o depoimento dela. Desde entao Elena já escreveu seis roteiros.

Três Helenas - Embora o de "Eu, Tu, Eles' tenha sido o primeiro, com o próprio Andrucha Waddington ela fez depois "Gêmeas', que estreou antes e foi o vestibular do diretor, habilitando-o, com seus erros e acertos, a dar o salto qualitativo do filme premiado em Cannes. Elena escreveu depois os roteiros de 'Redentor", com Cláudio Torres, que vai dirigir o filme, e a irma dele, Fernanda Torres, mulher de Andrucha Waddington; os de "Condomínio", que o marido dela, Luciano Moura, vai dirigir, de "Minha Vida de Menina" - que define como o filme das três Helenas: a diretora Helena Solberg, ela e a biografada, a escritora Helena Morley - e o de 'Os Desafinados', que Walter Lima Jr. começa logo a rodar (com Murilo Benício como protagonista).

Waddington é um jovem diretor, Lima Jr. um veterano com quase 40 anos de estrada. Qual a diferença de trabalhar para eles? Elena nao vê muita diferença: "Ambos me dao toda liberdade para escrever." Ela sabe que, se o filme tem um autor é o diretor, mas acha que, como roteirista, tem uma contribuiçao para dar. "Se eles me escolhem, se me chamam, é porque existe algum tipo de identificaçao." Ela nem conhecia Walter Lima Jr.: "Um dia ele entrou no meu escritório e me propôs esse trabalho." Deu-lhe toda a liberdade. Elena escreve, os dois discutem, ele faz suas observaçoes e até correçoes, ela reescreve. Já com Cláudio e Fernanda Torres a colaboraçao foi diferente. "Fomos os três para o computador e ficamos ralando juntos."

Brasileira, de origem nordestina, Elena nao se cansa de explicar o espanholismo do nome. "Minha família é Soares, mas meu avô queria diferenciar-se dos irmaos e resolveu assinar Soarez, com Z no fim; como era professor de português, sabia que se colocasse o Z, teria de colocar acento no A; ficou assim Soárez e como o meu Elena é sem H todo mundo pensa que eu tenho origem espanhola, o que nao é verdade." Suas raízes nordestinas funcionaram. A verossimilhança - de cenários, ambientes e personagens - dá o tom de "Eu, Tu, Eles". Elena confirma que Waddington e ela nunca tiveram outra escolha - ela escreveu o filme pensando em Regina Casé como Darlene. Mesmo assim, admite: "Regina superou nossa expectativa; é a alma do filme."




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